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Confinamento: uma nova experiência de vida aos 82 anos

07 abr, 2020 - 15:19 • André Rodrigues

Branca Gomes nunca pensou viver para experimentar a realidade dos dias que correm. Reformada, confessa: "Nunca me deitei, nestes 20 anos de reforma, sem fazer planos para o dia seguinte."

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Dos dias completamente preenchidos ao isolamento passou um mês. Aos 82 anos, Branca Gomes nunca pensou viver para experimentar a realidade dos dias que correm.

Reformada há 20 anos, esta antiga técnica de uma empresa de moagens da Senhora da Hora, em Matosinhos, nunca se rendeu ao peso da idade.

"Nunca senti a idade que tenho, porque sempre preenchi o meu tempo e nunca me deitei, nestes 20 anos de reforma, sem fazer planos para o dia seguinte", conta à Renascença.

Branca Gomes frequenta uma universidade sénior em Matosinhos e diz, com orgulho, que é uma das alunas mais ativas do seu grupo.

Até há um mês, frequentava todas as aulas, não falhava um só passeio, até que um inimigo invisível, uma pandemia, o Covid-19 - o nome pouco interessa - transformou a realidade dos dias e obriga a ver e fazer tudo de maneira diferente.

"Estou a fomentar a humildade que não tinha, por causa da minha independência"

Branca conta que "ia às compras sozinha, nunca precisava da ajuda dos filhos, fosse para fazer compras ou para ir onde quer que fosse".

É a dependência que Branca nunca desejou, mas que, por outro lado, é o sinal expressivo de uma família que se une em torno dos seus mais velhos.

Paula, a filha de Branca, desabafa que "por vezes, apetecia pegar neles [os pais] e colocá-los numa bolha protetora, até que tudo isto passasse".

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Professora no ativo, Paula dedica todo o tempo das férias da Páscoa em exclusivo no cuidado aos pais.

A rotina diária inclui duas chamadas por dia, de manhã e à noite. E sempre que falta alguma coisa em casa, é ela quem leva as compras.

"É a missão principal que temos nesta altura, mantê-los a salvo, mostrar-lhes que os amamos muito e que queremos tê-los connosco, ainda, por muito tempo".

Paula vive dias de constante preocupação. Se, por um lado, a mãe "está ciente dos perigos e toma todos os cuidados de forma responsável", já com o pai, a situação é diferente.

"Ele era engenheiro eletrotécnico e, mesmo com 82 anos, trabalhou até há quatro meses. Como sente muito a falta da atividade profissional, quer sair todos os dias, ignora a perigosidade da situação e quer ir comprar o jornal e os cigarros todos os dias... quase que é preciso ter sempre alguém à porta de casa para o impedir de sair".

Notícias? Só duas vezes por dia, em nome da sanidade mental

O isolamento em casa torna mais acessível a informação sobre a pandemia. E é permanente, sobretudo nas televisões.

Branca Gomes evita "esse ruído". Uma forma, diz, de garantir a melhor sanidade mental possível nestes tempos de exceção.

"Oiço dois noticiários, de manhã às 09h00 e à noite, às 20h00, porque é um massacre muito grande. Para proteger a minha sanidade mental, prefiro não acompanhar tudo, porque as notícias são muito más".

Os dias em casa parecem sempre muito mais longos, mas Branca Gomes encontra sempre algo diferente para fazer.

"Oiço música, leio, contacto com os meus amigos da universidade sénior e com os familiares através do WhatsApp e do Skype".

Tudo igual ao que era, com a pequena grande diferença de não estar com as pessoas frente a frente.

Branca Gomes e o marido podem, até, ter receio pelo que aí vem.

Mas nunca o medo de serem esquecidos pela família.

Esta Páscoa vai ser diferente do habitual.

Cada um em sua casa, como tem de ser nesta altura de pandemia.

O que interessa mesmo é sair da crise para, quando for possível, voltarem-se a abraçar, pais e filhos, netos e avós. Um dia destes, quando a doença for embora.

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