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“A boa vontade vai acabar” e o Governo precisa do estado de emergência

17 mar, 2020 - 12:23 • Marina Pimentel

"É preciso perceber que a declaração do estado de emergência não é uma munição. É uma prevenção”, diz o constitucionalista Bacelar Gouveia.

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Para Bacelar Gouveia o estado de emergência deve ser declarado o quanto antes. À Renascença, o professor de Direito Constitucional defende que a boa vontade das pessoas que estão de quarentena voluntariamente pode acabar com o passar do tempo.

Neste momento, o Governo não tem base legal para obrigar as pessoas a fazer a quarentena, para requisitar bens ou para obrigar alguém a fazer serviços de emergência”, lembra o constitucionalista. “Por enquanto, aceitem prescindir voluntariamente de alguns dos seus direitos fundamentais”, mas com o passar do tempo, “a boa vontade vai acabar”. Nessa altura, para impor a quarentena, por exemplo, não chegará ao Governo ter uma lei de bases da saúde que prevê o estado de alerta e uma lei de bases da proteção civil que prevê estado de calamidade pública. “É preciso mais.”

Nesta entrevista, Bacelar Gouveia diz não perceber o receio da classe política em decretar o estado de emergência, para não assustar as pessoas. “É curioso que sejam os cidadãos neste momento a pedir, num certo sentido acordaram mais cedo para o problema do que a classe política. É preciso perceber que a declaração do estado de emergência não é uma munição. É uma prevenção”, defende o constitucionalista que fez a sua tese de doutoramento sobre o estado de exceção, tendo tido curiosamente como arguente Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente que agora o vai decretar. Bacelar Gouveia diz que quando defendeu a sua tese, “nunca poderia imaginar que 22 anos depois estaríamos na iminência da declaração do estado de emergência.”

Sobre a convocação do Conselho de Estado para amanhã, Jorge Bacelar Gouveia lembra que “o Presidente da República tem em matéria de estado de emergência um poder discricionário, mas faz bem em ouvir o seu órgão de aconselhamento”.

A declaração de estado de emergência não terá mais de quatro ou cinco artigos. Além da fundamentação do regime e do tempo de duração (15 dias que podem ir sendo sistematicamente renovados), o aspeto mais importante é o elenco dos direitos fundamentais que podem ser postos em suspenso. “Não estamos só a falar do direito à livre circulação dentro do país e para o exterior. Estamos a falar de outros direitos na área económica que vão permitir ao governo interferir na atividade económica, mandando fechar lojas ou obrigando as empresas a produzirem determinados bens e serviços.”

A inviolabilidade do domicílio é outros dos direitos fundamentais que pode ser posto em causa se as autoridades de saúde decidirem ir buscar a casa alguém que recusa tratar-se e é um foco de contaminação. O constitucionalista entente que” o direito à propriedade privada pode ser um dos direitos mais lesados no período em que o país estiver em estado de emergência.”

Antevê que a suspensão ou limitação de alguns direitos fundamentais vai criar fatores de tensão. “E são inevitáveis os litígios”. O professor de Direito Constitucional lembra que a desobediência às determinações do Governo, durante o estado de emergência é crime de desobediência que pode dar até um ano de cadeia.

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