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Salvador Malheiro à Renascença

Autarca de Ovar. “Só chegaremos a bom porto se nos comportarmos como infetados”

17 abr, 2020 - 07:00 • André Rodrigues

Esta sexta-feira faz um mês que foi imposto um cordão sanitário em Ovar. E é também hoje que o estado de calamidade pode acabar no concelho. À Renascença, o autarca Salvador Malheiro fala num "sucesso" que impediu a propagação do novo coronavírus aos municípios vizinhos. Ainda assim assume: "se facilitarmos, podemos de imediato ter um enorme problema."

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Um mês depois da imposição do cordão sanitário, Ovar prepara-se para deixar de ser território de calamidade. Só falta o anúncio oficial.

A Direção-Geral da Saúde (DGS) entende que a situação está sob controlo e que, por isso, estão reunidas as condições para que o concelho deixe de viver em regime de exceção.

Enquanto aguarda a resolução do Conselho de Ministros, que estará reunido esta sexta-feira, o presidente da Câmara de Ovar, Salvador Malheiro, defende na Renascença que a evidência estatística comprova o sucesso da cerca sanitária que impediu a transmissão do novo coronavírus para os municípios vizinhos.

Contudo, alerta para os perigos de um regresso do contágio de larga escala em Ovar. “Temos a consciência de que, se facilitarmos, podemos, de imediato, ter aqui um enorme problema, caso o contágio volte novamente a ter a intensidade que teve nos primeiros dias.”

A quem o acusa de tentar obter o máximo proveito político da situação, Salvador Malheiro diz que prefere “100 mil vezes ganhar esta batalha do que qualquer batalha política". "Este é o desafio da minha vida. Estou-me completamente a marimbar para atos eleitorais futuros.”

No plano político, sai ainda em defesa de Rui Rio, que criticou os militantes e autarcas do PSD que atacam o Governo na gestão da crise pandémica.

“É nos momentos de maior dificuldade que se vê a natureza das pessoas”, diz o também vice-presidente do PSD, no que pode ser lido como uma indireta a Ribau Esteves e Ricardo Rio, autarcas do PSD desiludidos com o espírito colaboracionista do líder da oposição durante esta pandemia de Covid-19.

Esta quinta-feira, a Diretora-Geral da Saúde confirmou que o surto em Ovar está controlado, o concelho já não é uma situação especial e que, por isso, o cordão sanitário imposto há um mês poderá ser levantado nas próximas horas ou dias. O concelho de Ovar já está em condições para conviver com o vírus em segurança?

Vamos por partes. De há uns dias para cá sentia que poderia haver uma decisão durante este fim de semana, ou esta sexta-feira, para deixarmos de ter o estado de calamidade e passarmos ao estado de emergência nacional. Digo isto porque é por demais evidente, com números e resultados, que as medidas musculadas que implementámos desde 17 de março têm dado resultados muito positivos.

Se nós tivéssemos tido as taxas de crescimento nacionais em Ovar, desde a primeira hora, sabendo que em Ovar começámos com números muito altos, nós hoje teríamos números de infetados e de óbitos cerca de 10 vezes superiores àquilo que temos.

Por outro lado, adotámos uma estratégia de testagem muito intensa. Desde 20 de março estamos a fazer mais de uma centena de testes por dia.

Na primeira semana, por cada 100 pessoas testadas, tínhamos cerca de 40 infetadas. Na segunda semana, passámos para 30 infetados por 100 testes, na semana seguinte, passámos a 20 e, agora, estamos abaixo dos 10 casos em 100 testes efetuados.

Ou seja, temos evidência estatística de que a cerca sanitária funcionou para impedir o contágio para os municípios vizinhos e também para controlar esta pandemia.

Mas o problema continua por resolver. O ponto é perceber se, nesta fase, já há condições seguras para que se possa retomar, ainda que lentamente, a vida em comunidade, pese embora a presença do vírus.

Claro que o problema não está resolvido, longe disso. Mas creio que está bem mais controlado. Já na quarta-feira tinha a certeza de que o cordão sanitário ia ser levantado. E isto é mais do que expectativa. Devemos estar preparados, desde já, para essa realidade que irá acontecer.

A partir do momento em que a Direção-Geral da Saúde indica que tal pode acontecer durante o fim de semana, não nos resta a menor dúvida. Naturalmente, temos de aguardar pela resolução do Conselho de Ministros, em que o mais expectável é passarmos de um estado de calamidade para o estado de emergência nacional.

Dada a extensão do problema em Ovar, quão gradual deverá ser essa transição?

Eu acho que, apesar de ficarmos ao abrigo das mesmas regras do estado de emergência, julgo que a circulação de pessoas e a abertura de estabelecimentos comerciais em Ovar deveria estar mais restringida do que no resto do país.

"Temos instalada no município de Ovar uma verdadeira máquina de saúde, um novo hospital que foi criado e montado de raiz em 30 dias para prestar cuidados intermédios e equipado ao mais alto nível, preparado para receber pessoas de Ovar e doentes de todo o país"

Mas, como lhe digo, temos de aguardar pelo conteúdo da resolução do Conselho de Ministros que vai, de uma vez por todas, esclarecer em que medida e quando é que deixaremos de estar em estado de calamidade, porque entre os Ministérios da Saúde e da Administração Interna há um atraso de um dia. Mas não será por um dia que vamos criar qualquer problema sobre isso, até porque é minha firme convicção de que, quase de certeza, o estado de calamidade vai ser levantado.

E o que é que isso representa para o futuro, sobretudo em matéria de segurança sanitária?

Para nós, representa uma responsabilidade acrescida. Será muito complicado se tivermos, aqui em Ovar, um reacendimento dos contágios. Por isso, tentámos, ao longo do tempo, preparar-nos da melhor forma.

Temos, atualmente, instalada no município de Ovar uma verdadeira máquina de saúde, um novo hospital que foi criado e montado de raiz em 30 dias para prestar cuidados hospitalares intermédios e equipado ao mais alto nível.

Por outro lado, temos também outras infraestruturas que, neste momento, estão direcionadas para receber infetados que, não precisando de cuidados hospitalares, não têm as melhores condições em casa.
Com isto quero dizer que, apesar de sentirmos que vai ser levantado este estado de calamidade, temos de ter muito cuidado com eventuais reacendimentos e a consciência de cada um dos habitantes de Ovar tem de falar mais alto.

Só se cada pessoa que aqui mora meter na cabeça que tem de ter um comportamento como se estivesse infetada, ou como se fosse um potencial infetado, no curto prazo, é que chegaremos a bom porto.

Um mês depois, ovarenses esperam o fim da cerca sanitária. "Somos tratados como leprosos"
Um mês depois, ovarenses esperam o fim da cerca sanitária. "Somos tratados como leprosos"

Por quanto mais tempo é que as pessoas em Ovar terão de se comportar assim?

Receio que não haja uma resposta séria a essa pergunta. O que temos é de começar a saber conviver com um vírus que fará parte do nosso quotidiano.

Já todos percebemos que este problema só estará resolvido com uma vacina, por isso temos de promover uma redução drástica do nosso isolamento social, mas cumprindo sempre, de forma plena, as regras de higiene e adotando as atitudes adequadas que constam das recomendações internacionais e da nossa Direção-Geral da Saúde.

Nós estamos a sair de um estado limite. As pessoas, se calhar, não têm noção de que aquilo que se passou em Ovar durante este mês é bem mais grave do que o que se passou no resto do país, a vários níveis.

Desde logo nas nossas empresas. Elas estavam impedidas de trabalhar e viam os seus concorrentes no município ao lado a poder trabalhar normalmente. Por outro lado, as nossas regras de confinamento sempre foram muito mais drásticas.

Portanto, o facto de levantarmos este estado de calamidade vai fazer bem às nossas empresas, mas também à saúde mental das pessoas.

Mas uma coisa é certa, e insisto nisto: vai colocar-nos muita responsabilidade às costas, porque temos a consciência de que, se facilitarmos, podemos, de imediato, ter aqui um enorme problema, caso o contágio volte novamente a ter a intensidade que teve nos primeiros dias.

"Apesar de Ovar poder passar para o estado de emergência nacional, tal como todos os outros municípios do país, eu próprio sugeri ao Governo que, mesmo nesse contexto, existisse um nível de exigência um pouco maior em Ovar"

Por isso, tem de haver um compromisso coletivo para que, nesta fase intermédia que ainda vai durar uns meses, nos habituemos a conviver com o vírus e isso implica que mantenhamos comportamentos rigorosamente iguais aos que teríamos se estivéssemos infetados ou correndo elevado risco de contágio.

Dito isto, eu acredito muito no sentido de responsabilidade das pessoas de Ovar que, nas horas da verdade, têm sempre dado o seu melhor.

Mas, apesar disso, esta crise sanitária terá, também, contribuído para uma perda de reputação do concelho e das suas empresas? Há dias, uma reportagem televisiva dava, precisamente, o exemplo de uma empresa de transporte de mercadorias de Ovar cujos clientes recusavam assinar as guias e, nalguns casos, chegavam a acusar os camionistas de propagarem o vírus.

Sim, infelizmente confirmo que isso aconteceu. Eu próprio também senti esse anátema quando, pontualmente, necessitei de sair dos limites do município.

Como é que isto se ultrapassa?

Creio que esse problema pode ser ultrapassado com uma demonstração de altruísmo. E, nesse sentido, posso garantir que, nesta fase em que controlámos o problema e já estamos em pé de igualdade com os outros, o concelho de Ovar está pronto para ajudar os municípios nossos vizinhos e todo o país.

Temos uma infraestrutura de saúde equipada ao mais alto nível que não está preparada para receber apenas pessoas de Ovar, mas está preparada para ter doentes de todo o país que necessitem de cuidados de saúde, no caso de os hospitais de referência ficarem saturados.

Penso que o problema se ultrapassa por aí. Uma vez ultrapassado o nosso problema, estamos prontos para ajudar os outros, quer no plano sanitário, quer no plano da retoma económica.

Dizia há pouco que a circulação de pessoas e a retoma da atividade económica terá de ser mais lenta em Ovar do que no resto do país, ainda que ambas as realidades passem a estar em pé de igualdade, depois de levantado o cordão sanitário. Esse lento gradualismo poderá deixar pelo caminho algumas empresas e, sobretudo, o pequeno comércio. O que é que está pensado para estes setores em particular?

Uma vez mais, tudo vai depender do teor da resolução do Conselho de Ministros que vai impor as regras e levantar outras no que diz respeito ao quotidiano em Ovar.

De todo o modo, apesar de Ovar poder passar para o estado de emergência nacional, tal como todos os outros municípios do país, eu próprio sugeri ao Governo que, mesmo nesse contexto, existisse um nível de exigência um pouco maior em Ovar.

Justamente a esse propósito, qualquer funcionário com mais de 60 anos, ou que tenha a sua saúde em risco, está impedido de trabalhar.

Por outro lado, exigimos o uso de máscaras em todos os estabelecimentos onde haja contacto com o público; nas fábricas também sugeri que houvesse uma grande preocupação com a distância entre pessoas a trabalhar no mesmo local, evitando a todos os níveis qualquer aglomeração de pessoas.

Veremos que decisão irá tomar o Governo, mediante as nossas sugestões. Contudo, é claro que a crise económica,que todos já percebemos que se está a instalar, com consequências fortíssimas, é um assunto que nos deve preocupar nos próximos tempos.

Mas para que fique claro, nós só poderemos ter economia se tivermos pessoas saudáveis. Não há dinheiro no mundo que pague uma vida humana. Por isso, temos de ser eficazes a salvar vidas e eficientes na retoma da nossa economia.

Daí que, na minha opinião, seja de elementar justiça que as indústrias e os empresários do município de Ovar, pelo facto de terem sido obrigados a encerrar durante um mês, enquanto viam os seus concorrentes do município ao lado a trabalhar normalmente, tenham uma discriminação positiva.

Consegue avançar uma estimativa dos prejuízos económicos para o concelho?

A título de exemplo, tenho dito várias vezes que o dinheiro que os nossos empresários deixaram de faturar, pelo facto de terem estado encerrados durante todo este tempo, equivale à aquisição de muitos e muitos ventiladores. Mas acabou por valer a pena porque, não obstante o prejuízo de muitos milhões de euros, conseguimos travar o avanço da doença e preservar a saúde das pessoas.

Essa lógica de prioridades na gestão da crise valeu-lhe alguns elogios, mas houve, também, quem o tenha criticado, alegando que o seu objetivo era capitalizar proveitos políticos da situação, pensando em futuros combates...

A crise sanitária aqui em Ovar foi gerida de forma muito genuína, tentando sempre passar a verdade, partilhando toda a informação com quem estava a ter os maiores dos esforços, em particular a nossa população e os nossos empresários.

Quanto às insinuações, prefiro não comentar. Quem me conhece sabe que prefiro 100 mil vezes ganhar esta batalha, que é o desafio da minha vida, do que qualquer batalha política que possa existir no futuro.

Estou-me completamente a marimbar para atos eleitorais futuros, porque, neste momento, o foco é esta guerra que temos de travar todos unidos.

Desde a primeira hora, a crise sanitária motivou alguns momentos de tensão entre si e o Governo. Um dos episódios mais recentes, e que mereceu duras críticas da sua parte, teve a ver com o despacho do Ministério da Economia que permitiu o regresso à atividade de 30 empresas sediadas no concelho, impedindo tantas outras com o mesmo Código de Atividade Económica (CAE) de poderem fazer o mesmo...

... foram críticas que fiz e que repetiria, se fosse necessário, até porque foi dessas críticas que resultou a reposição da justiça.

Desde 14 de abril, já não são só essas 30 indústrias excecionadas pelo Governo que estão a trabalhar, são já todas as empresas do ramo industrial que já podem trabalhar.

Claro que, se olharmos para trás, vemos que existe uma linha de ação que é mais fácil de perceber.

Se durante a fase do cordão sanitário tivemos uma grande preocupação em impedir que o contágio transvasasse a fronteira do nosso município, no momento seguinte - que foram os últimos 15 dias - a preocupação foi a retoma da economia, na perspetiva, agora prestes a concretizar-se, de ser levantada a cerca sanitária.

A única coisa que não me agradou no despacho do ministro da Economia foi o facto de não promover as mesmas condições de igualdade para outras empresas de menor dimensão que se dedicavam ao mesmo ramo de atividade. Mas há em tudo isto uma linha condutora que é a reabertura da nossa economia à sociedade.

"Estou-me completamente a marimbar para atos eleitorais futuros, porque, neste momento, o foco é esta guerra que temos de travar todos unidos"

Ainda a propósito das críticas ao Governo, Rui Rio escreveu uma carta aos militantes e autarcas do PSD, considerando que não é patriótico atacar o executivo neste contexto da pandemia, que exige a união de todos. Sente-se visado por este puxão de orelhas do líder do seu partido?

De maneira nenhuma.

Em primeiro lugar, eu não posso dar maior sinal de patriotismo do que aquele que eu e toda a minha equipa aqui em Ovar temos dado ao longo do último mês. Temos trabalhado 24 sobre 24 horas e, em várias situações, eu próprio me substituí à atuação do Governo com medidas inovadoras para enfrentar o problema.

Por isso, creio que a maior prova de patriotismo é esta e o Governo tem de estar satisfeito com a nossa atitude que foi, a todo o momento, uma atitude proativa e não reativa.

Dito isto, aquilo que tenho recebido da parte dos meus colegas dirigentes do PSD e, designadamente, do líder Rui Rio têm sido imensas mensagens de conforto, de encorajamento e admiração pela forma como estamos a tratar este assunto.

Mas há outros autarcas do PSD que se mostram desiludidos com o teor da missiva. Ribau Esteves, de Aveiro, fala de equívoco; Ricardo Rio, de Braga, diz não ver sentido nas palavras de Rui Rio. O que tem a dizer-lhes?

Tenho a dizer-lhes que me revejo completamente no conteúdo da carta de Rui Rio. É uma carta de alguém que, por várias vezes, já demonstrou que o interesse nacional está acima de tudo e mais ainda nesta fase em que vivemos um momento crítico.

Diria, até, que o teor desta carta tem sido muito bem aceite pelos militantes e, sobretudo, pelo país, porque é nestes momentos de particular dificuldade que se revela a natureza das pessoas.

O facto de criticar o Governo em alguns momentos não significa que não esteja solidário com a sua atuação. Naturalmente que, se houve alguém, dentro do partido, a quem tenha 'servido a carapuça', isso é outra questão. A mim não, de maneira nenhuma.


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