03 abr, 2020 - 22:41 • Filipe d'Avillez
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O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) alertou esta sexta-feira para o perigo de esgotamento do pessoal médico, que durante a pandemia de Covid-19 é particularmente vulnerável, tanto física como psicologicamente.
Num parecer a que a Renascença teve acesso, em que analisa as medidas tomadas pelo Governo até agora, e tece considerações sobre potenciais cenários de futuro num quadro de pandemia, o CNECV recomenda especial atenção para com os profissionais de saúde e recomenda que decisões de vida ou de morte sejam tomadas em equipa.
“Nas situações de escassez de recursos humanos deve ter-se especial atenção ao esgotamento físico e mental dos profissionais, promovendo condições e apoios que ajudem a minorar a exaustão e a melhorar a capacidade de resposta clínica. A fadiga por compaixão e a síndrome de burnout derivam frequentemente de conflitos éticos que decorrem da prática dos cuidados intensivos, como acontece com as decisões de atribuição do equipamento de ventilação assistida disponível ou de desligar tal equipamento”, lê-se no documento.
Estávamos longe de antecipar que a realidade iria (...)
Por isso, os especialistas recomendam que as decisões de vida ou de morte sejam assumidas em conjunto, e não individualmente.
“As decisões críticas relativas ao uso de ventiladores, pela sua especial sensibilidade e dificuldade de aplicação de critérios clínicos objetivos, poderão, em determinadas circunstâncias, não ser assumidas exclusivamente pelo médico que tem a pessoa doente a seu cargo. A decisão ética poderá beneficiar em ser apoiada por elementos da instituição de saúde que não estejam diretamente envolvidos na prestação de cuidados intensivos, para atenuar os efeitos negativos da pressão sobre os médicos e as equipas, aliviando-os da responsabilidade da decisão individual sobre a ventilação mecânica.”
As medidas impostas pelo Governo para evitar a propagação do coronavírus em Portugal são justificadas, apesar de infringirem alguns direitos básicos dos cidadãos, como a liberdade de circulação e a privacidade.
O atual estado de pandemia “representa uma situação de perigo atual e de grave ameaça para a integridade de cada cidadão e para a saúde pública que justifica medidas de isolamento e confinamento, desenhadas para reduzir a propagação da doença. São decisões-limite que têm ampla repercussão social e que se fundamentam no princípio da necessidade, o qual procura preservar o que se considera ter um valor que se sobreleva nesta situação, desde logo a vida humana e a sobrevivência de todos”, conclui o conselho.
Análise de dados
O presidente do Conselho Nacional de Saúde defende(...)
Esta acrescenta que “a obrigatoriedade de confinamento de doentes infetados no domicílio pode justificar que se dê conhecimento da sua identidade a entidades terceiras, por exemplo a autoridades policiais”, não obstante o direito à privacidade.
Contudo, todas estas medidas devem sempre “ter em conta critérios de atualidade, proporcionalidade e adequação, para que em cada decisão se atenda à menor violação dos direitos individuais e das considerações morais e éticas que os sustentam, como é o caso das restrições à autonomia, liberdade e privacidade. Tal exige transparência de propósitos e apropriada fundamentação, condições que são essenciais para a confiança dos cidadãos e para criar um novo sentido de responsabilidade pública.”
O CNECV apela ainda às autoridades que forneçam sempre com transparência, e de forma compreensível, a informação que for surgindo.
"A comunicação deve ser dirigida a objetivos precisos, de um modo claro e transparente, e transmitida no tempo apropriado. Os cidadãos reconhecerão tanto melhor a honestidade e o propósito beneficente das decisões quanto melhor a comunicação se submeta a estes critérios, que concretizam o princípio ético da transparência", lê-se.
Durante todo o tempo que durar esta crise as medidas tomadas pelo Governo devem sempre ser acompanhadas de uma análise ética, precisamente para evitar soituações de abuso. "Deve ser bem identificada a relação de causalidade como necessária e suficiente para que se possam delimitar os benefícios e os riscos das medidas a assumir. A opção deve ser a mais proporcionada e adequada (ex. a necessidade de cerca sanitária), evitando medidas em que os meios possam comprometer, pelo seu 'excesso', os benefícios pretendidos", dizem os especialistas que assinam o documento.
A análise do CNECV, que pode ser lida aqui na íntegra, foi publicada numa altura em que já passou mais de um mês desde o primeiro caso de Covid-19 diagnosticado em Portugal e em que já se contabilizaram mais de 200 mortos no país, com o maior número de mortes num dia a registar-se precisamente nesta sexta-feira.