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Graça Franco
Opinião de Graça Franco
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25 de Abril à janela

24 abr, 2020 • Opinião de Graça Franco


A ideia de que, de quinze em quinze dias, se pode fazer uma nova avaliação e voltar atrás ao ponto zero é uma ingenuidade económica e um suicídio político. Com a confiança não se brinca. Destrói-se num ápice e demora muito a recuperar.

De repente, ser patriótico parece ser não fazer perguntas, não colocar dúvidas, não deixar que o pensamento voe, deixando no ar alguma ideia ou dúvida, por pequena que seja, mais desagradável ou que coloque em causa a bondade de alguma operação de propaganda sobre a eficácia governamental de combate à pandemia. No último debate quinzenal, foi isso que aconteceu: mais parecia uma sessão de esclarecimento de uma secção do PS.

Posso ser desconfiada, mas anti-patriota não admito que me chamem. E não aprecio unanimíssimos, mesmo que, aqui e ali, isso me coloque, instintivamente, a partilhar as reservas do PCP ou do BE ou mesmo da Iniciativa Liberal. Com o Chega nunca ocorreu partilhar coisa nenhuma nem sequer as dúvidas. Tenho a vacina em dia. E desculpem recordar: o 25 de Abril não foi feito para endeusar a União Nacional.

Não basta a verdade (limitada e bem comportada) - é exigível toda a verdade. E até acrescentaria que, nalguns pontos, “nada mais do que a verdade”. Posso até ser injusta, mas não me parece que o primeiro-ministro possa remeter para a DGS ou para um desconhecido núcleo de médicos e epidemiologistas, reunidos em torno da magna figura presidencial, a possibilidade de nos explicar o que são e o que nos dizem os números que nos estão (ou não estão) a ser fornecidos sobre o andamento da pandemia no país.

Já o conselho dado por Marcelo Rebelo de Sousa, na sua última reunião de avaliação, me causou urticária: comecem por referir os números de recuperados e não pelos mortos e pelos novos casos, terá dito, em jeito de lição de boa comunicação governamental, o Presidente. A recomendação vinha a par de uma justificação bondosa: a de oferecer alguma esperança adicional à opinião pública, deprimida.

O Presidente que me desculpe, mas esse tipo de estratégia comunicativa parece-me desajustado. O que é notícia sobre a evolução da curva são os crescimentos dos números de mortos, dos internados em cuidados intensivos e, claro, dos novos casos detectados. Os recuperados são noticiosamente marginais. Esse número prova apenas a recuperação lenta da doença.

Mas o facto da pergunta levantada pela Iniciativa Liberal, no último debate quinzenal, ter ficado sem resposta não nos sossega. A polémica em torno das divergências entre os números fornecidos por várias entidades e a dificuldade de acesso da comunidade científica a uma série de indicadores adicionais, a que acresce a dúvida de haver quase 700 mortos “sem explicação aparente”, e que conviria saber se são também eles potenciais casos de covid ou da falta de atendimento em urgências de outro tipo de patologias que evitaram recorrer ao SNS por medo de contágio, Costa referiu apenas que, não sendo médico nem especialista, o melhor era levantar a questão junto das entidades competentes, na próxima terça-feira (dia de avaliação do estado de emergência).

A responsabilidade da veracidade e, sobretudo, da disponibilização de dados de interesse público, em democracia, é também do chefe do Governo. Perante a dúvida, tem de ser ele a perguntar se ela se justifica. E a exigir explicações. Estamos perante um ou dois problemas de saúde pública? Aparentemente, o chefe do Governo não se preocupa com a resposta. Embora seja a ele que caiba exigir transparência. Ou ele próprio não está interessado em saber se há razões para confiar? Interromper ou prolongar o estado de emergência é uma decisão política e não técnica.

Os economistas concordam em dois pontos: cada dia de confinamento adicional é uma desgraça. Mário Centeno já quantificou: cada 30 dias úteis de prolongamento do estado actual reduz a riqueza nacional anual em 6,5 mil milhões (mais de 4 por cento do produto nacional que se esvai!). Muito dinheiro. Mas o segundo ponto de acordo, na Academia, é que qualquer recuo, depois da abertura, terá custos muito maiores, não apenas em vidas, mas também do ponto de vista económico.

A ideia de que, de quinze em quinze dias, se pode fazer uma nova avaliação e voltar atrás ao ponto zero é uma ingenuidade económica e um suicídio político. Com a confiança não se brinca. Destrói-se num ápice e demora muito a recuperar. O NYT que gabou o nosso aparente milagre não hesitará, por um momento, em dar conta do desastre. Afinal, "Portugal passou de melhor a pior!" Ou "os dados escondidos do desastre português". Estão a imaginar estas manchetes? E a campanha do Turismo seguro a ir por água abaixo antes de ter o primeiro regresso de um turista?

Para evitar que isto aconteça, é preciso garantir que cientistas, investigadores e jornalistas tenham toda a informação de qualidade necessária para poderem confiar nas decisões tomadas. Posso ser desconfiada. Não sou matemática. Mesmo como economista, a interpretação de tendências gráficas nunca foi o meu forte. Detesto-a mais do que culinária. Mas as duas exigem confiança. Não como, nem compro, análises que não estejam baseadas na melhor qualidade de dados.

Aquele sobe e desce de infectados que vai de férias, literalmente, aos fins de semana , com as folgas dos laboratórios privados, não me convence. António Costa é que me devia garantir que ali está toda, absolutamente toda, a informação relevante. A Dra. Graça Freitas faz o que pode e não pode, mas ela que me desculpe: não é primeira-ministra. Ver o primeiro-ministro a esconder-se debaixo das suas saias não me dá confiança nenhuma. Se a coisa correr mal, corre muito mal. A Comunicação Social serve para isto. Para “fiscalizar”.

Se a oposição mete férias e a Assembleia da República prefere dedicar-se aos festejos de regime ao estilo da Assembleia Nacional, é mesmo bom arejar e ir cantar, à janela, o "Grândola, Vila Morena" (a Renascença volta amanhã a passá-la, desta vez, às três da tarde!). Quem nasceu depois do 25 de Abril, pode pôr a casa a arejar e aumentar o som do rádio para não fazer má figura.

Mais vale cantar, em Abril, o "Grândola" a perder a voz, em Maio, na rua, outra vez. Se temos de, em Abri, ganhar Maio, convém que o unanimismo não nos coloque em posição de, daqui a uns anos, perdermos os dois.

À consigna da revolução (o povo unido jamais será vencido…) é altura de acrescentar a menos que se deixe enganar. Essa seria uma grande desVentura.

Comentários
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  • jose paulo rato
    27 abr, 2020 povoa santo adriao 12:34
    LIBERDADE DEMOCRACIA 25 de ABRIL palavras, palavras , palavras os senhores jornalistas também devem pensar e sentir-se no lugar dos que têm um quarto para viver, 300 €, 400 € ou mesm,o 650€, sós ou com família a sustentar de velhos crianças, desempregados ou doentes, analisar a percentagem daqueles que se consideram pobres ou mesmo miseráveis que um dia poderão deduzir (naturalmente, ou porque acordaram, ou porque antes a morte) que entre uma ditadura que os proteja e uma democracia que aumenta os plutocratas e os poderosos, chegou a altura de utilizar a democracia para mudar o sistema. Já não compreendem que para manter o "status" basta que os manda - chuvas imprimam as notas e as distribuam pelos que o mantêm Será que a escolha é entre uma miséria livre e um bem estar oprimido ( e para quem? )
  • Americo
    24 abr, 2020 Leiria 19:16
    Perante este sr, estão à espera de quê ? É uma pessoa sem " coluna vertebral", com má educação e sem respeito pelos outros. Alem de mais é mentiroso compulsivo.
  • Maria Oliveira
    24 abr, 2020 18:39
    No que este governinho é bom é na propaganda. Como é evidente, ninguém no seu perfeito juízo confia nos "números" que são fornecidos pela DGS. O gráfico e a curva são um disparate. Mais uma originalidade portuguesa. O certo é que o NYT, o El Mundo, etc. falam do milagre português. É a propaganda. Transmitir aos cientistas de dados toda a informação não acontece. Tudo muito opaco e obscuro. Agora dizem que vão fazer testes nos lares de idosos, os tais testes que já iam fazer há duas ou três semanas. Tudo um susto, com o alto patrocínio do PR.