Emissão Renascença | Ouvir Online
Graça Franco
Opinião de Graça Franco
A+ / A-

Se suspeitar de Covid-19 ligue para o SNS24. Se for do David ligue já para o 112

19 mar, 2020 • Opinião de Graça Franco


Neste primeiro dia de estado de emergência, vejo uma notícia rápida de mais uma mulher assassinada pelo marido. O coronavírus é altamente contagioso e nem sempre letal. A violência doméstica é altamente silenciosa e muitas vezes fatal.

Veja mais:


No meio da maré do vírus, vejo uma notícia rápida de mais uma mulher assassinada pelo marido em Oliveira do Hospital. Ainda no primeiro dia do estado de emergência. Faço contas de cabeça. Quantas serão no final? Daqui a semanas,ou meses, a viver 24 sobre 24 horas em espaços confinados com os agressores de toda a vida, em tortura permanente e sem testemunhas? O Covid é altamente contagioso e nem sempre letal, a violência doméstica é altamente silenciosa e muitas vezes fatal.Para combater o primeiro estamos todos assustados e mobilizados. Para combater o segundo vírus estamos todos anestesiados. Pare e pense nos dois: e se fosse consigo?

Arrisco uma sugestão. Em vez daquele anúncio bem intencionado com que me cruzei, algures entre notícias, e que alertava as vítimas de violência doméstica para os riscos acrescidos que iriam correr em caso de isolamento prolongado em co-habitação com os agressores -- criando uma nova linha telefónica de apoio e aconselhando-as a pôr em prática estratégias que passavam, por exemplo, e cito de memória, por combinar com os vizinhos “sinais à janela” alertando-os para crise doméstica -- porque não fazer uma grande campanha de sensibilização para pôr termo a estas situações igualmente pandémicas?

Assim, em vez daquela conversa de “Veja se consegue ficar em segurança junto de amigos ou familiares” e em vez de se criar mais números ou elencar os habituais ( APAV, SOS Criança...), sempre a terminar com aquele terrível “se se sentir em risco de vida – ligue o 112”, fazia-se uma campanha diferente, capaz de isolar o vírus e permitir evitar a morte da vítima, preservando do contágio o restante agregado.

Aliás, toda a gente sabe que quando se está em risco de vida já não se tem o telemóvel à mão nem tempo para marcar nem o 808….. nem mesmo o 112, porque as facas da cozinha já fugiram das cozinhas, as pistolas das gavetas e as caçadeiras dos armários. Além disso, a morte chega em maior cilindrada do que os carros da polícia.

Na pandemia de Covid-19, começa por se alertar para o risco de infeção e termina-se a ensinar a lavar as mãos. Aqui talvez se pudesse começar por lembrar que a violência doméstica não é uma doença crónica/silenciosa/incurável. Pelo contrário, a melhor forma de a combater é assumir a situação e denunciar o agente portador do vírus -- se possível, internando-o compulsivamente numa prisão perto de si.

Antes disso é preciso assumir que se trata de uma epidemia que deve ser combatida por todos e que de nada serve a uma pessoa sobreviver ao coronavírus para morrer às mãos de um David qualquer. Seja ele na versão de José, Martim, ou outro nome qualquer e esteja ele na situação de pai, filho, marido, companheiro, namorado ou ex-qualquer destas coisas.

Assim podia virar-se o anúncio ao contrário e passar a ser, por exemplo: se vive uma situação de violência doméstica, esporádica ou continuada, mesmo nunca sinalizada junto das autoridades, nem confessada aos amigos mais próximos, vizinhos ou familiares, lembre-se que o Estado de Emergência, forçando ao isolamento prolongado com o agressor e beneficiando, este, da ausência de testemunhas, pode colocar qualquer um muito provavelmente em risco de vida.

Não deixe que isso aconteça. A violência doméstica tem remédio. Ponha fim à doença. Ligue quanto antes para o 112. Sinalize o seu caso e será imediatamente socorrida(o). Nós ajudaremos a pôr em marcha o processo de cura. Chegaremos aí com a maior rapidez e velaremos pela segurança dos seus dependentes. Terá a proteção das autoridades e toda a sua família ficará em segurança. Isto se quisermos mesmo acabar com o fenómeno e a ministra do pelouro tiver força suficiente para reclamar mais uns trocos no próximo Orçamento rectificativo. Mudar a cumplicidade cultural é o mais difícil.

Centeno já está preparado para alterações que se medem em muitos mil milhões, mais 500 menos 500 vai ser indiferente. É a altura ideal. Até se poupa em campanhas: se tiver sintomas de Covid-19 ligue para a Saúde 24, se tiver um histórico de violência doméstica lembre-se que está entre os grupos de alto risco e ligue imediatamente para o 112. Juntos vamos sobreviver às duas epidemias. É desta.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.