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Guiné-Bissau. Primeiro-ministro Aristides Gomes queixa-se de "expansão da violência"

01 mar, 2020 - 17:02 • Lusa

Segundo Aristides Gomes, o Palácio do Governo está ocupado por militares, bem como vários ministérios localizados no centro da cidade, o Supremo Tribunal, e a Assembleia Nacional Popular. CPLP pede "neutralidade" aos militares e serenidade aos políticos. Sissoco Embaló nega golpe de Estado.

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O primeiro-ministro da Guiné-Bissau, Aristides Gomes, afirmou este domingo que o país está a assistir a uma "expansão da violência" e que há um "bloqueio total" do país com investidas contra membros do Governo. "O ponto da situação da Guiné-Bissau é caracterizado por uma expansão da violência. Da violência institucional, da violência contra as instituições, que está a ser concretizada pela ocupação do espaço governamental e do Estado", disse aos jornalistas na sua residência, em Bissau, Aristides Gomes.

Segundo o primeiro-ministro, o Palácio do Governo está ocupado por militares, bem como vários ministérios localizados no centro da cidade, o Supremo Tribunal, e a Assembleia Nacional Popular. "Estamos face a uma situação de bloqueio total. Agora há uma segunda fase caracterizada por investidas contra membros do Governo, pessoal, sob pretexto de confiscação de viaturas do Estado", afirmou.

O primeiro-ministro denunciou também aos jornalistas que elementos do Ministério do Interior estiveram hoje em sua casa a confiscar duas viaturas utilizadas pela sua guarda pessoa. "Esta manhã apareceram cá indivíduos que disseram que vinham com ordens do Ministério do Interior para levarem as duas viaturas que os meus guardas nacionais utilizam, depois disso estão a ameaçar prender e neutralizar os meus guardas nacionais, pelo que sei, aconteceu a mesma coisa com o presidente da Assembleia Nacional", afirmou.

Cipriano Cassamá que tinha sido nomeado sexta-feira Presidente interino do país renunciou hoje aquela função por razões de segurança e para defender os interesses dos guineenses e do país. "Estamos face a uma situação que tem o defeito de fazer acordar os demónios e os fantasmas da violência no nosso país e infelizmente para a nossa população, porque as pessoas que vivem na Guiné-Bissau, tanto os nacionais, como os estrangeiros, aspiram a uma maior qualidade de vida, sem violência", salientou.

Aristides Gomes afirmou também que "seria desejável" que todos estivessem compenetrados naquele imperativo e de "agir no sentido da pacificação" das ações individuais e coletivas.

A Guiné-Bissau vive mais um momento de especial tensão política, depois de Umaro Sissoco Embaló ter demitido na sexta-feira Aristides Gomes do cargo de primeiro-ministro e nomeado Nuno Nabian, que tomou posse no sábado.

Umaro Sissoco Embaló, dado como vencedor da segunda volta das presidenciais da Guiné-Bissau pela Comissão Nacional de Eleições, tomou posse simbolicamente como Presidente guineense na quinta-feira, numa altura em que o Supremo Tribunal de Justiça ainda analisa um recurso de contencioso eleitoral interposto pela candidatura de Domingos Simões Pereira.

Após estas decisões, registaram-se movimentações militares, com os militares a ocuparem várias instituições de Estado, incluindo a rádio e a televisão públicas, de onde os funcionários foram retirados e cujas emissões foram suspensas.

Cipriano Cassamá tinha tomado posse na sexta-feira como Presidente interino, com base no artigo da Constituição que prevê que a segunda figura do Estado tome posse em caso de vacatura na chefia do Estado.

CPLP pede "neutralidade" aos militares e serenidade aos políticos

A Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) pediu hoje neutralidade às forças armadas e apelou à serenidade dos atores políticos na Guiné-Bissau para evitar "situações que possam levar a mais instabilidade política e violência". "A CPLP exorta as forças armadas republicanas a se absterem de ações que comprometam a sua posição de neutralidade face a diferendos de natureza político-partidária", pediu, em comunicado, a organização.

Naquela que é a primeira tomada de posição pública desde a posse de Umaro Sissoco Embaló, que se autoproclamou como Presidente da República da Guiné-Bissau, a organização sublinhou a importância da criação de "espaços e ambiente" para que as "instituições civis competentes" encontrem "muito rapidamente as soluções definitivas de paz e estabilidade políticas". Soluções "que o povo da Guiné-Bissau exige e merece e pelas quais toda a comunidade internacional ansiosamente espera", acrescentou.

Adiantando que acompanha "com atenção e muita preocupação" a situação política que se vive atualmente na Guiné-Bissau, a CPLP apelou também "à calma e à serenidade dos atores políticos para que se evitem situações que possam levar a mais instabilidade e violência". "A CPLP continuará a desenvolver, em articulação com os demais membros do Grupo P5 (Nações Unidas, União Africana, Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental e União Europeia), esforços que contribuam de forma efetiva para a resolução da crise política pós-eleições [...], no respeito pela Constituição e demais leis do país", aponta o comunicado.

Sissoco Embaló diz que não há golpe de Estado no país

O diplomata Héder Vaz, mandatado para falar por Umaro Sissoco Embaló, afirmou hoje que não há um golpe de Estado e que houve uma tentativa de subverter a verdade eleitoral.

"Não houve um golpe de Estado na Guiné-Bissau, houve sim desde as eleições do dia 29 de dezembro uma tentativa da parte de quem perdeu as eleições de subverter aquilo que é a verdade eleitoral, subverter os órgãos de justiça e submeter a Comissão Nacional de Eleições (CNE)", afirmou Hélder Vaz, embaixador da Guiné-Bissau em Portugal e mandatado para falar à imprensa por Umaro Sissoco Embaló, que se autoproclamou Presidente depois de ter sido dado como vencedor pela CNE, apesar de existirem recursos judiciais pendentes.

Segundo Hélder Vaz, aquela subversão é "completamente ilegal" e, por isso, "houve uma reação da parte do parlamento" para "dirimirem uma situação que estava cada vez mais confusa e que se ia prolongando para lá do aceitável".

O embaixador Hélder Vaz recordou que não existiram reclamações nas assembleias de voto, nem nas comissões regionais de eleições e as que foram feitas na CNE foram rejeitadas. "Aliás, nas eleições legislativas de março, aconteceu exatamente isso, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu liminarmente reclamações que tinham sido feitas nas mesas, mas que se entendeu que não tinham sido feitas no formulário apropriado", disse. Ora, continuou o embaixador, "por maioria de razão por não ter havido formulário apropriado, nem em coisa nenhuma reclamação, neste caso, nas presidenciais, não poderia o Supremo Tribunal de Justiça, agindo de boa-fé, aceitar o recurso do candidato Domingos Simões Pereira", líder do Partido Africano para a Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde (PAIGC).

Para Hélder Vaz, há um "processo que pretende fazer prolongar no tempo a indefinição e a instabilidade, quiçá por mais cinco anos como aconteceu durante o mandato do Presidente José Mário Vaz".

O diplomata, que falava em nome de Umaro Sissoco Embaló, reforçou que foram feitos quatro apuramentos nacionais, um dos quais na presença da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), que tem mediado a crise no país, e que já tinha validado o escrutínio. "Todos os observadores internacionais consideraram as eleições livres, justas e transparentes e [um] modelo de eleições", afirmou.

"Portanto, pretende-se transformar a derrota de Domingos Simões Pereira numa vitória inexistente. O que se pretende é a instabilidade permanente", afirmou, salientando que tudo faz parte de um conjunto de manobras para que a opinião pública internacional acabe por apoiar as "inverdades que o PAIGC vende para fora do país". "O que se passa aqui é que não houve um golpe de Estado. Golpe de Estado sim estava a ser preparado por aqueles que trouxeram os rebeldes de Casamansa [uma zona independentista no sul do Senegal, junto à fronteira com a Guiné-Bissau]. Estão rebeldes de Casamansa detidos, os outros fugiram para as matas e isto será falado no tempo próprio”, disse.

Hélder Vaz disse também que o que se está a assistir é ao "renascer de um país, um refundar das instituições, do Estado, segundo bases de justiça, transparência, de verdade, equidade e solidariedade social, que é o que não existe". "A libertação de 1974 foi a do solo, do território. Hoje é a libertação do homem guineense que esteve sempre escravo do partido que o libertou”, disse o embaixador.

Para tal, são necessárias “condições para o progresso, para que se tenha pão, para além da paz, acesso aos serviços básicos, educação e saúde, e que possa construir prosperidade e que a prosperidade possa ser partilhada pelos guineenses", acrescentou.

Para a nova Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló conta com o apoio dos "irmãos portugueses", considerou o embaixador da Guiné-Bissau em Lisboa. "Nós precisamos de Portugal para explorar e desenvolver os recursos que temos e Portugal, numa lógica de toda a gente ganhar, terá também vantagens em se estabelecer na Guiné-Bissau fazer deste país a sua plataforma logística para o comércio e investimento na sub-região", disse.

Hélder Vaz insistiu que há um Presidente da República eleito, proclamado pela Comissão Nacional de Eleições, salientando que ao Supremo Tribunal de Justiça compete apenas dirimir o contencioso eleitoral. O embaixador disse também que na Guiné-Bissau, desde o tempo do Presidente João Bernardo "Nino" Vieira, que sempre que "há uma mudança de primeiro-ministro ou de Governo, na noite em que é anunciado o decreto presidencial os ministérios são ocupados pelas forças de segurança".

Na sexta-feira, Sissoco Embaló nomeou Nuno Nabian como primeiro-ministro, em substituição de Aristides Gomes (PAIGC). "Aconteceu também agora, não é nada de novo. Não é uma situação de exceção", afirmou.

O embaixador criticou também a divulgação de imagens nos ‘media’ em Portugal de espancamentos de manifestantes pela polícia da Guiné-Conacri para ilustrar a crise em Bissau. "É muito mau. É algo que não podemos qualificar, mas que nos dói profundamente e nós naturalmente não é este o tipo de relação que queremos ter com Portugal e com os órgãos de comunicação em Portugal”, disse. “Nós temos uma relação muito profunda e vamos fazer muitas coisas juntos e sentimos essa disponibilidade do Governo português", acrescentou.

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