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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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A cimeira falhada

24 fev, 2020 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


A intransigência dos Estados membros que não querem dar mais dinheiro para o orçamento comunitário marcou o último Conselho Europeu. Não é um bom augúrio para relançar a UE, sem o Reino Unido.

Ninguém esperava que no Conselho Europeu de quinta e sexta-feira os 27 países da UE chegassem a acordo sobre o seu orçamento para os próximos sete anos. Mas o Conselho ficou marcado pela intransigência dos Estados membros que não querem dar mais dinheiro para o orçamento comunitário, compensando o “buraco” de 75 milhões de euros resultante da saída do Reino Unido (que era um contribuinte líquido) e necessário para relançar a UE pós-Brexit.

Há quem considere ridícula tanta negociação para resolver uma diferença de décimas de um ponto de percentagem – concretamente, entre um orçamento que não ultrapasse 1% do PIB comunitário e um que chegue a 1,3%, como propõe o Parlamento Europeu. Mas Merkel lembrou que cada 0,01% significa 2 mil milhões de euros...

Se não estivesse politicamente fragilizada, Merkel até poderia ter ajudado mais a combater a intransigência dos quatro países ditos “frugais”, defensores de um orçamento da UE que não ultrapasse 1% do PIB – Países Baixos, Áustria, Suécia e Dinamarca. Como se vê, nem são grandes países. E dois deles, Áustria e Países Baixos, pertencem à zona euro.

Para que o euro tenha futuro, precisa de um orçamento próprio. O que se desenha é muito pouco para combater as inevitáveis divergências – e não convergências – que a integração implica. O assunto é conhecido desde a unificação da Itália, há quase dois séculos: as pessoas mais capazes e os poucos capitais existentes no Sul deslocaram-se para onde tinham melhores oportunidade de ganho, o Norte, acentuando as divergências de bem-estar.

A intransigência daqueles quatro países, que se opuseram ferozmente à proposta teoricamente conciliatória do presidente da UE, Charles Michel (1,074%), levaram a que a cimeira não se prolongasse para além de sexta-feira. Digo “teoricamente” porque essa proposta também não foi aceite pelos 17 “países da coesão”.

Choca, por outro lado, o contraste entre a ambição da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu – ao quererem que a UE esteja na linha da frente nos problemas do clima, das novas tecnologias informáticas e da defesa e segurança, por exemplo – e a “forretice” (para usar uma expressão de António Costa) dos que pretendem cortar nos fundos de coesão.

É que, como ontem escrevia em editorial o jornal espanhol “El Mundo”, quando se trata de dinheiro, a UE toma-se a si mesma “apenas como um mercado e os interesses nacionais impedem uma visão mais global e de longo alcance”.

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