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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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Nem ateu nem fariseu

E se a quarentena matar mais do que o vírus?

10 abr, 2020 • Opinião de Henrique Raposo


Se o vírus é um problema de saúde física, a quarentena é um problema de saúde mental que também provocará dor e morte. Se o vírus é potencialmente mortal para idosos ou diabéticos, a quarentena é potencialmente mortal para pessoas com depressão e ansiedade.

O estado de emergência não pode calar dúvidas ou críticas. Eu tenho dúvidas sobre o caminho que estamos a seguir, porque os efeitos da quarentena podem ser muito superiores aos efeitos do vírus. Comecemos pelo presente, o aqui e agora. Os doentes “normais” sem covid estão a ser esquecidos, estão a adoecer sem os cuidados necessários. O risco de empilharmos mortos colaterais, digamos assim, é enorme. Conheço demasiadas pessoas que não estão a ir ao médico porque têm medo ou porque receberam ordens para não entrarem no hospital. Já li reportagens sobre este drama.

Não há mortos especiais e mortos normais. Impedir a subida do número de mortos com covid não pode ser feito à custa de uma subida do número de mortos com outras doenças. No meio desta fúria contra o covid, onde ficam os doentes oncológicos e cardíacos, por exemplo? Ficam esquecidos, quer os já diagnosticados, que os que ficam por diagnosticar. Há pessoas com AVCs que não estão a ir ao hospital. Há pessoas que podem morrer de cancro no futuro próximo porque não estão a fazer os exames agora.

Se o presente da quarentena é perigoso, o futuro será ainda mais. Esta quarentena está a provocar uma crise económica sem precedentes. Ora, a pobreza mata. Corpos pobres são corpos doentes. O antagonismo dicotómico saúde vs. economia só cabe na cabeça de uma criança ou de um burguês privilegiado que não faz ideia do que aí vem e que não se cala com o #vaificartudobem. Não, não, não. #Vaificatudomal, porque não há saúde sem economia. A pobreza mata, meus amigos. O desemprego mata pelo desgaste físico e pelo suicídio. Há uma relação fortíssima entre desemprego e suicídio. No normalíssimo ano de 2015, o “The Guardian” dizia que o desemprego estava na origem de 45 mil suicídios por ano. Façam agora as contas aplicadas às taxas de desemprego que estamos a criar através da quarentena. E se, no final disto tudo, descobrirmos que o vírus matou menos pessoas do que os suicídios provocados pelo desemprego originado pela quarentena?

Para terminar, temos de olhar para os efeitos da saúde mental para lá do suicídio por razões económicas. Como dizia ontem o grande Andrew Sullivan no NY Times, os índices de depressão e ansiedade estão a subir em flecha e demorarão anos e anos a voltar à “normalidade” (o que será a “normalidade” no pós covid?). Se o vírus é um problema de saúde física, a quarentena é um problema de saúde mental que também provocará dor e morte. Se o vírus é potencialmente mortal para idosos ou diabéticos, a quarentena é potencialmente mortal para pessoas com depressão e ansiedade. Os doentes com depressão ou com cancro não podem desaparecer do nosso mapa, tal como os pobres que sofrerão e morrerão às mãos da pobreza gerada pela quarentena. O covid não nos pode cegar.

Comentários
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  • Maria Oliveira
    14 abr, 2020 20:48
    O colapso do SNS deu-se quando chegaram os das "vacas voadoras". Os tais que viraram a página da austeridade... Para distribuir aqui e ali (e engordar o partido do Estado), deixaram o SNS, os transportes, etc. sem investimento público. E assim se controlou o défice para Bruxelas ver. Os números existem e a história far-se-á. Digam o que disserem do Passos Coelho, ainda vamos todos ter muitas saudades dele na governação..
  • João Lopes
    14 abr, 2020 Viseu 11:47
    Artigo sensato, com afirmações verdadeiras e de senso comum: deveriam ser tidas em conta pelos governantes, com urgência.
  • Vox
    14 abr, 2020 Sydney 04:54
    Como o autor diz, isto não é preto no branco com a simplicidade de uma criança. Tudo está entrelaçado. Mesmo que se levante o estado de emergencia, alguém acha que as pessoas vão voltar as atividades como se nada fosse? Não esta a Uniao Eurpeia e o FMI a falar de pacotes de ajuda para impedir que haja pobreza alastrada devido a esta paragem auto-imposta? Na tem havido um consenso que estas medidas nao vao poder ser restritas pelas actuais regras orcamentais da UE? E os riscos extra que os actuais doentes tomam por ir a hospitais e clinicas, sendo que o virus tem maior taxa de mortalidade com os mais frageiz? Desaparecem por decreto?
  • Maria Oliveira
    12 abr, 2020 21:27
    Compreendo a posição expressa pelo Henrique Raposo, cujos opiniões perfilho a maior parte das vezes. Não neste caso. O Covid é a "roleta russa". Há variadíssimos casos de gente jovem cuja saúde fica seriamente comprometida, quando não morrem. Não são só os idosos, nem as pessoas com patologias prévias. A economia é um grande problema mas ninguém quer arriscar a saúde ou a vida.
  • Manuela
    12 abr, 2020 Lisboa 08:04
    O que o Henrique Raposo comentou está muito certo! pode-se morrer em qualquer destas situações! mas há uma esperança para que o 'Covid19' acabe, que é a tal vacina que parece que já está a ser experimentada em humanos! se essa vacina, se Deus iluminar a cabeça dos homens que a fabricam, o que eu e os outros católicos ou de outras igrejas cristãs, esperamos que aconteça, vai durar mais algum tempo, porque é preciso ter a certeza que funciona!! com paciência este problema vai-se resolver! E se as teorias do Sr.Levitt o Israelita, que ganhou o prémio Nobel da Química em 2013, que quando soube do 'corona vírus', indicou o isolamento imediato, das pessoas umas das outras, para que não se contagiassem pelo mundo! Como esse isolamento não foi feito a tempo na China, também não acabou no prazo que pela ordem de numeração dada e pelas contas por ele feitas, seria previsto acabar no prazo de um mês, pelo número de habitantes na China! ou lhe deram a numeração errada, ou não se isolaram devidamente e propagou-se pelo mundo inteiro! Agora, se a vacina for bem calculada, se ficar uma vacina adequada, que livre aqueles que ainda não tenham contraído a infecção, assim sendo, ficamos livres deste pesadelo! Queira Deus, que este problema passe depressa e que não venha a repetir-se nunca mais. Quanto aos que são contra o isolamento, se morrerem, deve ser por falta de inteligência! Quanto às empresas,recuperam se trabalharem no mês das férias! lutou-se por vidas! "Ama o teu próximo como..."
  • João Lopes
    11 abr, 2020 Viseu 18:54
    Excelente análise de Henrique Raposo!
  • João Lopes
    11 abr, 2020 Viseu 09:57
    Excelente análise de Henrique Raposo!
  • Joaquim Santos
    11 abr, 2020 Tojal 00:09
    Se fizermos bem as contas, irão morrer mais por suicídio, ao verem os negócios de suas vidas ruírem, que aqueles que morrerão por causa do vírus. O medo colectivo vem da mentalização mediática, politica e social e que tem por substrato um problema religioso. Este mundo, louco e medroso, não vive para a qualquer momento, ter o seu encontro com Deus. É este encontro que o aterroriza. Embora diga que apenas tem medo é de sofrer.
  • JM
    10 abr, 2020 Seixal 17:14
    Os velhos, os menos velhos, diabéticos ou com doenças respiratórias podem morrer à vontade, porque na opinião deste comentador político da RR, os “coitados” dos deprimidos e ansiosos que estão de quarentena, tem todo direito de sair para a rua para resolverem o seu problema de saúde mental, e ao mesmo tempo disseminar a contaminação do vírus pela restante população. Também está preocupado com a economia, com o desemprego, com doentes do foro cardíaco, oncológico etc, mas não me apercebi desta preocupação quando foi o descalabro do SNS e do numero de suicídios e desempregados que subiu em flecha, quando alguém disse que tinha de ir além da troika. E não foi por uma pandemia. É lamentável no contexto em que vivemos alguém publicar artigos de opinião como este. Chamo a isto jornalixo oportunista.
  • Observador
    10 abr, 2020 Portugal 13:14
    Sem contar que o confinamento, quando se está rodeado de vizinhos, também é bem problemático: é a fedelhada a correr pela casa, a guinchar, a ver tv e a ouvir rádio as 03:00h da manhã ou mais e depois a dormir todo o dia, é marido e mulher que agora que têm de passar o dia juntos, percebem que não se podem nem ver, e as discussões a qualquer hora são uma constante, isto é um stress em que muitas vezes, para o quebrar, têm de se quebrar as regras.