08 abr, 2020 - 18:45 • José Barata (entrevista), Sílvio Vieira (texto)
Lipe Veloso está perplexo. O futebolista brasileiro procura interpretar uma realidade que, o que tem de anormal, é a aparente normalidade. Com o planeta em alerta, devido à pandemia de Covid-19, a Bielorrússia é uma exceção. O futebol, por exemplo, continua de portas abertas, em sentido figurado e literal.
"O mundo inteiro está parado e só aqui é que continuamos a viver normalmente. Nos estádios, os portões estão abertos ao público, está tudo normal. Há jogos todas as semanas, como vai acontecer no próximo sábado. É uma experiência estranha", relata Lipe à Renascença, desde Zhodino, 50 quilómetros a Nordeste da capital Minsk, onde chegou a 17 de março, proveniente de São Paulo. Lipe esteve dez dias de quarentena até poder começar a treinar pelo Torpedo, o seu novo clube.
Os dias passam e o brasileiro ainda se ajusta a um país onde o Presidente defende que a Covid-19 "é uma psicose que está a degradar as economias mundiais".
Em declarações reproduzidas pelo britânico "The Times", Alexander Lukashenko diz que vodka, sauna e trabalho são a solução para combater a doença que, de acordo com os dados da Universidade Johns Hopkins, de 8 de abril, matou 13 pessoas e infetou 1.066 na Bielorrússia.
"Sugiro que bebam 40 a 50 mililitros de vodka por dia para envenenar o vírus, mas sem consumir no ambiente de trabalho. O ideal é fazer sauna três dias por semana e aí pode-se beber a vodka. Só têm de trabalhar, especialmente nas aldeias. Os tratores vão curar toda a gente. O campo cura toda a gente".
Não há declaração de estado de emergência e, apesar de algumas medidas restritivas, os bielorrussos têm "permissão" governamental para fazer uma vida normal.
Lipe Veloso repara, no entanto, que os bielorrussos estão a tomar precauções por conta própria. Ainda assim, "há muita gente na rua" e o jogador brasileiro, que também vê o seu país em alerta, não afasta a sensação de que há algo de errado naquele país do leste da Europa.
No Torpedo, por exemplo, clube para o qual se transferiu, por empréstimo dos ucranianos do Lviv, já em plena fase pandémica, os dirigentes têm o cuidado de recomendar todas as precauções aos jogadores para diminuir risco de contágio.
“Eles recomendam que evitemos ir para locais onde há muitas pessoas e que façamos a melhor prevenção possível, lavando as mãos e tendo cuidado com os espirros. Para nós acaba por ser estranho, porque vemos o mundo parado e acabamos por nos questionar, quem está errado nisso? Só nós é que jogamos, com as crianças e idosos na rua?”, questiona o médio brasileiro, reforçando a perplexidade que lhe ocupa os dias.
Celebrou o 23.º aniversário, a 7 de abril, em Zhodino, ainda à espera da estreia pelo Torpedo. Pode acontecer este sábado, na 4.ª jornada do campeonato, frente ao Energetik-BGU de Minsk. O futebol não para, até porque Lukashenko também "prescreve" exercício físico para combater o novo coronavírus.
Lipe garante que se está a "resguardar" e transmite à família, que ficou no Brasil, que tem tudo controlado. É um quotidiano cheio de sinais contraditórios de um futebolista que procura proteger-se de uma exposição que têm a expectativa de experimentar, quando vestir a camisola do Torpedo, durante um período de pandemia global, num estádio com público nas bancadas.
O futebol está suspenso por todo o mundo. Na Europa, a UEFA adiou o Euro 2020 por um ano para permitir às ligas nacionais prolongarem a temporada 2019/20. Em Portugal, a Liga tem a expectativa de retomar as competições no final de maio.