Reportagem

Escola e teletrabalho numa família de seis. “Não é fácil gerir, temos de ter uma dose extra de paciência”

14 abr, 2020 - 19:34 • Pedro Filipe Silva

Do regresso às aulas ao trabalho a partir de casa, passando pela operação de logística das refeições e dos horários, conheça a rotina diária dos Aguiar, uma família portuguesa que está em confinamento há um mês.

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Tocamos à campainha. Não acordamos ninguém. José Aguiar, Pilar Amado e os quatro filhos estão prontos para enfrentar mais um dia. Estão em casa desde 11 de março, ainda antes do Governo ter decretado o encerramento das escolas

Francisco, com cinco anos, Pilar, com 10, Roque, com 12 anos e Constança, com 15 anos enfrentam por estes dias novos desafios com o ensino à distância. Em cima da mesa estão horários, feitos à mão, que ajudam a gerir as aulas de todos.

Para a mais velha é o primeiro dia de aulas do terceiro período, para os outros é a continuação do segundo semestre.

O mais novo, Francisco, de cinco anos, está no ensino pré-escolar e vai veste-se rapidamente para a aula de educação física que está prestes a começar numa plataforma digital. O “ginásio” é em pleno hall de entrada.

A mãe, Pilar, está ao seu lado no início da aula. “Ele não sabe aceder às plataformas usadas pela escola, não sabe pôr as passwords, não sabe escrever. Por exemplo, na primeira aula de informática a professora disse: ‘agora clicam no botão direito do rato’ e ele olha para mim com um ar de pânico porque não tem rato, temos o portátil. E por exemplo no paint tem tido a ajuda das irmãs. Mas claro, uma criança de cinco anos não vai fazer uma ficha, não vai imprimir, não vai fazer sozinho”, conta.

O país estão a adaptar-se às novas circunstâncias e ao confinamento. Pilar relata a conjuntura atual. “Já é complicada a logística do dia-a-dia quando vão para a escola e agora em casa estamos ainda em modo de adaptação. Não tem sido fácil porque todos precisam de apoio ainda. Eu própria ainda me estou a habituar ao teletrabalho e fazer tudo em casa com os miúdos. Não tem sido fácil gerir tudo, mas temos todos de ter uma dose extra de paciência, boa vontade e tolerância.”

Para além de mãe, Pilar Amado é jurista e tenta gerir ao máximo o trabalho. “Não tenho horário. Trabalho quando o computador está livre. Por exemplo, o computador está livre logo de manhã e adianto algumas coisas. E depois trabalho de novo a partir das quatro e meia da tarde e um pouco depois do jantar.”

A gestão do material informático é uma das dificuldades, sublinha Pilar. “Neste momento temos dois computadores e um tablet. Este último dá para fazer uma videochamada, mas não dá para fazer trabalhos ou powerpoints. E eu e o José trabalhamos também a tempo inteiro. Fizemos um calendário da gestão do computador durante o dia para as aulas e temos ainda de ver quem precisa para fazer trabalhos.”

Perante estas dificuldades o pai, José Aguiar, empresário na área da comunicação, já pensa em soluções. “Estamos num processo de avaliação sobre tudo aquilo que é preciso para tomarmos as decisões de reforçar a internet, comprar um ou dois computadores. Pensamos até inclusivamente adquirir um router para que os miúdos possam fazer as aulas de educação física aqui num pátio atrás do prédio e que não tem movimento”, diz o pai.


José Aguiar reforça que é preciso “boa vontade e de compreensão de todos os lados, sendo que a boa vontade não resolve tudo. Vamos supor que no limite temos três filhos à mesma hora com atividades na escola e a minha mulher e eu estamos a trabalhar e temos alguma coisa importante para fazer, damos prioridade ao quê? É uma situação complicada para as famílias estarem a fazer um investimento em mais material informático agora.”

O filho mais novo, Francisco, continua a ter a aula de educação física, sobre o olhar atento dos irmãos e dos pais, mas Constança, de 15 anos, está prestes a começar as aulas do terceiro período.

Tudo é novo. “Acedemos às aulas a partir de um e-mail institucional que escola cria, com uma palavra passe e com a plataforma indicada e com o calendário com as aulas todas. Vai ser complicado, porque somos 30 alunos, mais a professor. Cada um no seu computador, vai ser complicado para tirar dúvidas.”

Constança sabe que já não regressa mais à escola este ano, nesta que seria a reta final do 9º ano e isso não a deixa muito feliz. “Vai custar-me um pouco mais porque este será o último ano com os meus amigos, com a turma toda. Para o ano vamos para o 10º e vamos todos para áreas e escolas diferentes”.

Constança acrescenta ainda outra questão para gerir: “agora íamos fazer os testes psicotécnicos, de orientação vocacional, mas já não vamos fazer presencialmente. Ainda estou um pouco indecisa sobre o que escolher, entre área de ciências ou humanidades. Como não temos aulas presenciais é um pouco difícil perceber as disciplinas que mais gosto ou não.”

O outro irmão, o Roque, de 12 anos, partilha as peripécias que já teve com as poucas aulas à distância que teve. “Temos duas plataformas. Há professores que começam as aulas numa e outros noutra. Nós quando pensamos que é numa, a professora está noutra”, revela o jovem.

No dia 20 de abril há uma nova plataforma que entra nesta equação, a telescola. Nesta casa, onde nunca houve televisão, vai ter de passar a haver, admite o pai, José. “Nós sempre resistimos em ter televisão nos quartos dos miúdos. Vamos ter de ceder a esta decisão porque não podemos estar com computadores na sala, que é onde há internet, mais a televisão ligada. Assim é completamente impossível.”

Para além do apoio às aulas à distância e o teletrabalho, a mãe, Pilar, lembra que há outras questões a ter em conta. “Faço um plano semanal das refeições ao fim de semana. Tenho de gerir com o que temos em casa, porque as compras online só chegam quando chegam e nem sempre o que nós pedimos. Tenho de fazer um esforço extra fora de horas. Organizo tudo de manhã e à noite, para durante o dia estar disponível.”

José Aguiar sabe que tudo isto é muito difícil gerir e que noutras famílias, com menos acesso à internet ou sem poder comprar mais equipamentos eletrónicos, torna-se ainda mais complicado. Por isso mesmo, este empresário, diz que é necessário clarificar a situação no futuro.

“Por exemplo se o próximo ano letivo se iniciar com algum tipo de constrangimento ou se houver um novo pico, vão ter de ser definidas regras sobre como é que se consegue efetivamente compatibilizar o teletrabalho com as aulas dos miúdos e que prioridades se dá se houver por exemplo atropelos de horários. As famílias vão ter de saber também com que tipo de apoio contam”, conclui.

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