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Coronavírus

​Desafio de quem vive em clausura: “Uma oportunidade para um questionamento mais profundo sobre a vida”

26 mar, 2020 - 13:06 • Olímpia Mairos

“Olhar-se e olhar para o outro em situação de sofrimento” em tempos de pandemia é o desafio de quem vive em clausura. Sim, porque, diz a abadessa do Mosteiro Trapista de Santa Maria Mãe da Igreja, “as situações difíceis ajudam-nos a abrir os olhos, se por superficialidade ou hábito, deixámos de olhar com olhos atentos para quem está ao nosso lado”.

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Itália e Portugal vivem em quarentena. O estado de emergência é comum aos dois países. Num e noutro país a Covid-19 alterou a vida das pessoas. As populações estão em estado de alerta. Instalou-se o medo, a apreensão e a angústia. Viver estes tempos com serenidade e confiança é um desafio a alargar horizontes e olhar mais longe.

O exemplo vem de Vitorchiano, a 100 km a norte de Roma, Itália. É ali que vive uma comunidade de 77 monjas. São trapistas da Ordem Cisterciense da Estrita Observância. É ali que permanecem as 10 monjas do Mosteiro Trapista de Santa Maria Mãe da Igreja, até que as obras da hospedaria estejam concluídas, em Palaçoulo, Miranda do Douro, o que se prevê possa acontecer antes do final do ano.

O isolamento não é novidade para estas monjas de clausura. E é precisamente no isolamento da vida monástica que acompanham o mundo.

Em contexto de pandemia a Renascença conversou com a monja Giusy Mafffini de 56 anos. É a superiora do Mosteiro Trapista de Santa Maria Mãe da Igreja. Começa por contar como estão a viver e a acompanhar a pandemia a partir do isolamento de um mosteiro e deixa algumas pistas para enfrentar estes tempos difíceis, que estão a mexer com a liberdade das pessoas.

Como estão a acompanhar esta situação de pandemia em Itália e em Portugal?

Aumentámos a nossa oração quer pessoal, quer comunitária. Todos os dias rezamos juntas o terço a Nossa Senhora, embora não seja uma prática utilizada no mosteiro, onde permanece central a celebração da liturgia das horas (sete vezes por dia) e a Eucaristia, que, graças a Deus, continuamos a celebrar todos os dias. Nos dias feriados ou nas solenidades escolhemos fazer a adoração eucarística durante toda a tarde. Vivemos com uma maior consciência do dom dos sacramentos, comungamos todos os dias, tendo no coração quem não o pode fazer.

Agradecemos muito a iniciativa de Papa Francisco de rezar um Pai Nosso ecuménico, ontem, dia 25 de março, ao meio dia e acompanhamos as suas intervenções ainda mais neste tempo. Também estivemos em comunhão com os Bispos Portugueses, em ligação streaming, para confiar a Nossa Senhora Portugal e a humanidade inteira.

Acha que as pessoas, a sociedade em geral está preparada e sabe viver este isolamento imposto e necessário?

Se calhar as pessoas não estão muito preparadas, mas acho que muitas mais do que pensamos estão disponíveis em viver esta situação como uma oportunidade para voltar à oração, à fé, a um questionamento mais profundo sobre a vida. Interessante que muitas pessoas recomeçam a falar entre si e a dar maior atenção aos outros.

Como é que as monjas vivem esta orientação, sendo uma grande comunidade? O que fazem para se protegerem?

Nós vivemos na clausura. É uma “proteção” para nós. Algumas irmãs saem, mas só para as necessidades inadiáveis e têm muito cuidado para não se contaminarem com o vírus. Atendemos às recomendações das autoridades e dos centros de saúde.

Que conselhos podem dar a quem não está habituado a viver o isolamento? Como se pode enriquecer este tempo?

Aconselhamos a terem em atenção, em casa, as pessoas que a habitam, os interesses que podem ter, rezar, não desanimar e não ficar só em frente ao computador ou à televisão. Temos testemunhos de casais que voltaram a falar entre si, a descobrir a relação com os próprios filhos. Sabemos também de grupos com padres que através da internet encontraram forma de partilhar momentos de oração ou pequenos problemas do dia a dia.

Isolamento, restrição espacial, serão caminhos de liberdade e comunicação?

O isolamento em si mesmo não me parece um caminho... esta situação, por um lado, limita a liberdade pessoal, mas, por outro lado, ajuda a olhar-se e olhar para o outro em situação de sofrimento, de incerteza. Esta situação ajuda a renovar a própria consciência de quem somos e para onde vamos.

Habituadas a viver constantemente em relação, e em espaços delimitados, anos com as mesmas pessoas, os mesmos feitios, de proveniências diferentes, como é possível comunicar, relacionar-se de forma a não banalizar a relação ou até mesmo corrompê-la?

Cada pessoa é um mistério imenso, é habitação de Deus. O amor não é semelhante a um bolo que “acaba”, mas, pelo contrário, torna-se um acontecimento sempre novo. Situações difíceis ajudam-nos a abrir os olhos se, por superficialidade ou hábito, deixámos de olhar com olhos atentos para quem está ao nosso lado.

Como se pode encontrar Deus no meio de toda esta situação?

Na verdade, acho que é uma situação ótima para encontrar Deus e para renovar n’Ele a nossa confiança. Em nome da justiça, temos também a obrigação de nos perguntar se, por acaso, não podemos fazer algo por esta situação, sem duvidar que Deus nos ama e sempre abre caminhos para a nossa salvação.

De que forma pode uma comunidade de monjas ajudar a sociedade nesta situação? O que têm feito? Que iniciativas, projetos?

A nossa maior “iniciativa” permanece a oração, a conversão de vida, uma capacidade de esperança e o não fechar os olhos para os necessitados do corpo e da alma que nos pedem ajuda.

Comentários
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  • Desabafo Assim
    26 mar, 2020 16:46
    Ninguém ganha nada em publicar este tipo de comentários, que de bom têm? Só são úteis a quem espalha, reenvio, caso considerem aceitável e nada mais. Ao vosso dispor.

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