19 abr, 2020 - 14:04 • José Pedro Frazão
É uma espécie de "arma secreta" para ajudar a perceber a dinâmica do novo coronavírus na comunidade. Diversas universidades e empresas de drenagens de águas residuais vão começar a medir nos próximos dias a carga viral de SARS-COV-2 nos esgotos que chegam às estações de tratamento. Os primeiros resultados são esperados ainda este mês.
"Sabe-se que as pessoas com sintomas e as assintomáticas libertam vírus pelas fezes, que vão parar às águas residuais. Se conseguirmos ter uma medida da concentração destes vírus nas águas residuais, permitir-nos-ia saber qual é a carga desta infeção na nossa comunidade e por área geográfica", explica Manuel Carmo Gomes, professor de Epidemiologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, uma das entidades envolvidas neste projeto.
A investigação junta ainda o Instituto Superior Técnico e as empresas como as Águas de Portugal, Águas do Porto e outras ligadas ao abastecimento de água e drenagem de esgotos.
A ideia é monitorizar as variações provocadas pelas alterações às restrições sociais na carga viral presente na comunidade. Por isso os investigadores preparam-se para iniciar o trabalho de campo de forma a captar ainda o abrandamento da transmissão da infeção que tem resultado do confinamento a que os portugueses têm sido sujeitos.
"Se tudo correr bem, graças às medidas de contenção, a incidência da doença vais descer. Esperamos ver isso de forma mais clara no final deste mês. Era importante acompanhar o impacto dessa descida nas águas residuais. É um indicador indireto da carga da infeção na comunidade, carga que até agora vemos sobretudo no número de casos sintomáticos", revela Manuel Carmo Gomes no programa "Da Capa à Contracapa" da Renascença em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos.
O epidemiologista é um dos peritos académicos que estão a fornecer estudos e estimativas à Direcção-Geral da Saúde e de forma mais abrangente ao Presidente da República, Primeiro-Ministro e altas figuras do Estado nas sessões à porta fechada no INFARMED.
Manuel Carmo Gomes articula a resposta académica a partir da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa em rede com o Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, fornecendo informação ao Departamento de Epidemiologia do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge e à Divisão de Epidemiologia e Estatística da Direção-Geral de Saúde.
Com o esperado alívio das medidas de contenção em vigor a partir de maio em Portugal, os epidemiologistas aguardam uma nova subida do número de casos confirmados de Covid-19. No entanto, ao contrário do início da crise pandémica, acreditam que este projeto nas ETARS pode ajudar as autoridades de saúde a prepararem melhor o embate com o aumento de infeções.
"Se levantarmos as medidas atuais, é de esperar um ressurgimento dos casos de infeção. Esperemos que seja local e não à velocidade em que estivemos há um mês. Mas se tivermos este indicador de maior transmissão do vírus na comunidade, através das águas residuais, saberemos do ressurgimento da infeção antes mesmo de aparecerem os doentes. Existe um atraso entre o surgimento da doença e o aparecimento dos primeiros doentes", explica Manuel Carmo Gomes na Renascença.
O ministro do Ambiente, Matos Fernandes, tinha sinalizado nas últimas semanas que este projeto era de "total prioridade" para o seu Ministério. A monitorização do vírus nas águas residuais tem sido utilizada em países como a Holanda, onde os cientistas, citados pela imprensa, dizem ter detetado indícios do novo coronavírus nas águas residuais na cidade de Haarlem antes mesmo dos primeiros casos se terem ali registado oficialmente.
Da Capa à Contracapa
À Renascença, uma das cientistas portuguesas mais (...)