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“No futuro vai fazer-nos bem recordar esta crise”, diz o Papa

08 abr, 2020 - 08:00 • Filipe d'Avillez

Numa entrevista ao jornalista e escritor inglês Austen Ivereigh, Francisco diz que tem aproveitado o isolamento para rezar mais e para pensar nas pessoas: “Isso afasta-me do egoísmo”.

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O Papa Francisco diz que todos devem recordar bem esta crise e guardá-la na memória para quando vierem melhores dias.

Numa entrevista concedida ao jornal britânico “The Tablet” e ao diário espanhol “ABC”, Francisco respondeu a seis perguntas enviadas pelo jornalista e autor católico Austen Ivereigh, sobre como está a viver esta crise do coronavírus e como ela pode afetar a vida da Igreja.

O Papa elogia a forma criativa como muitos cristãos têm vivido os tempos da pandemia, e aconselha a não se esquecerem do que estão a viver. “Guardem-se para melhores tempos, porque nesses tempos vai-nos ajudar recordar isto que se passou. Cuidem-se para um futuro que aí vem. E quando chegar esse futuro vai-vos fazer bem recordar o que passaram”.

Francisco diz que na Santa Sé todos continuam a trabalhar, embora respeitando as recomendações sanitárias e que ele tem aproveitado a diminuição de compromissos públicos para rezar mais. “Rezo mais, porque creio que o devo fazer, e penso no meu povo. É uma coisa que me preocupa, as pessoas”, diz, admitindo que isso lhe faz bem e que o ajuda a combater o egoísmo.

“Penso nas minhas responsabilidades de agora, mas também para depois. Qual vai ser o meu serviço como bispo de Roma, como cabeça da Igreja, depois? Já se começou a ver que este depois vai ser um depois trágico, um depois doloroso, por isso convém pensar desde já.”

E diz ainda que a sua grande preocupação, numa altura em que estamos obrigados ao isolamento e ao distanciamento social, é como ser mais próximo dos fiéis. “É por isso que temos feito livestreaming da missa das 7h30 [6h30 em Portugal continental] que muitas pessoas têm acompanhado, de algumas das minhas intervenções e do ato de 27 de março na Praça de São Pedro”, explica.

No que diz respeito à resposta dada pelos governos a esta pandemia, Francisco elogia o facto de alguns terem colocado o bem-estar das populações acima das preocupações económicas, mas diz que em muitos casos se tem revelado aquilo a que tem chamado a “cultura do descarte”.

No mundo das finanças parece que o normal é sacrificar. Uma política da cultura do descarte. Do princípio ao fim. Penso na seletividade pré-natal. Hoje em dia é difícil encontrar pessoas com trissomia 21 nas ruas. Quando a ecografia o revela, devolvem-nos ao remetente. Uma cultura da eutanásia, legal ou encoberta”, critica.

“Os sem-abrigo continuam sem-abrigo. Saiu uma fotografia o outro dia em Las Vegas, onde estavam de quarentena num parque de estacionamento. E os hotéis estavam vazios. Mas os sem-abrigo não podem ir a um hotel. Assim se vê como funciona a teoria do descarte”, lamenta ainda.

Contudo, Francisco não esconde que este momento de crise global pode ser também encarado como uma oportunidade de conversão. “Não sei se é uma vingança, mas é uma resposta da natureza”, diz.

O homem, acrescenta, tem de pasar do mau uso da natureza e redescobrir o poder da contemplação, para que os pobres passem a ser novamente visiveis. “Não podemos fazer uma política asistencialista, como fazemos com os animais abandonados”, afirma.

A Igreja que deve sair da crise

Por fim, o Papa admite que esta crise irá mudar a própria Igreja. “Se me perguntar que livro de teologia melhor nos pode ajudar a compreender isto, é ‘Os atos dos Apóstolos’. Aí vemos como o Espírito Santo desinstitucionaliza o que já não serve e institucionaliza o futuro da Igreja. Esta é a Igreja que deve sair da crise”.

Francisco diz que recebeu um telefonema de um bispo italiano angustiado que tinham estado a visitar os hospitais para dar a absolvição a todos os que estavam lá dentro, desde a entrada do edifício, até que os especialistas em direito canónico o informaram que isso não era possível, porque a absolvição só é válida se houver contacto direto. Perante isto o Papa respondeu: “Cumpra o seu dever sacerdotal”, ao que o bispo respondeu: “Obrigado, compreendo”.

“Depois soube que andava a absolver por todo o lado”, conclui o Papa.

“Ou seja, é a liberdade do Espírito neste momento diante de uma crise, e não a de uma Igreja fechada nas instituições. Isso não significa que o direito canónico não é útil: sim, é útil, e ajuda, e por favor usemo-lo bem, porque faz-nos bem. Mas o último cânone diz que todo o direito canónico diz que todo o Direito Canónico tem em vista a salvação das almas.”

A entrevista ao Papa pode ser lida na íntegra no site do The Tablet e no site do jornal espanhol ABC.

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