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Como o coronavírus mexe com a nossa cabeça

06 mar, 2020 - 06:46 • João Carlos Malta

O bastonário da Ordem dos Psicólogos ajuda a perceber quais os efeitos psicológicos que um surto epidémico pode ter. Saiba como pode lidar com o stress de um possível isolamento e o que leva a que embarquemos em narrativas fantasiosas que disseminam o medo.

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A corrida às máscaras com medo que não haja para venda no pico da crise, o evitar restaurantes e lojas chinesas, ou os mitos que se criaram à volta da doença. O coronavírus afeta o corpo, mas também a mente sofre quando uma epidemia ameaça cada um de nós e os que nos são mais próximos. “É natural que possa ter algum efeito nomeadamente em termos de ansiedade e de stress”, diz à Renascença o Bastonário da Ordem dos Psicólogos, Francisco Miranda Rodrigues.

Este especialista ajuda a identificar as fontes de angústia e como podemos ler melhor o que se passa à nossa volta, numa altura em que a informação é muita, muitas vezes não confirmada, e em outras tantas aponta em sentidos contraditórios.

O que fazer com tanta informação sobre coronavírus?

Nos noticiários de telejornal multiplicam-se as reportagens sobre a doença. Longos minutos sempre sobre o mesmo tema. As informações, muitas vezes, mudam em pouco tempo. Algo que gera ansiedade, na opinião de Miranda Rodrigues.

“Temos uma capacidade limitada de gerir a quantidade de informação. Quanto mais informação tivermos, mais pode dificultar a sua compreensão. É contraproducente”, analisa o bastonário.

Mais notícias, neste caso, pode significar menos informação efetiva. “Não fazemos sempre leituras racionais. E quanto maior for a quantidade de notícias, mais fazemos leituras na diagonal, mais automáticas, e que não são muito refletidas. Daí resultam certos mecanismos psicológicos que todos nós utilizamos no dia-a-dia e nos podem enganar”, reflete.

Na opinião deste especialista a quantidade de informação ajuda a empolar uma situação que neste momento não tem ainda uma dimensão que justifique a cobertura noticiosa que está a ser feita.

Qual a origem da angústia, nestes casos?

Segundo o bastonário da Ordem dos Psicólogos “somos seres que temos a necessidade de sentir controlo sobre as situações”, senão começamos “a ter ansiedade e stress”, que podem chegar “a situações de desconforto”.

Por isso, às vezes, atribuímos um significado ao que está a acontecer que ajuda a reduzir essa tensão. Isso pode passar por “um enviesamento de otimismo” porque tendemos “a querer reduzir o nosso desconforto causado pelo stress da situação e desvalorizamo-la”.

Porque é que construímos mitos e teorias da conspiração?

A informação está a ser permanentemente atualizada, senão ao minuto pelo menos de hora a hora. “É preciso termos consciência que estamos num momento em que a informação que hoje existe, amanhã não é a mais correta de acordo com a evidência científica, e isso não tem a ver com a incompetência de ninguém, mas com o normal funcionamento e evolução do nosso conhecimento que é completamente novo”, explica o especialista.

Mas quando não temos toda a narrativa, ou não percebemos tudo o que nos rodeia, “preenchemos esse espaço com teorias, às vezes até teorias da conspiração”. “Ah, isto foi criado para criar um negócio que favorece este ou aquele. Preenchemos as lacunas de informação para nos sentirmos mais confortáveis”, admite.

Os portugueses estão em pânico?

Segundo Francisco Miranda Rodrigues, os portugueses têm tido um comportamento genericamente adequado e cooperante, “muito cooperante até em muitos casos”.

O psicólogo defende que as pessoas quando estão perante crises, situações de catástrofe, ou episódios de emergência, “o pânico não é a reação mais comum”.

“O mais normal é ajudar aqueles com que temos relações de vinculação. Até podemos aproximarmo-nos mais do perigo e violar certas regras, que nos põem em risco, porque queremos estar próximos de quem gostamos”, avança.

Qual o processo mental que leva a que as máscaras desaperecessem das farmácias?

E de repente, as máscaras desapareceram das farmácias portuguesas. O psicólogo atribui o fenómeno à tentativa “de reduzir o stress que sentem pela possibilidade de ficarem isoladas”, “de ficar de quarentena”, e “não ter acesso a coisas que necessitam”.

Há risco de deprimir?

O bastonário da Ordem dos Psicólogos, Miranda Rodrigues, explica que se as pessoas ficarem isoladas durante muito tempo, a questão do isolamento passa a ser um risco, e quanto mais tempo isso suceder maior será o perigo.

“As pessoas podem sentir alguns quadros de tristeza, de insatisfação, de desconforto, de preocupação. Mas isso é normal. Essa talvez seja a principal mensagem se as pessoas começarem a senti-lo”, avisa, reiterando que tristeza e depressão não são a mesma coisa.

Porque se discriminam asiáticos?

O especialista atribui esse comportamento à falta de informação, ou a notícias falsas.

“Não há necessidade de comportamentos desse género porque eles não são protetores de nada”, começa por evidenciar.

“Se a pessoa quer traduzir os seus desconfortos com base em evitar este tipo de locais, ou pessoas que vêm de um determinado país, o que estão a fazer não se traduz em nada que ajude na sua proteção”, reforça.

Como podemos lidar com o stress?

Francisco Miranda Rodrigues repete as recomendações da Organização Mundial de Saúde.

“Falar com pessoas em quem confie e possam ajudar, e contate os seus amigos e familiares. Durante uma crise é normal que se possa sentir triste, ansioso, assustado ou zangado”, remata.

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