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II Guerra Mundial

Arquivos do Vaticano relativos a Pio XII já estão disponíveis

02 mar, 2020 - 07:01 • Filipe d'Avillez

O historiador Paulo Fontes fala num contributo importante para a história da época e rejeita qualquer sugestão de que o Vaticano esteja a esconder documentação.

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Os arquivos do Vaticano relativos ao pontificado de Pio XII estão disponíveis a partir desta segunda-feira para serem consultados por historiadores e investigadores credenciados.

Trata-se de uma promessa feita há muito tempo pela Santa Sé, mais especificamente pelo arquivo que é dirigido agora pelo cardeal português D. José Tolentino de Mendonça.

Paulo Fontes, do Centro de Estudos de História Religiosa, da Universidade Católica Portuguesa, fala num contributo importante para compreender melhor uma fase crucial da história da Europa e do mundo.

“A abertura de arquivos e o acesso e disponibilização de documentação à comunidade científica, aos investigadores em geral, e particularmente neste caso no campo da história, é sempre um contributo importante no avanço do conhecimento sobre uma determinada época, uma determinada instituição ou figura histórica.”

“No caso dos arquivos relativos a Pio XII, concretamente, têm um particular significado, na medida em que é um pontificado bastante largo, é um pontificado que corresponde a vários períodos históricos bastante significativos, nomeadamente ao período da II Guerra Mundial e antes disso mesmo à ascensão dos regimes fascista, nazi, do desenvolvimento do Estalinismo, também, e portanto o confronto das sociedades em geral, no mundo europeu e para além dele, com uma realidade estatolátrica, ditatorial, onde o poder totalitário dos Estados se afirmava”, explica o historiador.

O Papa Pio XII tem estado no centro de alguma controvérsia nas últimas décadas, havendo quem o acusa de não ter feito o suficiente para condenar os regimes totalitários e a perseguição aos judeus pelos nazis. Esta documentação vai ajudar a esclarecer a “lenda negra” que muitos especialistas consideram injusta, explica Paulo Fontes.

“Penso que entretanto houve trabalhos que vieram de algum modo contrabalançar uma lenda negra que se estabeleceu, a dado momento, e neste momento, com a abertura dos arquivos, a instituição deles detentora, a Santa Sé, cumpre uma promessa que estava feita e um desiderato que é largamente celebrado pela comunidade dos investigadores e historiadores, que é poder ter acesso, de uma maneira completa a esses mesmos arquivos e poder-se fazer investigações, que vão demorar o seu tempo, evidentemente, e que vão permitir trazer luz nova sobre essa época, as diferentes iniciativas, as diferentes limitações e, portanto, sobre o que foi o papel do pontificado de Pio XII nessa época tão difícil e conturbada da história, não apenas da Europa mas do mundo.”

Lista de espera sem portugueses

Apesar de os arquivos estarem disponíveis para consulta, é preciso os investigadores inscreverem-se para o efeito. Paulo Fontes diz que até ao fim do ano está tudo cheio e não há missões portuguesas previstas para já.

“Os arquivos têm sempre limitações relativamente ao número de consultantes que podem, num dado momento, estar no mesmo espaço, e neste momento há uma série de projetos organizados por vários países. No nosso país ainda não, mas está-se a trabalhar nesse sentido de se poder, de uma maneira organizada e sistemática, também, ter acesso a essa nova documentação, para que de uma maneira não apenas individualizada, mas num levantamento sistemático de informação relevante, nomeadamente para a sociedade portuguesa, possa ser feito.”

“Ao que é público, as reservas para a sala de consulta estão feitas e praticamente fechadas para este mesmo ano”, acrescenta.

Durante anos os mais críticos acusaram a Igreja de querer esconder o papel de Pio XII durante a guerra. Há dias, falando sobre a abertura dos arquivos, o cardeal D. Tolentino Mendonça disse que a Igreja não tem de ter medo da história.

“É uma tradição da Igreja, uma tradição secular, a partilha dos documentos administrativos, históricos, da sua vida interna com os estudiosos de todo mundo, exatamente para que a verdade sobre a história e a compreensão profunda da história possa acontecer”, explicou o cardeal.

“O Papa Francisco, quando nos recebeu como Arquivo Apostólico o ano passado, sublinhou esse aspeto de que a Igreja não tem medo da história, pelo contrário, a história é uma aliada da Igreja, porque o cristianismo acontece no interior da história, com a sua dramaticidade, as suas interrogações, mas também as suas oportunidades.”

Paulo Fontes, por sua vez, rejeita liminarmente a possibilidade de a Santa Sé ter suprimido documentos do arquivo agora posto à disposição dos investigadores.

“A salvaguarda, organização, preservação e inventariação da documentação é uma coisa que tem tradição no interior das instituições da própria Igreja Católica. E nesse sentido creio que aqui não será exceção.”

“Essa ideia de que se pode esconder, ou omitir documentação para que não se tenha acesso a ela e esconder uma suposta verdade, faz parte de uma teoria da conspiração que me parece claramente desfasada”, garante.

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