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Deixem ser os netos a explicar o coronavírus aos avós, sugere especialista

31 mar, 2020 - 18:31 • André Rodrigues

Explicar a uma criança a necessidade de permanecer em casa, por causa de uma pandemia obrigou o mundo a estagnar, é uma tarefa simultaneamente difícil e repetitiva. Os dias de isolamento social parecem bem mais longos do que os da rotina normal. Com os idosos, é igual. No fosso entre novos e velhos, há uma geração intermédia cuja elasticidade emocional é testada ao limite.

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Na pandemia do Covid-19, estão entre as crianças que requerem a atenção constante agora que estão 24 horas por dia em casa, e a preocupação com os seus pais, já idosos, e mais vulneráveis ao coronavírus. São, ao mesmo tempo, pais e filhos que enfrentam a rebeldia das crianças e dos idosos e que vêem a sua “elasticidade emocional testada ao limite”.

Em declarações à Renascença, Nuno Sousa, psicoterapeuta na área da infância e adolescência, diz que a situação que vivemos traz um duplo desafio para a geração entre os 30 e os 50 anos. O mesmo defende ainda que devem ser os netos a explicar a doença aos avós, porque estes serão mais flexíveis a ouvir os mais novos.

Este especialista diz que aqueles que estão, maioritariamente, entre os 30 e os 50 anos e que, agora, trabalham a partir de casa não conseguem dar aos filhos a atenção de que necessitam, e receiam qualquer eventual exposição dos pais aos riscos da doença.

É nesta tensão que, agora, se desenvolvem as dinâmicas familiares, por força da Covid-19.

Nuno Sousa, especialista área da infância e adolescência, começa por constatar que, "na dinâmica social em que estávamos habituados a viver e que, se calhar também não era muito saudável em muitos aspetos, os pais passavam muito tempo fora de casa e o tempo de convívio de família acaba, muitas vezes, por estar limitado à resolução das tarefas funcionais da casa".

Para este psicoterapeuta, a novidade imposta pela pandemia representa "um duplo desafio para os pais", que passa por "perceber as coisas que lhes dão prazer para partilhar com os filhos e, por outro lado, terem tempo de conhecer os filhos e de lhes facilitar dinâmicas que permitam perceber aquilo que, eles próprios, os filhos, gostam de fazer".

Nuno Sousa propõe um "novo estilo de relação ". O confinamento às quatro paredes de casa deve ser uma oportunidade para "descobrir novos jogos, novas tarefas na dinâmica doméstica, brincadeiras, conversar sobre projetos futuros, sobre viagens que fizeram".

Pôr os netos a convencer os avós

Por outro lado, Nuno Sousa defende uma aposta na pedagogia com as crianças, "por mais que os tempos que, agora, vivemos nos mergulhem na incerteza e no receio do desconhecido".

Para este especialista, há que explicar tudo sem recorrer à tentação do discurso do medo.

"As crianças precisam de saber que têm de ter cuidados, principalmente para não transmitirem o vírus aos outros. Esta é a informação relevante, elas não têm necessidade de saber o número de mortos ou as consequências económicas da pandemia".

Nuno Sousa sugere que forma mais simples de conseguir informar bem os mais novos passa "por apelar à memória das experiências passadas, explicar-lhes que apareceu um vírus cuja referência imediata nos remete para sintomas de constipação ou de gripe que as próprias crianças já terão experimentado".

Com uma diferença que não é um mero pormenor, "este vírus provoca esses sintomas, mas de uma forma muito mais intensa para as pessoas mais velhas, neste caso, os avós".

É aqui que começa o segundo grande desafio dos pais que também são filhos.

Nuno Sousa constata que "é muito frequente as pessoas de mais idade já estarem saturadas dos cuidados que os filhos já têm com eles. Isso cria um sentimento de rebeldia nos idosos".

O segredo, diz, é deixar as crianças falar ao coração dos mais velhos, porque "como os avós têm muita vontade que os netos gostem deles, estão mais disponíveis para uma maior flexibilidade perante os pedidos das crianças".

Embora não seja a melhor das práticas no relacionamento social, este psicoterapeuta admite que "as gerações intermédias peçam aos filhos pequenos para fazerem uma espécie de manipulação positiva, apelando ao afeto, pedindo aos netos que expliquem aos avós todas estas coisas, porque os netos gostam muito dos avós e não querem que eles fiquem doentes. E, como os avós gostam muito dos netos, também não os querem ver tristes".

Antes ter aulas à distância do que nenhumas

Outro dos desafios colocado às famílias nos tempos mais próximos é a gestão do percurso educativo das crianças.

A pouco mais de uma semana do Ministério da Educação decidir como serão as aulas do terceiro período, Nuno Sousa admite que os tempos letivos à distância são, "para já, o mal menor".

"É preferível que elas existam do que não existam. Para jovens que já estão no terceiro ciclo, já terão uma capacidade de estudo suficientemente desenvolvida para serem autónomos".

Já com crianças mais pequenas, este especialista reconhece que "é necessário ter alguém constantemente a reformular a informação, a repeti-la, a puxar a atenção deles para o que se está a passar. Essa é a magia dos professores, adaptar a informação às crianças que têm à frente. Essa é a maior perda destas aulas que são passadas para o meio virtual".

Daí que, para não prejudicar os encarregados de educação nem as crianças, "terá que haver uma adaptação do formato dos conteúdos e da forma como eles são pensados. Também terá que haver a consciência de que não será possível passar tanta informação como seria possível num ambiente presencial de sala de aula".

Nuno Sousa apela, por isso, a quem se ocupa da reprogramação do terceiro período que "tenha a consciência de que a forma como se transmite conteúdos letivos terá de ser mais simplificada, mais dinâmica e, provavelmente, em menor quantidade".

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  • Mario Rocha
    31 mar, 2020 Paredes 18:47
    O que e isto

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