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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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​Recordações de um recolher obrigatório

21 mar, 2020 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


Em 1975 houve na região de Lisboa um recolher obrigatório. Foi uma situação muito diferente da que estamos hoje a viver em todo o país. Mas houve então fortes tensões, sobretudo pelo receio de uma guerra civil.

No dia 25 de novembro de 1975 Portugal esteve na iminência de uma guerra civil. O essencial jogava-se entre militares. De um lado estavam os militares próximos da extrema-esquerda, do outro os militares que queriam uma democracia de tipo ocidental. Estes últimos eram operacionalmente chefiados por Ramalho Eanes e conseguiram vencer o confronto sem guerra civil.

Mas houve a lamentar a morte de três militares, no dia seguinte, 26 de novembro. Os Comandos da Amadora cercaram as instalações da Polícia Militar em Lisboa, na Ajuda, ocupadas pelos revoltosos. Do tiroteio resultou a morte de dois comandos e um polícia militar.

Não havia ainda Constituição, que só seria votada em 1976. Foi declarado o estado de sítio na região de Lisboa, que durou uma semana. Essa situação implicava o recolher obrigatório à noite – só se podia circular com um salvo conduto. Portanto, ninguém era obrigado a estar em casa, excepto à noite. Era uma situação muito diferente da que estamos hoje a viver em todo o país.

Agora estou confinado a não sair de casa. Em 1975 deu-se o inverso: tive que sair, com toda a família, desta mesma casa. É que moro perto do Forte do Alto do Duque, onde nessa altura estava o Copcon de Otelo Saraiva de Carvalho, que se aproximara muito da extrema esquerda. Alertaram-me para o perigo de o Forte vir a ser bombardeado por aviões militares, correndo perigo de a minha casa ser atingida. Tivemos de ir para uma casa em Cascais, de cunhados meus.

Não havia internet, por isso não existia o teletrabalho. Eu era jornalista no semanário “O Jornal”, de que era um dos fundadores. Para trabalhar à noite na redação tinha comigo um salvo conduto, que mostrava aos militares que me abordavam. Nessa altura, e desde o 25 de abril, a PSP e a GNR adoptaram um perfil muito discreto – quem patrulhava as ruas eram as Forças Armadas.

Dois dias depois do 25 de novembro a Rádio Renascença foi devolvida à Igreja Católica, depois de ter sido ocupada durante meses por elementos da extrema esquerda. Televisões, só havia uma, a RTP.

O 25 de novembro pôs fim ao chamado PREC, processo revolucionário em curso. O ano de 1975 foi muito tenso, sobretudo por causa da possibilidade de uma guerra civil. Mesmo depois dessa vitória dos militares moderados, só com a entrada de Portugal na então CEE (Comunidade Económica Europeia), no início de 1986, a democracia estabilizou no país e desapareceram os boatos de golpes e intentonas militares.

Comentários
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  • César Saraiva
    21 mar, 2020 Maia 16:39
    Excelente! Recordação histórica para comparar e avaliar...