Tempo
|
Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
A+ / A-

Tentar perceber

Uma saída britânica sem acordo

29 fev, 2020 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


Multiplicam-se as exigências e a pressa de concluir um acordo com a UE por parte de Boris Johnson. O que permite pensar que o primeiro-ministro britânico quer mesmo uma saída da UE sem acordo sobre futuras relações.

Começam na segunda-feira, em Bruxelas, as negociações entre a União Europeia (UE) e o Reino Unido (RU) sobre as futuras relações entre as duas partes. Será muito difícil concluir essas negociações até o fim do corrente ano, como exige o primeiro-ministro Boris Johnson. Exigência que ele fará aprovar em lei na Câmara dos Comuns, onde dispõe de uma larga maioria. Como já aqui notei, o acordo comercial entre a UE e o Canadá, que os britânicos apontam como referência, demorou sete anos a negociar…

Boris Johnson veio encurtar ainda mais esse exíguo tempo para negociações. Diz ele, agora, que, se até ao fim de junho não se tiver obtido um princípio de acordo, o RU abandonará as negociações e dedicar-se-á a preparar o país para relações comerciais sem acordo com a Europa comunitária.

Entretanto, o governo britânico revelou as novas regras sobre imigração que irão vigorar no Reino Unido a partir de 1 de janeiro próximo. São condições muito exigentes – por exemplo, falar correntemente inglês, ser portador de conhecimentos científicos e técnicos avançados, ter dinheiro etc. – que limitarão drasticamente a entrada de imigrantes no Reino Unido, ainda que esses países (como é o caso de Portugal) ofereçam aos britânicos condições bem mais favoráveis para se instalarem nos seus territórios nacionais.

Por outro lado, Boris Johnson já começou a renegar compromissos que aceitara na declaração política anexa ao acordo de saída. É certo que essa declaração não é juridicamente vinculativa, mas deitá-la no caixote do lixo não é politicamente aceitável.

Ora o que o governo de Londres pretende é, a partir do início de 2021, ficar totalmente desobrigado de evitar a concorrência desleal no mercado comunitário com exportações britânicas (por exemplo, com base em regras de trabalho, de proteção do ambiente, etc., menos exigentes do que as vigentes na UE). Boris Johnson também não aceita que, em 2021, o seu país fique de alguma forma sujeito a tribunais europeus para dirimir eventuais conflitos.

A grande bandeira de Boris é recuperar a total independência de uma nação soberana. O que me leva a pensar que a ele lhe interessa uma saída da UE sem acordo quanto às futuras relações comerciais. Por isso o primeiro-ministro multiplica os obstáculos a um entendimento razoável com a UE. O negociador-chefe da UE, Michel Barnier, teve ocasião de tornar claro que a presente escalada de exigências britânicas e a falta de tempo para negociar a sério não levará a UE a aceitar “um acordo a qualquer preço”.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.