Coronavírus

Pico de Covid-19 em abril ou maio? Se cumpríssemos todas as medidas “seria em duas a três semanas”

03 abr, 2020 - 07:30 • João Carlos Malta

Já foi apontada para março, para meio de abril, para o final do mês e, finalmente, para maio. Especialistas apontam modelos diferentes usados como explicação para a dessintonia, mas o líder da unidade de Cuidados Intensivos do Pulido Valente, o pneumologista Filipe Froes, não tem dúvidas de que, se as medidas de contenção anunciadas estivessem todas a ser cumpridas, no máximo em três semanas esse momento era atingido. Caso contrário, algo não correu bem.

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“Se todos cumpríssemos rigorosamente as medidas de distanciamento e contenção, e as outras medidas como a lavagem das mãos, controlo da infeção e restrição social, as cadeias de transmissão desapareciam. O aparecimento de novos casos ficaria condicionado e, ao fim de três a quatro semanas, a curva começaria a descer. Portanto, o pico da pandemia seria no final de abril”, projeta à Renascença o pneumologista Filipe Froes.

As projeções do momento do pico do surto do novo coronavírus têm deslizado ao longo do tempo. Apesar de a ministra da Saúde, em conferência de imprensa de 21 de março, dizer que o maior número de casos num dia seria a meio de abril, a 14, apenas uma semana depois, a mesma Marta Temido e a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, lançaram essa data bem mais para a frente: “no final de maio”.

Nessa altura, a diretora-geral da Saúde acrescentou ainda que o pico de Covid-19 não deverá resumir-se a apenas um dia, mas que deverá ser, sim, "um planalto de casos mais ou menos semelhantes durante vários dias".

O pico do surto não é um dado inócuo, uma vez que tem uma importância relevante na determinação de medidas de restrição social e de confinamento. E todas essas têm, como se tem visto nos últimos dias, grandes consequências económicas para o país.

Filipe Froes, que também é investigador no Centro de Investigação em Saúde Pública, justifica esta nova data com a continuação da transmissão na comunidade, sendo “que o período de incubação pode justificar algum atraso em relação ao aparecimento de novos casos e à implementação das medidas”.


Modelo do centro europeu de controlo e prevenção de doenças mostra como a adoção de medidas de contenção podem reduzir para menos de metade o número de infetados com Covid-19. Ilustração: Rodrigo Machado

Ilustração: Rodrigo Machado


Explicando de uma outra forma, “apesar das medidas de contenção, elas não evitam a interrupção total da transmissão na comunidade”. “As pessoas continuam a sair, há casos novos e há casos de pessoas que estão agora infetadas e que só vão manifestar doença daqui a uma semana ou duas”, analisa. Por isso, há um atraso “entre a implementação das medidas e o seu efeito”.

Apesar de tudo isso, o mesmo especialista volta a frisar que o período de incubação é de 14 dias e que essa é a referência para o aparecimento do maior número de casos.

Por isso, Froes mantém que o que faz mais sentido, mediante os dados que existem, é o pico da Covid-19 ser em abril. O pneumologista assume, no entanto, que, em rigor, não se sabe “em que momento será”.

Mas repete e frisa que à medida que formos apertando as medidas de contenção, e isso tiver impacto significativo na diminuição da transmissão na comunidade, “é previsível que no intervalo de duas a três semanas ocorra o pico”. Mais uma vez, a conclusão é: no final de Abril.

Como aparecem os números? A incógnita

Ricardo Mexia, médico do Instituto Ricardo Jorge e presidente da Associação de Médicos de Saúde Pública, considera que o que pode estar em causa para a apresentação de cenários tão diferentes é a existência de modelos matemáticos díspares e reconhece que “faltam dados objetivos”.

Num artigo publicado na semana passada no "Público", a matemática Gabriela Gomes, especialista em epidemiologia da Escola Superior de Medicina Tropical de Liverpool, no Reino Unido, fazendo eco dos apelos da comunidade científica, escreveu que “é altamente frustrante ouvir, dia após dia, que as previsões e decisões da nossa Direcção-Geral da Saúde (DGS) continuarão a basear-se em modelos de uso interno e não com vista a serem publicados”.

“Dado que existe uma distinção tão fundamental entre as estratégias de mitigação e supressão (curvas azul e laranja no gráfico) com implicações para o planeamento, não só médico como também social e económico a curto, médio e longo prazo, os modeladores querem perceber que tipo de curva segue o nosso país e que avaliação faz a DGS da situação. Apelo, assim, à DGS que agilize a publicação dos modelos matemáticos em que baseiam as suas previsões e decisões para que as possamos compreender, dialogar e otimizar de forma aberta”, defendeu aquela cientista.

A mutação da data pico, uma grande confusão

Apesar de esta ser uma doença nova e em constante mutação, a verdade também é que as mais altas figuras políticas da nação e as autoridades de saúde não têm falado a uma só voz. Isso faz com que haja informações contraditórias, por exemplo entre o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e a directora-geral da Saúde, Graça Freitas.

Mas ainda antes, e recuando mais de duas semanas, numa entrevista à SIC, a 16 de Abril, o primeiro-ministro afirmava que o que está previsto é que a curva da epidemia “continue a crescer até finais de abril”. Ainda assim, Costa avançava que “nunca terminará antes do final de maio”.

Por esse motivo, e porque poderá haver cansaço da população com a medida, ou negócios que simplesmente prefiram encerrar, o chefe do Governo lembrou que “olhando a prazo, é uma crise que durará alguns meses”.

Cinco dias depois, a ministra da Saúde Marta Temido avançava com uma perspetiva mais optimista. A 21 de Março, a governante disse o pico seria atingido por volta do dia 14 de abril.

"De acordo com a evolução do novo coronavírus em Portugal e dos cálculos dos nossos especialistas, estima-se que a data prevista para a ocorrência do pico da doença se situe por volta do dia 14 de abril data prevista para ocorrência do pico da curva epidemiológica ", referiu a governante, na conferência de imprensa de atualização do boletim da Covid-19.

Mas uma semana depois, novo volte-face. A mesma Temido atirou a previsão bem mais para a frente. Seria um mês e meio depois da data que apenas sete dias antes avançara.

O pico máximo do surto em Portugal afinal deve ser atingido no final de maio - e não no final de abril, como apontava anteriormente. "A incidência máxima da infeção estará adiada para o final de maio", adiantou a ministra.

A diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, acrescentou ainda que o pico do novo coronavírus não deverá resumir-se a apenas um dia, mas que deverá ser, sim, "um planalto de casos mais ou menos semelhantes durante vários dias".

Marcelo e Graça Freitas desencontrados

Pelo meio, o Presidente da República até deu uma pincelada sobre o que seria depois anunciado por Temido e Freitas. Marcelo disse então que a curva da epidemia em Portugal “vai subindo de uma forma mais suave [em comparação com outros países, como Espanha ou Itália], o que significa que o pico é mais tarde e ser mas tarde significa mais tempo que é pedido às pessoas, o que pode cansar”.

“Têm de resistir mais tempo ao cansaço. Onde o pico era para ser no final de março ou, depois, em meados de abril, pode ser mais tarde, pode ser já em maio. Isso para algumas pessoas é um fator de cansaço”, sintetizou Marcelo Rebelo de Sousa, numa altura em que a estimativa do Governo era que o pico viesse a registar-se entre 9 e 14 de abril.

Esta quinta-feira, Graça Freitas voltou a referir-se ao tema. Salientou que em Portugal os casos estão "em franca ascendência, não exponencial e abrupta".

"Temos tido uma subida relativamente aplanada, mas não sabemos com certeza quando vai ser o pico. Quanto mais lenta for a progressão, mais para a frente irá para o pico, que poderá ser mais um planalto. Estamos a fazer tudo para subir mais lentamente, o que quer dizer que podemos estar a diferir o pico ou planalto para uma data mais tardia", explicou.

A diretora-geral da Saúde assinala que "só saberemos que estivemos no pico quando começarmos a descer e, mesmo assim, não será nos próximos dias, porque depois de uma aparente descida pode haver uma subida".

"O grande objetivo é conseguir em determinado período de tempo um número controlado de doentes, para conseguirmos dar uma uma boa resposta, mesmo que para isso a epidemia dure mais tempo", rematou.

Estas declarações contradizem o Presidente da República, que há três dias falou de novo do tema depois de uma reunião com especialistas. Marcelo, que também agora veicula uma informação diferente da que que passou ao público há uns dias, afirma que a curva mostra um achatamento com a evolução a dar-se diariamente entre os 15% e os 20%. Isso leva o Presidente a concluir que o pico possa ser mais cedo do que o previsto anteriormente pelas autoridades de saúde.

Ainda assim, deixava em aberto que tudo o que afirmava estava sujeito à confirmação dos dados e da evolução reportada nos últimos dias.

Sobre a dança de datas o médico e investigador Filipe Froes avança que tal pode estar relacionado com o “número de novos casos diários associado a medidas de contenção que estão a ser contempladas”. “Em rigor são previsões e ninguém pode dizer com exatidão quando é que vai ocorrer o número máximo de casos e qual será esse valor”, fundamenta.

O que é o pico e como se olha para ele

O pico, explica Filipe Froes, “é como olhar para uma montanha e ver o ponto mais alto”, que no caso da curva da pandemia do novo coronavírus “corresponde ao maior número de casos confirmados na totalidade dos dias da pandemia, é o valor máximo dos casos confirmados durante a curva pandémica”.

A onda que visualizamos corresponde ao somatório do número de casos ao longo do tempo, e o pico é equivalente ao valor maior de casos num só dia, até que chegará um dia em que o número de novos casos é inferior ao da véspera, e assim sucessivamente de uma forma consistente.

A curva pode ter uma geometria mais achatada em planalto, ou pode ter uma geometria mais vertical com um pico mais evidente. “Com as medidas de contenção o que se pretende é diluir o impacto do valor máximo achatando a curva, transformando o pico num planalto”, afirma Froes.

Por fim, o líder da unidade de Cuidados Intensivos do Pulido Valente, Filipe Froes, defende que como estamos “a ter um esforço enorme de contenção com o profundo impacto na vida pessoal e económica do país”, é necessário que “estas medidas tenham o máximo de rentabilização para que cortem definitivamente as cadeias de transmissão na comunidade”. Isso, garante, "faria com que o pico fosse atingido no mais curto intervalo de tempo para que a situação progrida para o retorno à vida normal”.

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  • VITOR GOMES
    04 abr, 2020 PORTO 18:08
    A percentagem de casos de dia para dia tem diminuido... não consegue ver senhora diretora da saude!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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