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Reportagem

Um ano depois do ciclone Idai, empresários portugueses ainda esperam ajuda do Governo

18 mar, 2020 - 12:59 • João Cunha

A Renascença foi tentar perceber como está a região de Sofala, em Moçambique, a mais atingida pelo ciclone Idai. Saber onde chegaram as toneladas de ajuda humanitária enviadas por vários países, entre eles Portugal, que ficaram guardadas em grandes armazéns junto ao aeroporto da Beira.

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Empresários portugueses na Beira, em Moçambique, afetados pelo ciclone Idai, queixam-se de que ajudas prometidas pelo Governo português não chegaram.

Um ano depois, a Renascença quis tentar perceber como está a região de Sofala, a mais atingida pelo ciclone Idai. Saber onde chegaram as toneladas de ajuda humanitária enviadas por vários países, entre eles Portugal, que ficaram guardadas em grandes armazéns junto ao aeroporto da Beira.

Para onde foram encaminhados os medicamentos e material hospitalar. E que ajuda foi dada aos portugueses ali radicados, que em alguns casos, perderam praticamente tudo. Portugueses a quem foi prometida ajuda do estado português, mas que até agora, nada receberam.

Já se consegue, há muito, chegar a Buzi por estrada. São horas de viagem, rio acima, a partir da Beira, para depois voltar a descer, pela outra margem, até ao local que foi mais afetado pelo ciclone.

Buzi foi varrida do mapa, mas ali chegaram os medicamentos e a comida, levados sobretudo pelos helicópteros do Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas. Um ano depois, aos poucos, a reconstrução avança.

“Alguns sim, tiveram alguns benefícios para poder viver. O governo fez algumas casinhas para eles viverem. Especialmente aqueles que sofreram em Buzi”

José Mochina, um taxista da Beira, adianta que “agora está mais ou menos. Já se recuperou muita coisa. Nas comunicações, já melhorámos. A própria cidade já melhorou, mais ou menos”. Está diferente do que estava, garante este natural da Beira, que há um ano, para dar o exemplo de como tinha sido a cidade fustigada, dizia que antes do ciclone, o areal era bastante maior do que a pequena língua de areia que então separava a marginal, junto ao Clube Náutico, da água.

Mas desengane-se quem pensa que só na zona costeira o ciclone fez estragos. A centenas de quilómetros de distância, em Dombe, também foram graves as consequências. Carlos Almeida, da organização não governamental Helpo, adianta que foi mais pela chuva, do que propriamente pelos ventos.

“Os ventos ciclónicos ali não tiveram grande influência. Foi sobretudo as chuvas. Os rios que passam na zona de Dombe – o Mussapa e o Mucipe – tiveram uma cheia que teve consequências devastadoras.”

Carlos Almeida lembra que largas centenas de pessoas perderam as vidas, porque a meio da noite, as chuvas fizeram crescer os leitos dos rios e as pessoas que moravam nas zonas baixas foram muito afetadas.

Houve situações dramáticas. “Tivemos relatórios na altura de pessoas que ficaram três dias em cima das árvores, com as suas famílias, que amarravam os filhos à sua cintura para poderem sobreviver”.

A Beira, cidade cansada pelo tempo, foi bastante fustigada pelo ciclone. Nos bairros periféricos, sobretudo, ainda há zonas alagadas, mas notam-se algumas melhorias.

Passado um ano, “aquilo que se vê é uma cidade onde se nota que a reconstrução está a andar para a frente”, diz Carlos Almeida, que ainda recentemente esteve na Beira. E por isso, acredita que está a ser feito um bom trabalho. “Talvez não á velocidade que se desejaria, mas

está-se a caminhar com efeitos positivos.

Ouviu – como tantos outros - falar de casos de roubos de produtos enviados pela ajuda internacional. Alimentos e medicamentos que apareceram mais tarde à venda em algumas lojas e mercados da Beira.

“Isso é o lado negro de uma calamidade destas”.

Um lado que também chegou ao conhecimento de Amadeu Lopes, que está radicado na Beira há já alguns anos. Gere um restaurante no centro da cidade e aquando do Idai, sentiu a obrigação de ajudar os mais de vinte funcionários que, devido ao ciclone, perderam tudo.

Para Amadeu, pouco ou nada mudou, num ano. E o que mudou foi com a ajuda dos portugueses

“A única coisa em que houve melhorias foi aquela que os portugueses fizeram obras diretamente, como no caso do Hospital Central da Beira, com a coordenação do Hospital de São João, do Santo António e de Coimbra, que deram ajuda e reabriram. Tudo o que foi da administração direta dos portugueses vê-se”, sublinha este português.

Um outro, Gonçalo Lopes – que está há mais de duas décadas em Moçambique, desenvolve vários negócios na região da Beira que, há um ano, foram bastante afetados pelo Idai. Mas aos poucos, lá começou a reerguer a cabeça.

“Podemos considerar que 70% dos estragos foram recuperados, sim. Isto em termos de infraestruturas possíveis de recuperar.”

Para além da percentagem, o que falta para completar a recuperação é o capital.

A este propósito, recorda as promessas que foram feitas na altura aos portugueses e que não foram cumpridas. Houve governantes portugueses na Beira, em encontros com a comunidade portuguesa, que se queixou quase de abandono da parte do estado português. Governantes que prometeram apoios. Mas garante Gonçalo Lopes, eram só para empresas com capitais portugueses.

“Em termos empresariais, foram prometidas ajudas económicas para negócios e empresas com acionistas de nacionalidade portuguesa. Não existe qualquer ajuda para empresários portugueses que não sejam através de uma empresa portuguesa”.

Para os portugueses radicados em Moçambique, com negócios em várias áreas, como agricultura e hotelaria, não houve ajudas.

Situação diferente à verificada com naturais de outros países, afetados pelo ciclone – e também eles emigrados há décadas em Moçambique.

“A experiência que tenho em termos de outros países da União Europeia com cidadãos aqui no estrangeiro, a situação não funciona assim. Os estrangeiros de outros países têm esses benefícios. Os de Portugal estão muito desapoiados nessa área.”

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