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Escola em casa

Coronavírus. “Ninguém morre de aprender mais a ser gente e menos a fazer fichas”

22 mar, 2020 - 15:00 • Filipe d'Avillez

Trabalhos a mais, computadores a menos. Pais e professores fazem o balanço da primeira semana de escola em casa por causa da pandemia de Covid-19.

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Passou uma semana desde que todas as escolas em Portugal fecharam e os alunos foram para casa, como medida para evitar a propagação do novo coronavírus.

Desde então centenas de milhares de homens e mulheres tentam adaptar-se a uma nova realidade: Serem pais, trabalhadores, professores e donos de casa, tudo ao mesmo tempo, frequentemente em regime de partilha do único computador que existe na casa.

A Renascença pediu a alguns pais e professores que fizessem um balanço desta primeira semana de escola em casa. De ambos os lados reconhece-se que pode haver excesso de trabalho, mas os pais também se mostram gratos pelo esforço dos professores. O tempo, dizem, ajudará a apurar ritmos e rotinas.

Nuno Rocha, professor no Conservatório de Música do Porto, é diretor de turma e reconhece que nesta fase inicial pode ter havido excesso de entusiasmo por parte de alguns colegas.

“Todos mandaram um trabalho. Claro que esse trabalho pode ser mais ou menos longo, disso não tenho bem a noção. Mas eu enviei um trabalho correspondente a uma aula de noventa minutos que eles acabaram por não ter tido.”

Fernanda Viegas, professora de físico-química na Escola Secundária Rodrigues de Freitas, no Porto, diz que está particularmente preocupada com as turmas que vão ter exame, às quais envia mais desafios, mas admite que existe alguma falta de coordenação entre os professores a este respeito.

“Tenho algum receio que estejam a colocar demasiadas tarefas aos alunos e que se torne excessivo. Está a ser difícil também controlar, porque não sabemos muito bem o que se passa com as outras disciplinas dessa turma. Eu pelo menos não tenho tido feedback do restante conselho de turma e às vezes sinto-me a trabalhar um bocadinho isolada. Espero que não seja uma pressão demasiado grande para os alunos.”

Evolução do coronavírus em Portugal

Da parte dos pais, sobretudo os que estão em teletrabalho, esta é uma fase de adaptação que tem revelado alguns desafios complicados. O problema agrava-se quanto mais novos forem os filhos, como explica Mariana Mayer.

“Os meus filhos mais velhos estão completamente autónomos, o colégio implementou um sistema fantástico, eles estão sozinhos no quarto o dia todo e não me chateio com nada. Os mais pequenos precisam muito de mim. Eu mal consigo fazer o meu trabalho. E eu já estou habituada e tenho um trabalho que não é muito complicado”, diz.

“Mas tenho falado com amigas que estão a desesperar. Porque é impossível estar em teletrabalho com uma criança até aos 6 ou 7 anos, muito menos quando são várias”, diz.

Faltam computadores

A principal queixa, porém, é de falta de equipamento informático. “O grande problema que os pais estão a encontrar, pelo menos dois ou três com quem falei, é a questão do computador, porque os pais também estão em casa, também trabalham à distância, precisam do computador e não havendo mais que um na casa, a partilha está a tornar-se difícil”, diz Nuno Rocha.

“Houve um que me disse que só depois das 19h é que o filho podia ir para o computador que era quando ele parava o trabalho”, afirma.

É o caso de Inês Almeida, de Sintra, que tem seis filhos. "As aulas online dos miúdos – e eu tenho três que precisam disto – são por volta das 10h30 e por isso há uns que têm aula e outros que não têm aula. Mas dá para o que dá”, diz.

Apesar das dificuldades, ambas estas mães elogiam o esforço dos professores e das escolas dos filhos. “Foi impressionante a resposta, pelo menos da escola dos meus filhos, mandaram-nos para casa e no dia seguinte já enviavam propostas de trabalho e vídeos e mensagens de força”, diz Inês Almeida.

Mariana Mayer não partilha dos que criticam o volume de trabalho, que para os mais velhos, pelo menos, lhe parece adequado.

“Não podemos esquecer que eles estavam a meio do ano e se não queremos que eles percam a embalagem temos que ter especial paciência. Eu tenho uma no 1.º ano e um no 4.º, são anos importantes e ela ainda não tinha as letras todas aprendidas. O meu objetivo é ensinar com ajuda da professora. E o do 4.º tem que ficar com a matemática e história vem consolidadas senão é uma desgraça para o ano.”

Para outros, o pragmatismo é a regra a seguir. É o caso de Ana Leitão, mãe de três filhos pequenos. “Avisei as professoras – e o meu trabalho também –, que será o que for possível neste ambiente. Mantemos horários, mas nossos, com tempos de estudo, acordar e deitar, refeições e banhos, claro, e tentamos ter um momento de descontração todos os dias e uma brincadeira deles com os pais. Já é esforço suficiente.”

“Como tenho alguns livros de exercícios e manuais deles é o máximo em papel. Quando é possível usam o computador. Mas este é um tempo de aprenderem competências diferentes, e ninguém vai morrer de aprender mais a ser a gente e menos a fazer fichas”, diz.

Naturalmente, quanto mais filhos houver em casa, maior a dificuldade. A Associação Portuguesa das Famílias Numerosas lamenta que estas não tenham sido contempladas nos decretos nesta fase de estado de emergência, mas diz que esta fase também tem de ser aproveitada como momento educacional.

Não interessa só aprender a ler e a escrever. Isto é história, que vão poder, mais à frente, perceber. Os pais poderem viver esta fase com alguma serenidade e alegria faz toda a diferença. Mas certamente que o exagero de trabalhos não traz paz para poder tirar coisas deste momento, que existem, obviamente.”

Com Portugal a entrar na segunda semana de aprendizagem em casa, a esperança é a de que crianças, professores e pais se adaptem rapidamente a esta nova realidade.

Comentários
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  • Nunca estão
    22 mar, 2020 satisfeitos 20:07
    Se não fizessem nada, os professores eram uns oportunistas que aproveitaram logo para ter um mês de férias. Se fazem o seu trabalho, é porque marcam trabalhos a mais. Vá lá ser-se prior desta freguesia

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