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Reportagem

Coronavírus está a esvaziar Felgueiras, a "pequena Milão" do Norte de Portugal

09 mar, 2020 - 20:11 • Inês Rocha

As ruas de Idães, concelho de Felgueiras, estão cada vez mais vazias e os serviços vão fechando, um por um. Os comerciantes estão preocupados e a indústria do calçado, da qual depende 90% da população, começa a ressentir-se.

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Na freguesia de Idães, concelho de Felgueiras, as ruas estão silenciosas. Tirando meia dúzia de populares, que vão comentando o tema do momento em bancos de jardim, há pouco movimento na vila.

Com 15 casos confirmados de coronavírus, este é o maior foco de infeção em Portugal - ainda que nem todos residam nesta freguesia, ressalva Palmira Faria, presidente da junta de freguesia. No entanto, logo ali ao lado está a fábrica de calçado Fego-Fla, em Barrosas, entretanto encerrada, após um dos trabalhadores ter sido diagnosticado com coronavírus. O homem esteve na Micam, feira do setor, em Milão, e terá contagiado vários outros pacientes.

No centro da vila, além do encerramento de serviços públicos anunciado pela autarquia, há vários estabelecimentos fechados, desde mini-mercados a cafés e restaurantes. Muitas casas têm carros particulares à porta, a denunciar a presença da população, que evita contacto social.

Palmira Faria, presidente da Junta de Freguesia de Idães, diz que a população está a “começar a acautelar-se” e a fazer aquilo “que não se fez há uma semana”.

“Já não há tantas pessoas na rua, estão-se a recolher”, diz à Renascença, recordando que, este sábado, ao contrário do costume, os cafés não se encheram para ver os jogos de futebol.

Ainda assim, nos últimos dias os cuidados terão sido poucos. No café, atiram-se críticas aos pacientes que transmitiram o coronavírus na zona.

“Deviam ficar em casa e não ficam, vão para os cafés. E podem contaminar outros”, diz um popular.

A presidente da junta confessa ouvir muitas críticas à falta de cuidado dos primeiros pacientes, que continuaram a sua vida normalmente, mesmo depois de terem estado num local de risco.

“Tenho conhecimento de que algumas pessoas não estarão muito contentes com a situação, porque acham que deveria ter acatado algumas instruções, como a de mencionar que teriam estado nos ditos locais de perigo.”

“Governo ajuda os grandes. sabemos que não vai haver apoio

Apesar de tudo, há quem ainda abra portas. É o caso de Eugénio Ferreira, proprietário da Tasca Pera, no centro da vila.

Eugénio abriu o estabelecimento há apenas um ano. Antes, trabalhou no setor do calçado durante 40 anos - como quase toda a freguesia, aliás.

Agora, a falta de clientes e a preocupação com a propagação do vírus levam-no a equacionar fechar.

“Se isto continuar a alastrar e for mais gente para o hospital, vou ter de fechar uns dias. O pessoal começa a ter medo de vir”, diz à Renascença.

Sobre as possíveis consequências, Eugénio está preparado para as aguentar. “O Governo só ajuda os grandes. De resto, já sabemos que não vai haver apoio nenhum. O Governo dá a quem tem. Quem não tem, tem de fazer por isso”, desabafa.

“Aqui as firmas pequeninas é que vão padecer todas. As grandes estão sempre bem”, afirma.

José Faria colocou à janela um aviso: o restaurante vai encerrar desde 10 a 28 de março. O proprietário do restaurante Faria, em Idães, diz que já planeava fechar por motivos pessoais, mas vai alargar o encerramento.

“O ambiente está mau. Não se vê ninguém, o negócio é um bocado afetado. Está tudo com medo.”

O paciente que foi diagnosticado com coronavírus na Fábrica Fego-Fla é cliente habitual aqui, com a mulher e os filhos. Ainda assim, José diz não ter sido afetado. “Ele há dois fins de semana que não aparece”, garante à Renascença.

Pais faltam ao trabalho para ficar com os filhos

Com todas as escolas encerradas, abre-se um novo problema na região: muitos encarregados de educação são obrigados a faltar aos empregos.

Questionado pelos jornalistas sobre o assunto, numa conferência de imprensa em Felgueiras, o presidente da Câmara Municipal de Lousada admitiu que “nem todos os pais têm retaguarda familiar para que alguém possa ficar em casa a cuidar das crianças” e garantiu que iria conversar com o governo e as autoridades de saúde sobre o assunto.

Entretanto, a presidente da Junta de Freguesia de Idães dá uma solução aos habitantes da freguesia: devem dirigir-se a um centro de saúde para pedir uma baixa médica. No entanto, Palmira lembra que devem evitar ir em grupos. Diz também que ainda aguarda informações sobre a remuneração nestes casos.

Uma "bola de neve" preocupante para a “pequena Milãoportuguesa

A presidente da Junta de Freguesia de Idães descreve a sua freguesia como uma “pequena Milão” em Portugal.

“Aqui, 90% da população trabalha na indústria de calçado, vivemos praticamente todos do mesmo”, afirma. Por isso, Palmira prevê uma “bola de neve” muito negativa para a economia da região.

“Não sai produção, as encomendas não saem, alguns funcionários não aparecem porque estão com as crianças; se o operário não tem o seu ganha pão, também não vai conseguir pagar outras coisas. Não havendo consumo, as pessoas vão começar a ter prejuízos”, alerta.

A dirigente alerta o governo: “Temos de tratar da situação o quanto antes, para que as coisas comecem a funcionar".

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