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Coronavírus. Doentes "furam" quarentena e colocam centenas em risco em unidades de saúde

11 mar, 2020 - 14:39 • Inês Rocha

Depois de irem para as urgências com sintomas e sem avisar que tinham estado numa zona de risco, dois suspeitos de coronavírus ignoraram as recomendações da DGS e deslocaram-se a um centro de saúde. Casos destes repetem-se em todo o país, denunciam profissionais de saúde. São agravados pela falta de resposta das linhas SNS 24 e de apoio ao médico. O que não deve fazer se desconfiar que tem coronavírus.

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Dois doentes suspeitos de estarem infetados com coronavírus colocaram em risco centenas de pessoas ao irem à urgência do hospital de São José e depois a um centro saúde de Lisboa, quando já tinham ordem de quarentena por parte das autoridades de saúde.

Este é um exemplo dos vários casos que têm inundado os hospitais nos últimos dias, apesar de todas as recomendações da Direção Geral de Saúde no sentido contrário.

Maria João Tiago, médica de família num centro de saúde da Grande Lisboa e dirigente do Sindicato Independente dos Médicos, conta à Renascença o caso que testemunhou – duas pessoas que viajaram para Itália, para a zona de risco, de 20 a 26 de fevereiro.


"A 28 de fevereiro, iniciaram queixas de tosse e dor no peito e dirigiram-se diretamente à urgência do hospital de São José. Nunca mencionaram o facto de que vinham de Itália e só posteriormente os colegas se aperceberam e desencadearam todo o processo”, conta a médica.

“Na altura contactaram a linha, não lhes validaram o caso para fazer o respetivo teste, mas foi mandado que ficassem em quarentena durante 14 dias”, conta a médica.

Maria João Tiago diz que ambos os doentes tinham um sintoma e um critério epidemiológico (terem estado em zona de risco), pelo que não sabe o porquê de o caso não ter sido validado – só a Linha de Apoio ao Médico teria todos os dados para tomar a decisão.

Dias depois, os doentes voltaram a quebrar as ordens das autoridades de saúde, desta vez ao “furar” a quarentena e ao deslocar-se ao centro de saúde, para pedir uma baixa médica.

Foi aqui que Maria João Tiago entrou em cena: a médica foi informada pela administrativa do local onde trabalha, por carta, de que estariam dois casos suspeitos no centro de saúde.

“Li a carta e, perante a situação, acionei o plano contingência que nós já tínhamos feito, porque não havia plano nacional”, conta à Renascença.

A médica colocou-os na “sala de isolamento” disponível – uma casa de banho.

“Contactei sempre os doentes por telefone, estavam estáveis”.

Durante o tempo em que os doentes estiveram na casa de banho, Maria João Tiago ligou insistentemente para a Linha de Apoio ao Médico – mas nunca teve resposta.

“Atendia sempre um enfermeiro, que dizia que o médico me ia contactar”.

Passadas algumas horas, sem ter qualquer resposta, “os doentes fartaram-se e foram para casa”, conta a médica.

“Não os podia obrigar a ficar no centro de saúde”, diz.

Maria João diz ter procedido à identificação de todos os doentes que estavam na sala de espera e aconselhou-os a ligar para a linha SNS 24. Agora, mais de uma semana depois do primeiro contacto, diz nunca ter recebido o tal contacto do médico de serviço na linha de apoio ao médico. Não sabe se os doentes estariam infetados e se, por isso, infetaram alguém no centro onde trabalha.

Este não é um caso único. Maria João conta um caso semelhante de uma outra colega que, esta segunda-feira, esteve cinco horas à espera que a sua chamada fosse transferida para o médico, sem sucesso. O doente em questão também foi para casa aguardar novidades.

Ordem apela a reforço da Linha de Apoio ao Médico

Esta segunda-feira, segundo dados do portal da transparência, a linha SNS 24 atendeu apenas 40% das chamadas recebidas (10.940 de 27.679 chamadas recebidas).

“Damos recomendação de ligar para uma linha e ela não dá resposta, as pessoas optam por ir ao centro de saúde, ao hospital”, critica Nuno Rodrigues, especialista em Saúde Pública e dirigente do Sindicato Independente dos Médicos.

Mas, segundo o médico, nenhuma alternativa está a funcionar. “Na sexta-feira disseram às pessoas para não ligarem tanto para o SNS 24, para irem ao site tirar dúvidas. Ontem o site da DGS também estava em baixo”, denuncia.

“Compreendo em parte as pessoas, mas se estiverem com sintomas graves a urgência não é o local apropriado para elas. Devem continuar a tentar. Tem de haver uma maior resposta na linha de atendimento”, considera o especialista.

Quanto à Linha de Apoio ao Médico, não há dados disponíveis, mas há relatos de muitos médicos, que se queixam de ligar dezenas de vezes, sem obter qualquer resposta.

Esta terça-feira, a Ordem dos Médicos fez um apelo a que mais médicos se disponibilizem a reforçar a Linha de Apoio ao Médico, responsável por decidir se é necessário a pessoa ser avaliada clinicamente numa unidade de saúde.

“Cumpram as quarentenas”. Ou seja, “fiquem no quarto”

Nuno Rodrigues apela a todos os portugueses que tenham estado em contacto direto com casos confirmados de coronavírus que “cumpram as quarentenas”.

“Quando está em isolamento profilático, a pessoa deve abster-se de contactar mesmo com os restantes habitantes da sua residência”, alerta o médico. “Deve permanecer no quarto, os restantes fornecerão a comida, durante o período indicado pelas autoridades”.

Esta semana, a junta de Freguesia de Idães, Felgueiras, onde mais de uma dezena de pessoas estão infetadas, apelou aos residentes que cumpram as quarentenas, já que haverá casos de pessoas na freguesia “a circular como se nada se passasse”, mesmo depois de terem sido obrigadas a ficar em isolamento profilático.

“As pessoas até se podem estar a sentir bem, mas aparentemente pode haver possibilidade de estarem a transmitir”, lembra. “Este é um vírus novo, não se sabe totalmente como são as vias de transmissão e o período de incubação”, diz o médico Nuno Rodrigues.

Maria João Tiago lembra que, quando os doentes vão ao centro de saúde ou à urgência de um hospital, “estão a por em risco muitas pessoas, além dos profissionais de saúde que poderão fazer falta numa fase para tratar os doentes”.

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  • Paulo Cunha
    31 mar, 2020 Lisboa 11:23
    Atendo publico e assustado com uma tosse persistente que teimava em não desaparecer decidi seguir as recomendações e ligar para a linha SNS 24, a médica que me atendeu na linha SNS 24 fez-me uma consulta de Medicina on-line e colocou-me em isolamento profilatico dentro da habitação, não posso ir trabalhar,não posso ir as compras, tenho mesmo de fazer isolamento até dos familiares que vivem comigo na mesma habitação. Soube agora pelo Centro de Saude que tenho direito ao pagamento de uma baixa medica de 55% do valor da remuneração e não dos 100% anunciados pelos canais de noticias pelo facto de que tenho sintomas da doença Covid-19, seja qual for o resultado do teste ao Covid-19. Dado a ineficiência e morosidade de todo o processo compreendo bem a atitude de alguns utentes. Já é difícil viver com um ordenado mínimo quanto mais com 55% desse mesmo ordenado. PC Lisboa
  • Antonio Costa
    11 mar, 2020 21:51
    É mal feito mas pelo que entendo tentaram arranjar tratamento, se disserem que vieram de zona de risco ninguém os trata manda para casa e é tudo. Assim não funciona assim ninguém diz nada querem é que os tratem

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