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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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A UE marca passo

28 mar, 2020 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


A falta de uma resposta coletiva da UE a uma crise gravíssima e que atinge todos os Estados membros põe em causa o futuro da integração europeia. Depois do Brexit, esta incapacidade poderá ser fatal para a UE.

O falhado Conselho Europeu por videoconferência, na passada quinta feira, após quase seis horas de debate só não terminou com um comunicado anódino, cheio de belas frases mas sem qualquer decisão relevante, porque o primeiro-ministro italiano, G. Conte, ameaçou que não o assinaria. Só o assinou depois de ser introduzido nesse comunicado final a obrigação de os ministros das Finanças da zona euro (Eurogrupo) trabalharem num plano contra a recessão económica, a apresentar dentro de duas semanas.

O mais importante desse plano é ter uma dotação financeira adequada, disse o ministro Augusto Santos Silva. Infelizmente, as expectativas são agora bem mais baixas do que quando o ministro Centeno (presidente do Eurogrupo) prometia que os ministros das Finanças fariam tudo o que fosse preciso.

Não vão fazer, porque a Alemanha e a Holanda, seguidas pela Áustria e Finlândia, além de outros Estados membros, se opõem às “eurobonds”, ou seja, a dívidas cujos riscos sejam coletivamente partilhados pelos membros da UE. E o ministro das Finanças da Holanda pediu um exame às contas de Espanha, para verificar se este país teria, ou não, capacidade de enfrentar, sem ajudas, a recessão económica (se não for depressão) que aí vem.

António Costa classificou acertadamente de “repugnante” uma tal declaração, que lembra as dramáticas hesitações e dúvidas da reação da UE à crise das dívidas soberanas, sobretudo da grega, em 2011. É chocante que uma tal posição venha de um país, a Holanda, que foi fundador da integração europeia, com o Benelux e a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço.

A falta de uma resposta coletiva da UE a uma crise gravíssima e que atinge todos os Estados membros põe em causa o futuro da integração europeia. Depois do Brexit, esta incapacidade poderá ser fatal para a UE.

É certo que, muito por iniciativa da Comissão Europeia, se tomaram algumas medidas sensatas. É o caso, por exemplo, da suspensão do limite de 3% do PIB nos défices orçamentais, ou da flexibilização das regras sobre ajudas de Estado a empresas em dificuldades.

Mas o facto de os 27 ainda não terem chegado a acordo sobre o orçamento plurianual (sete anos) da UE, que orça apenas por 1% do PIB comunitário, é revelador da crise de solidariedade em que a UE parece ter mergulhado. Numa entrevista ao “Financial Times” Mário Draghi (a quem se deve o euro ainda existir) sugeriu créditos aos países com dificuldades de obter empréstimos a juros razoáveis, que tais juros fossem zero. A sugestão nem terá sido abordada no falhado Conselho Europeu por videoconferência.

É justo salientar que o BCE, depois de um inicial passo em falso de C. Lagarde, tem-se portado bem, honrando a herança de M. Draghi. O mesmo não se poderá dizer dos governantes de alguns Estados membros.

Este conteúdo é feito no âmbito da parceria Renascença/Euranet Plus – Rede Europeia de Rádios. Veja todos os conteúdos Renascença/Euranet Plus.

Comentários
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  • Cidadao
    28 mar, 2020 Lisboa 14:17
    Aliás, só por motivos ou políticos ou por falta de coluna vertebral, os Eurobonds não avançaram já, mesmo com a oposição dos 4 mete-nojo da Holanda, Áustria, Alemanha e Finlândia. Ao abrigo dos tratados existentes, o "Mecanismo de cooperação reforçada" permite a mais de nove países iniciar uma política comum, mesmo que outros Estados se lhe oponham. Algumas políticas comuns importantes - como o acordo de Schengen - começaram assim. E recorde-se, segundo palavras de António Costa, aos 9 países originais que subscreveram a carta a pedir os Eurobonds, já mais 4 Países manifestaram a sua adesão à iniciativa. É tudo o que é necessário para começar a emitir os tais Eurobonds. Provavelmente não se faz, para não criar cisões na UE. Mas se é isso, deixem-me acrescentar que é tarde demais: essas cisões já existem. Venham os Eurobonds e a Holanda, Finlândia, Alemanha e Áustria que vão para o diabo.
  • LIBERATO
    28 mar, 2020 Almada 12:15
    Na terceira só cai quem quer. Numa união em que teoricamente todos são iguais mas em que todos dependem da concordância do mais forte pouco ou nada deve á solidariedade. Isso é o que caso a caso vão constatando os países do Sul da Europa a cada amargo de boca. Nesse aspecto o histórico é de uma consistência incrível. Agora, o que esses países devem fazer? Talvez seja inteligente e mais prático começar a ver esta "união" em perspectiva e irem á sua vidinha mantendo um pé dentro, á mistura com algum cinismo saudável (amor com amor se paga) e começar a tirar partido das posições geoestratégicas comuns.
  • Olho, por olho
    28 mar, 2020 Dente, por dente 11:05
    Já disse e repito: façam uma UE 2, que exclua Holanda, Finlândia, Áustria e Alemanha. Esse quarteto de ricaços, só o são porque se impõem aos pobretanas do Sul pois se tiverem de lidar só entre eles, a música é outra. Façam a UE 2 tendo à cabeça França, Itália, Espanha, convidem Inglaterra para fazer parte, assim como os outros países que não esse quarteto. E até lá, respondam aos filhos da put*ce, sendo também filhos da pu*ice: se as decisões têm de ser unânimes, quando estiver em debate coisas importantes para eles, comecem a votar CONTRA, em assuntos que beneficiam esse quarteto. Isso é o fim da União? Mas qual "União"? Olho por olho...