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Preocupado com o isolamento? Psicólogos respondem às suas dúvidas na Renascença

23 mar, 2020 - 20:33 • Daniela Espírito Santo , José Bastos , Sérgio Costa

Teresa Espassandim, da Ordem dos Psicólogos, falou em antena sobre a nova realidade criada pela pandemia de coronavírus. Para ler e ouvir.

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Neste período de emergência, a Renascença está a pedir ajuda a quem sabe para responder às dúvidas de ouvintes e leitores sobre as diversas facetas desta pandemia de coronavirus.

Vivemos uma crise sem paralelo na memória coletiva da humanidade. Portugal está em estado de emergência. Grande parte dos portugueses estão isolados, em casa, a assimilar novas rotinas e uma nova realidade. Há já uma cidade onde foi imposta uma cerca sanitária. Sobram os medos, angustias, muita informação para assimilar.

A nossa convidada é Teresa Espassandim, especialista em Psicoterapia e em Psicologia Vocacional e do Desenvolvimento de Carreira.

"As crianças são mais suscetíveis"


André Mota, 32 anos, do Porto, escreve-nos, via WhatsApp, que ele e muitos outros amigos se deparam com o mesmo problema. Como manter os pais em casa?
É uma preocupação que muitas pessoas têm relatado, de como ajudar os pais ou os avós, que são grupo de risco. Há preocupação, mas sabemos que não se alteram comportamentos informando sobre o que são os riscos, tem que se assegurar que há uma compreensão desses riscos, mas não apenas pelo lado negativo sobre o que não se deve fazer. Também é importante que as pessoas mais jovens escutem os seus pais, os seus avós ajudando-os a identificar o que podem fazer. A informação tem limites e a mudança de comportamento é possibilitada quando temos um significado para essa mesma mudança de comportamento. Uma estratégia que pode ser útil, não só para os séniores mas para cada um de nós, é dar um propósito àquilo que estamos a fazer. Por exemplo, quando pensamos nos cuidados que temos de ter e nos são recomendados, estamos a pensar, num primeiro momento, em proteger-nos a nós, mas encontramos mais motivação se pensarmos de como isso pode contribuir para proteger a comunidade. Dessa forma, tentar motivá-los para o papel importante que estão a fazer – a ser também agentes de saúde na sua comunidade – ao adotar certos comportamentos.

Também a Marta, via WhatsApp, fala de idosos, especialmente os que têm demência e que “têm as suas rotinas”. “O meu sogro, por exemplo, tem Alzheimer e está habituado a ir tomar o café à rua. Não entende porque é que não pode sair e, como é óbvio, está sempre a esquecer-se”, diz a Marta. “Ao não sair de casa, fica demasiado tempo no sofá sentado, o que também não é bom. Estando a demência relacionada com patologias como diabetes e com a depressão, que conselhos ou dicas podem dar os especialistas para estes casos?”, pergunta a Marta. Uma questão bastante pertinente.
As pessoas que enfrentam demências têm uma dificuldade acrescida. As questões cognitivas são menos ágeis, as questões de memória estão mais dificultadas e é, por isso, um desafio muito grande. Como fazer? É preciso ter ainda mais paciência e intencionalizar um tempo de escuta, não sermos tão rápidos naquilo que são as nossas ações do dia-a-dia, no cuidar dessas pessoas, e privilegiar mais tempo para escutá-los, mesmo que seja pela enésima vez, sobre o que não faz sentido para eles, explicar-lhes outra vez e outra da importância do que podem fazer e não só do que não podem fazer e com muito afeto, para dar confiança e tranquilidade.

A Marta também pergunta como podemos ajudar os idosos com demência que se encontram em lares e que deixaram de ver a família fisicamente, para começarem a ver os familiares “através de um ecrã, algo completamente estranho para eles”. Alguma dica?
A situação exige criatividade e paciência. Aqui o interlocutor são os cuidadores – os que estão a trabalhar nesses lares – que necessitam de se munir de uma linguagem ainda mais simples para explicar o porquê daquele familiar estar atrás de um ecrã e não estar ali a agarrar a mão. No entanto, uma coisa é certa: mais do que explicar por que não está aquela pessoa em presença, é incentivar a que fale, “fale com ele, está aqui deste lado”, sorrir, focar no que é possível e não no que não é possível para se conseguir saborear aquele instante. É a atenção dedicada que aquele sénior pode receber – que não é indiferente a forma – mas que no limite vai beneficiar na mesma. Portanto, instruções aos cuidadores para explicarem as vantagens, que até podem passar por falar mais vezes com os familiares.

Há outra faixa etária que também preocupa a generalidade dos portugueses em quarentena em casa: as crianças. A Noémia, via Instagram, disse-nos estar preocupada com a forma como as crianças podem estar a viver este fenómeno. Algum conselho para as ajudar a lidar com um cenário tão diferente para eles e para nós?
Há formas que podemos ter para as ajudar e, em primeiro lugar, é cuidar de nós mesmos, dar atenção aos nossos medos e ver de que forma a nossa ansiedade passa para fora. As crianças são mais suscetíveis – porque mais atentas, com menos palavras – e é tranquilizador para elas sentir que os adultos que estão com elas, o estão incondicionalmente. E isso significa passar mensagens de tranquilidade. “O eu nós fazemos, o que está a ser feito lá fora por cientistas, por médicos e enfermeiros, todos os que estão a trabalhar para ajudar a que todos fiquemos bem”, precisam dos contributos de cada um de nós. Essa explicação, esse assegurar que vamos ficar bem, não é só uma frase, é um movimento que ajuda a serenar. A criança não precisa saber tudo sobre o vírus, mas ajustado à sua idade, responder serenamente às suas perguntas, sem fugir delas, mesmo que o adulto esteja a ‘morrer? por dentro. Deve ter consciência que tem alguém que depende dele. Nesse sentido, também tem uma motivação acrescida para gerir a sua própria ansiedade dando mais tranquilidade possível. Os jogos são uma forma também de ajudar a criança a superar-se. Se é difícil para um adulto estar confinado a um espaço limitado, para uma criança ainda mais, que tem muito mais energia.

Com o agravar dos números em Portugal, temos de nos preparar para outro fenómeno: como lidar com a dor? O nosso ouvinte Ion é da Moldávia e relata-nos o que é viver com a dor à distância. “Recebi a notícia de que a minha querida irmã, que está quase a cinco mil quilómetros de distância, está internada com a Covid-19”, confessa-nos, via WhatsApp. Sente-se, naturalmente, triste. Algum conselho que lhe possamos dar para enfrentar a dor à distância?
É, sem dúvida, uma experiência difícil que está a viver. O sentimento de impotência, de não fazer parte do dia-a-dia ou atenuar o sofrimento do que a irmã está a passar. Mas há algumas coisas que são boas para ambos: mensagens positivas, a partilha do que se está a fazer, fazer ligação com a vida lá fora, com as coisas positivas que ambos já viveram, as saudades de outro tempo, fazendo a ponte com recordações positivas.


"O ser humano necessita de contacto com os outros"


Num cenário de convívio 24 horas sobre 24 horas acentuam-se os riscos de conflito. Como se lida com isto? Como se evita?
Estamos a viver circunstâncias excepcionais. Estamos todos pela primeira vez a aprender a lidar com aquilo que conseguirmos e devemos fazer e essa é uma dimensão que atinge todos aqueles que estão em teletrabalho ou em situação de isolamento social recomendado: viver 24 sobre 24 horas com as pessoas de quem se gosta, mas que trazem uma rotina diferente da anterior. Os conflitos são uma possibilidade, mas também é possível fazer mais atividades em conjunto, que antes faziam falta e eram desejadas, e que podem ser também o foco da prevenção. Devemos identificar atividades em conjunto, que sejam partilháveis, mas resguardando também espaços para momentos individuais, de forma a que se possa “respirar” e não seja esse contacto em demasia que faça com que se fique menos tolerantes ou mais irritáveis. Devemos tirar o máximo da situação de estar em conjunto, mas equilibrando com momentos para se estar consigo mesmo.

APAV alertou na Renascença que a quarentena pode expor vítimas de violência doméstica.
São situações limite, naquilo que é uma comunicação disfuncional em contexto familiar – que coloca mais em contacto agressores e vítimas. É uma possibilidade que preocupará todos. A recomendação é que as pessoas estejam, na mesma, atentas ao que se passa na vigilância e que sejam também essa ajuda, em ações que se estejam a passar. Relativamente Àquilo que pode ser preventivo terá de haver estratégias de comunicação num contexto de tolerância. A ideia é não esperar sermos perfeitos, nem que o outro seja perfeito, mas conseguir comunicar acerca do que se deseja, sem críticas diretas, mas ser explicito em relação àquilo que se espera do outro, formas de comunicação saudáveis que devem ser praticados por todos, em todas as circunstâncias.

Em termos de apoio de saúde mental à população, foi anunciada uma Linha de aconselhamento psicológico Covid-19, no âmbito da Linha SNS 24. Quando entra em funcionamento e quantos psicólogos vão ter a trabalhar?
Está a ser preparada uma linha de raiz para ser integrada na linha SNS24, de alcance nacional, focada naquilo que estamos a viver. O que estamos a viver desafia-nos, não só a nível físico, mas em particular a nível emocional. Estamos a trabalhar para que possa ir para a frente na próxima semana, ainda não temos qual o número de psicólogos que serão envolvidos nessa linha de aconselhamento, mas foi já feito um reforço de 200 psicólogos que estão a trabalhar para ajudar todos.

Mas não seria necessário um reforço do apoio prestado, a nível local e nos sítios mais afetados?
Foi feito um apelo pelo Bastonário para que se reforce, não só ao nível dos centros hospitalares, mas ao nível dos cuidados de saúde primários, para acolher as pessoas que continuam a necessitar de apoio.

Apoio também aos profissionais de saúde que passam turnos inteiros, dias inteiros, muitas horas por dia, às vezes sem pausas, sem equipamento de proteção, a lidar com os casos mais graves e o pior desta crise. A exaustão destes profissionais não é um risco que deveríamos estar a acautelar de outra forma?
Os profissionais de saúde estão a dar tudo o que têm para continuar a manter os serviços. Têm no seu dia-a-dia uma grande exposição a situações de stress e desgaste. Esta é uma situação que a todos nos impacta e mais impactará esses profissionais que tudo têm de fazer em turnos que, porventura, não cumprirão as pausas de descanso. Estamos a falar de profissionais que têm de se revezar e cobrir lacunas. São profissionais sujeitos a grande desgaste e é por isso que a linha de acompanhamento psicológico também estará dedicada aos profissionais de saúde.

Através das redes sociais da Renascença, a ouvinte Catarina Costa pergunta: "Sendo a quarentena algo novo na nossa sociedade, que impacto emocional tera em nós e como podemos combater o sentimento de exclusão?"
Já está a ter impacto em todos nós. Não sabemos ainda que impacto emocional e a dimensão desse impacto no futuro. Por isso, podemos agir “no hoje, no aqui, no agora”. Dar nome ao que estamos a sentir, sentir medo é normal, é uma resposta adaptativa. É estranho que uma situação desta não nos assustasse. Isto ajudará a pensar depois noutros passos, como por exemplo, pensar nos outros momentos de adversidade – não idênticos a este – mas que tenham sido um desafio e conseguimos superar. Acreditar nas nossas capacidades, que todos temos, para lidar com as situações é algo que nos transmite confiança e quando confiamos em nós e em quem nos rodeia, que todos estão a fazer o que é possível ser feito no momento, pois o impacto emocional negativo é menor”

Outra ouvinte da Renascença diz-nos: “Eu estou preocupada que tenho sair de casa e trabalhar". Como gerir o receio de contágio para quem não pode ficar resguardado em casa?
Pode sentir receio e ainda assim sair, desde que cumprindo todas as recomendações que a DGS nos tem dirigido. Fundamental aceder sempre a informação seguira. Isto implica mudanças nos nossos comportamentos e isso nunca é fácil, mas temos um propósito: “se eu mudo os meus comportamentos e sigo as recomendações que me são feitas pelas autoridades de saúde, estou a proteger todos e claro que também me estou a proteger a mim”. Se pensarmos neste propósito, “tenho medo, mas preciso trabalhar e se seguir as recomendações estarei segura”.

Hoje assistimos a um distanciamento social. Para futuro, corremos o risco de assimilar um novo padrão de comportamento, mais distante dos outros?
Não acredito nisso. O ser humano necessita de contacto com os outros. É próprio da nossa espécie. Por isso, encontramos forma de dar sentido a este maior distanciamento. Não nos é natural, é-nos incutido com o propósito de prevenirmos a disseminação do vírus, mas após isto retomaremos o que é habitual em nós.


Continuamos a responder às questões dos ouvintes, em parceria com Ordem dos Psicologos Portugueses e Instituto Saúde Pública da U.Porto, de 2ª a 6ª feira, depois das 19h30.
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  • João de Sousa
    22 mar, 2020 19:53
    Boa tarde, gostaria de vos dizer que sou um ouvinte assíduo da RR. Como sabemos todos, este é um tempo de reflexão profunda e sobretudo de imensas interrogações... Como todos estamos cheios de tempo, e eu não sou excepção, e como um dos meus hobbies é escrever, fazer bricolage e passear a pé ou de bicicleta pela natureza, decidi um destes dias escrever este poema sobre o Covid 19. Gostaria de saber se aceitariam lê-lo aos ouvintes no programa das 3 da manhã. Elas são fantásticas muito alegres. Eu sou o João de Sousa, vivo em Setúbal, tenho 54 anos. Este é o meu contacto: 963163065. Caso seja possível anunciá-lo na vossa/nossa rádio, enviem-me um email ou liguem-me a dizer como o posso enviar e o dia e a que horas passam, para eu não falhar. Bem-hajam, votos de muita saúde para nos alegrar como sempre o têm feito e muito bem e tentem distrair-se o melhor possível. Abraços e bjs para todos.

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