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Reportagem

Indianos na Serra da Estrela temem que o coronavírus lhes tire o “sonho português”

23 mar, 2020 - 23:08 • Liliana Carona

Comunidade imigrante adaptou-se à vida no Interior e está integrada. Patrões elogiam os funcionários vindos de longe e a sua natureza pacífica e tranquila.

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Mais de uma dezena de indianos está, há dois anos, a viver na Serra da Estrela. Uns trabalham no cultivo de maçã e pera, em Pinhanços e Nabais, outros numa fábrica, em Gouveia, que por estes dias recusa fechar portas.

O diretor, antigo militar dos Comandos, garante estar habituado àquilo que considera ser mais uma guerra psicológica. Os indianos recebem o salário mínimo nacional, mais o subsídio de alimentação, o que dá quase 700 euros, além do alojamento garantido. A comunidade de 11 indianos, que no verão quintuplica, só tece elogios aos lusitanos. O grupo teme que a pandemia do coronavírus ponha em causa os seus postos de trabalho.

Ramakrishna Buru tem 36 anos e prefere ser chamado pelo diminutivo Krishna. Sempre sonhou poder trazer a família para Portugal, mas a pandemia trocou-lhe os sonhos. Já tinha viagem marcada, mas os voos estão todos cancelados. Por enquanto, a mulher e dois filhos de 10 anos e sete anos vão ter que ficar por Mumbai, na Índia.

“Eu gostava de ir ter com a minha família, mas está tudo fechado na Índia, nem os meus filhos vão à escola ou fazem exames, todos os voos foram cancelados, por causa do coronavírus”, lamenta Ramakrishna Buru, que não vê a família há dois anos, quando dela se despediu para vir para Portugal.

É na pausa de almoço, na fábrica Alferal, onde trabalha, em Gouveia, que aproveita para viajar até eles ao som da música. “Recordo a minha família quando oiço as músicas, as memórias vêm todas à minha cabeça, não é muito fácil estar aqui sem eles”, lamenta.

Mas porquê Portugal? “Porque o Governo de Portugal dá-nos documentos e bons salários e gostamos da cultura de Portugal, por isso escolhi Portugal”.

Na Índia “não há grandes salários, sei de finanças, marketing, mas eu quero é trabalhar e foi por isso que vim para aqui. Vivo em Nabais. O sonho é trazer a família para Portugal. Mas agora com esta pandemia tenho receio de poder vir a perder o meu trabalho”, assume Krishna.

Aqui ninguém entra em pânico. Palavra de patrão e ex-comando

Luís Castelo Branco, de 59 anos, químico industrial e diretor-geral da empresa Alferal, inaugurada em 2003, recusa fechar portas à fábrica que dá emprego à comunidade de indianos e não só, são 14 pessoas no total que ali trabalham.

O antigo militar dos Comandos apela à calma e serenidade. Não tem medo do coronavírus? “Não, tive formação numa tropa especial que me permite encarar estas situações com serenidade. Temos de encarar isto com alguma calma. Estive nos Comandos nos anos 80. Era furriel, comandava homens, a lição era manter a serenidade e não entrarmos em pânico. Há coisa de um mês compramos gel, 100 mil pares de luvas, 1.500 máscaras, estávamos prevenidos”, garante o responsável.

“Temos compromissos todos os dias para entregar e sigo o que aprendi nos Comandos: a melhor tropa do mundo pode perder uma batalha ou uma guerra se estiver inferiorizada psicologicamente”, garante, acrescentando que foi ativado um plano de contingência, “os cuidados e distâncias a ter, uma sala de contenção” e conclui: “eu diria que se não fosse este caos todo, seria um dia normal”.

A fábrica de Luís Castelo Branco fica situada em Gouveia. Dedica-se ao tratamento de superfícies metálicas, deposição de tinta, lacagem de metais para o setor automóvel e dá emprego a 14 trabalhadores, quatro são indianos. Fazem parte de uma comunidade imigrante de 11 pessoas, que trabalha na agricultura para os mesmos proprietários da Alferal, a empresa Tavfer.

Krishna começou na agricultura e hoje trabalha na fábrica, juntamente com os compatriotas Arul Prashant, 28 anos, Jasbir Singh, 38 anos, e Arman Singh, 24 anos.

Estes últimos não falam nem português nem inglês. É o diretor da fábrica que explica o trabalho do indiano mais jovem: “Arman é o responsável pela pintura das peças, numa linha automática, em que ele retoca manualmente, são luminárias ou candeeiros para os postes de eletricidade”, explica Luís Castelo Branco.

“Portugal is really such a great country”

Krishna tal como os restantes colegas recebe o salário mínimo nacional mais o subsídio de alimentação, num total a rondar os quase 700 euros. Também recebe alojamento, oferecido pelo proprietário da empresa, Tavfer, Nuno Pereira, localizado numa quinta em Nabais.

“Nunca vi uma empresa, ou um empresário assim, não há palavras, é uma ótima pessoa, o ‘Mr. Nuno Pereira’”, elogia o trabalhador indiano.

Krishna explica que, “na Índia, os patrões não apoiam assim os trabalhadores”. “Gosto de Portugal porque é uma boa cultura, gosto de trabalhar em Gouveia, as pessoas ajudam as pessoas de outros países. Trabalhei na Polónia e não é assim. ‘Portugal is really such a great country’ (Portugal é realmente um grande país)”, sublinha.

Nuno Pereira conta que recuperou uma quinta em Nabais, “com quartos climatizados, máquina de lavar, cozinha”, para receber os trabalhadores estrangeiros. O empresário devolve os elogios aos seus funcionários vindos de longe e classifica a comunidade indiana como pacífica e tranquila.

O próximo passo da comunidade indiana nesta empresa é aprender português. “O meu patrão vai-me inscrever na escola aos sábados, quando temos folga”, diz Krishna em inglês enquanto não domina a língua do país de acolhimento.

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