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Opinião

​Respiração assistida

17 abr, 2020 - 07:15 • Miguel Alves*

Sejamos francos: carpintarias, serralharias, tinturarias, pensões, restaurantes, padarias, fogueteiros ou cantores de ocasião, não vão conhecer, ou não vão poder aproveitar as linhas de crédito que o Ministro da Economia anunciou. O que esta boa gente precisa é que lhe paguem o que lhe devem. E este é o meu ponto.

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O quotidiano está tomado pela crise da pandemia e pelas consequências que a mesma tem na saúde das pessoas e na vivência social. A doença causada pelo novo coronavírus vai deixar rasto nas nossas vidas para sempre.

Lembraremos estes dias de isolamento social, tudo o que fizemos e o medo que sentimos. Mas, por ora, toca-nos levar as coisas para frente, proteger os saudáveis, cuidar dos doentes e chorar os mortos. E também temos que tratar da economia. É ela quem vai salvar os que se salvaram da maleita e têm que encontrar novos caminhos para alimentar empregos, empresas e famílias.

É imperioso reconhecer que o Governo (e a oposição) tem estado genericamente bem no combate à pandemia e na proposta de ação para a recuperação económica. Neste particular, as medidas de apoio aos pais de filhos menores de doze anos, o lançamento de linhas de crédito de suporte à tesouraria das empresas, a definição de um regime de lay-off simplificado e a concessão de incentivos à normalização da atividade empresarial são medidas que merecem ser relevadas.

O problema é que não são suficientes. As medidas de apoio às empresas terão sempre maior impacto quanto mais cirúrgicas e universais forem, por contraditório que isso pareça. Cirúrgicas porque devem ser dirigidas ao coração de cada empresa. Universais porque não podem ser seletivas, apontando só às mais preparadas. Por isso, a visão dos autarcas traz a perspetiva do emprego de proximidade, das empresas que são casas de família, dos negócios que funcionam com faturações anuais de vinte ou trinta mil euros, dos patrões que ainda apontam tudo no livro, dos trabalhadores que recebem mal mas o suficiente para equilibrar as contas com aquilo que a horta e a sogra dá ao fim-de-semana.

Sejamos francos: esta economia feita de carpintarias, serralharias, tinturarias, pensões, restaurantes, padarias, fogueteiros ou cantores de ocasião, não vai conhecer, ou não vai saber, ou não vai poder aproveitar as linhas de crédito que o Ministro da Economia anunciou. O que esta boa gente precisa é que lhe paguem o que lhe devem. E este é o meu ponto.

A primeira exigência é à administração central. Nos tempos que correm, o Estado deve conseguir pagar tanta da sua dívida quanto consiga. Mas o mesmo se diga para as Câmaras Municipais. Aquela economia que aguenta as vilas e pequenas cidades deste país, precisa do dinheiro que as suas faturas registam ainda sem recibo.

Nem todas as autarquias são iguais e a saúde financeira de cada uma é também diferente. Por isso, para poder pagar aos seus fornecedores e com isso aguentar a inatividade económica local, muitas Câmaras Municipais precisam de medidas mais arrojadas por parte do Estado.

Proponho duas. Por um lado, é preciso criar um programa extraordinário e célere que permita às autarquias o pagamento de dívidas aos seus fornecedores, de modo a injetar milhões na economia local que é sustentada por micro e pequenas empresas que nunca serão manchete num jornal económico.

Uma iniciativa como esta permite manter empregos durante meses e evita despesas maiores e mais duradouras de assistencialismo local e central. E tudo em condições de estarmos perante um instrumento de todos, ou seja, excecionando limites de endividamento tantas vezes castrantes e artificiais na sua aritmética.

Ao mesmo tempo, é preciso acelerar tudo o que tenha a ver com a execução dos fundos comunitários. É preciso que as decisões da autoridade de gestão sejam mais céleres, é necessário que o Tribunal de Contas responda mais rápido, é crucial que os beneficiários sejam mais ágeis nos procedimentos e é importante que as obras decorram a bom ritmo.

Escrito de outra forma, não pode ficar dinheiro comunitário por utilizar. E, para isso, também é obrigatório que as prioridades dos próximos avisos tenham em conta o esforço que todos estamos a fazer para combater a doença e a necessidade de obras que sirvam para acautelar o futuro na saúde, na educação e na economia de Portugal.

Nunca, como agora, sentimos tanto que nos falta o ar. Ironicamente, temos o país parado mas a arfar. Somos muitos a precisar de ventilação para continuar a trabalhar na parte e na medida que nos cabe. A economia local precisa de respiração assistida. E precisa já!

*Miguel Alves, presidente do Conselho Regional do Norte e da CM de Caminha.

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