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Dúvidas sobre o novo coronavírus? Especialistas esclarecem na Renascença

27 mar, 2020 - 21:41 • José Bastos , Daniela Espírito Santo

Especialistas em saúde pública e epidemiologia respondem em direto às dúvidas dos ouvintes da Renascença. Confira as respostas.

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Estamos a chegar ao fim de mais uma semana marcada pela pandemia de covid-19 em Portugal e no mundo. É hora de tirarmos mais algumas dúvidas dos ouvintes da Renascença, que nos foram chegando pelas redes sociais, e recapitular o que devemos saber e fazer para nos protegermos do novo coronavírus.

Nada melhor que contarmos com a ajuda de Henrique Barros, presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto e do Conselho Nacional de Saúde, para o fazer.

A Ilda Vieira questiona, via Facebook, quando tempo deverá demorar a “resolver uma infeção respiratória que seja provocada por covid-19 e que não seja tratada, nem desenvolva um quadro mais complicado”.
Temos muitas dificuldades ainda de saber. Mas eu posso dizer que aquilo que se foi capaz de juntar, e que varia muito, porque são amostras de hospitais diferentes, de locais diferentes, mas olhando para aquilo que se viu sobretudo da experiência chinesa, porque a experiencia europeia ainda estamos a assistir ao decorrer da situação, é que no conjunto a probabilidade de alguém infetado morrer, que uma das nossas preocupações fundamentais, globalmente pareceu ser à volta de 1 por cento. Presume-se que até possa ser menos.

Agora, este risco é muito diferente ao longo das idades. Na experiência global, isto não quer dizer que não possa haver um caso de morte, mas abaixo dos 30 anos pode-se dizer que virtualmente não há mortes. Portanto, a infeção ocorre e resolve. A partir dessa idade, entre os 30 e os 50, há uma pequena porção de pessoas, à volta dos 0,2-0,3 por cento, que poderão ter um desfecho fatal.

O facto de eu ter 30 anos ou 40 anos, protege-me, por exemplo, se eu não for uma pessoa que é diabética, que já teve um enfarte do miocárdio, ou que tem um problema neurológico, ou que tem uma doença com imunossupressão. Quer dizer, estamos a falar do risco nas pessoas que não têm patologia crónica. Aí, a doença é mais importante que a idade. Uma pessoa de 40 anos com uma patologia crónica grave tem provavelmente um prognostico pior do que uma pessoa de 70 ou 80 anos, fundamentalmente saudável.

Mas quando nós subimos acima dos 70 anos, e particularmente acima dos 85, a doença é brutalmente grave. E a proporção de pessoas que vão morrer é muito alta, particularmente nos homens.

Em relação ao género, a explicação, particularmente na nossa população, é relativamente fácil e nós julgamos que é verdadeira: é que as mulheres praticamente nunca fumaram, enquanto os homens foram grandes fumadores. E, portanto, a forma como eles chegam a esta idade, a sua reserva respiratória, a sua reserva cardíaca, é menor nos homens do que nas mulheres. Por outro lado, nestas idades mais avançadas, os homens tendem a ter mais comorbidades do que as mulheres. E, portanto, é um conjunto de "fragilidade" que é maior no sexo masculino do que no feminino. Mas, se repararmos bem, em todas as idades os homens são mais frágeis do que as mulheres e morrem mais do que as mulheres.

Uma das notícias que mais nos surpreendeu esta sexta-feira foi justamente a da morte de um professor algarvio com 51 anos.
Sim, repare: não é inédito nem é absolutamente inesperado. Mas é uma faixa de idade onde ainda a probabilidade de morrer é muito baixa. Agora, nós não sabemos o caso concreto, se a pessoa tinha um problema particular de saúde. Muitas vezes até pode ter um problema de saúde associado que nem sequer foi diagnosticado. Portanto, cada caso é um caso. Carece de um olhar individualizado e particularizado. Globalmente, o risco é muito pequeno. E como às vezes gosta de se dizer: nós quando olhamos para a floresta, vemos esse risco muito pequeno. Mas depois há uma árvore ou outra que vai ter problemas sérios.

E os mais jovens não devem pensar que são imortais…
Sim, sim. É evidente que o risco é mais baixo, muito mais baixo, mas não é zero, não há riscos zero em nada na vida.

Deixem-me dizer uma coisa que pode ser interessante, que é um pouco especulativa e que vai demorar algum tempo para nós percebermos: a maior parte das pessoas nunca tinha ouvido falar dos coronavírus. Mas toda a gente ouviu falar de constipações. Aquilo a que nós chamamos normalmente uma constipação, nós sabíamos que cerca de 15 por cento dessas constipações são resultado de infeções por coronavírus. E são mais frequentes até nas idades mais jovens. E, por isso, é possível imaginar que possa haver alguma forma de imunidade cruzada. Ou seja, que as pessoas que tiveram infeções por esses agentes relativamente benignos, tenham, digamos assim, armado uma capacidade de resposta na sua imunidade que quando encontram este novo vírus, embora não estejam "vacinadas", estão pelo menos mais protegidas do que aquelas que não tiveram esse contacto anterior.

A Madalena Belo pergunta: "Vamos tornar-nos imunes ou mais resistentes a este vírus?" Isto partindo do princípio que ele vai permanecer na comunidade no futuro e que críamos aqui uma espécie de imunidade de grupo.
Se ele se comportar como outros coronavírus que nós conhecemos, podemos esperar ganhar imunidade em relação a este agente. E mesmo que ele volte, como nós estamos habituados a ver noutros agentes infeciosos que têm sazonalidade, nós, esta geração, estará no próximo ano mais equipada para se defender da infeção. Agora, ainda não sabemos exatamente qual é o grau dessa imunidade, qual é a durabilidade dessa imunidade, se a vamos perdendo ao longo do tempo, se ela permanecerá connosco para sempre. Por exemplo, nós sabemos que uma pessoa que tenha sarampo, fica imune, nunca mais volta a ter sarampo ao longo da vida. Será que é o mesmo que vai acontecer com o novo coronavírus? Só o conhecemos há três meses, é mesmo difícil poder imaginar o que vai ser daqui a três anos ou 30.

O João Carlos, também via Instagram, quer saber a sua opinião: “Tomar as mesmas medidas que Macau utilizou seria o mais sensato neste momento?” E as da Coreia, já agora?
Não confundamos as coisas. A situação de Macau não é a situação, por exemplo, da Coreia. Na Coreia, a resposta assentou em pilares distintos, porque na Coreia as pessoas puderam continuar a ir a restaurantes, puderam continuar a fazer muitas coisas da sua vida social. Foram fechados grandes ajuntamentos, mas há muitas coisas da vida social que permaneceram e a resposta foi fundamentalmente baseada numa imensa atividade de testar, a Coreia fez mais de 200 mil testes, numa imensa atividade de identificação das pessoas infetadas e de separação física.

Temos que ter a noção que a Coreia, por exemplo, usou os telemóveis para isto: imaginem que eu estava infetado, eu quando vou ao hospital as pessoas sabem onde é que eu moro, então os serviços de saúde coreanos imediatamente mandavam uma SMS para toda a gente que morava na mesma região onde eu morava, no mesmo bairro, no mesmo quarteirão, dizendo que foi identificado mais um caso ali, redobrem-se os cuidados.

O controlo das pessoas e da mobilidade das pessoas doentes, aquelas que mais provavelmente fazem a transmissão, era feito por rastreamento dos movimentos de telemóveis, dos movimentos de cartões de crédito, onde é que as pessoas se encontravam. Portanto, estamos a falar de uma forma de controlo social que seria muito difícil de imaginar com as leis que nós temos de proteção individual e de proteção de dados.

O caso de Macau é diferente. O caso de Macau fechou! Reparem: Macau não é um bom exemplo para um país, porque Macau é uma micro-sociedade. O fechar os casinos basicamente fechou Macau.


A Renascença está a responder às questões dos ouvintes, em parceria com Ordem dos Psicólogos Portugueses e Instituto Saúde Pública da U.Porto. Partilhe as suas dúvidas e comentários através do WhatsApp da Renascença (962 007 500), nas caixas de comentário do site ou nas redes sociais.

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