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​Isabel Camarinha, nova líder da CGTP: “Nós nunca fomos mansinhos”

20 fev, 2020 - 00:05 • Ana Carrilho (Renascença) e Helena Pereira (Público)

Em entrevista à Renascença e "Público", a nova secretária-geral da CGTP insiste que a “uberização” é uma forma de trabalho “inaceitável”, defende prioridade para o aumento geral de salários e avisa que um Verão quente de contestação só depende do PS e do Governo.

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Nova líder da CGTP: “Nós nunca fomos mansinhos”
Nova líder da CGTP: “Nós nunca fomos mansinhos”

Não é tão assertiva como o antecessor, Arménio Carlos, mas vai fazendo os seus avisos ao Governo. Em entrevista Renascença/Público, que pode ouvir esta quinta-feira às 13h00, Isabel Camarinha ainda que o número total de sindicalizados aumentou e salienta a “nova ferramenta” dos sindicatos.

Quais são as prioridades da CGTP?
O modelo de baixos salários e de empobrecimento dos trabalhadores em Portugal não pode continuar. Os trabalhadores empobrecem a trabalhar. O aumento do salário mínimo nacional (SMN), além de ser insuficiente, não foi acompanhado de um aumento salarial geral que, de facto, reconheça as carreiras e as qualificações adquiridas pelos trabalhadores ao longo dos anos de trabalho.

O aumento de 90 euros para todos os trabalhadores é uma das questões que temos colocado em todas as negociações com o Governo e na concertação social. O aumento significativo dos salários é um imperativo nacional não só para a melhoria das condições dos trabalhadores e das suas famílias, mas também para a economia do país. Vimos que com os últimos aumentos do SMN a economia do país desenvolveu-se. Todo aquele espectro de calamidade que ia acontecer, de que as empresas não iam aguentar, não foi verdade. Pelo contrário, o consumo aumentou, as empresas melhoraram as suas condições e se isto [o aumento] fosse uma coisa com mais significado, a economia desenvolver-se-ia mais e o consumo continuaria a aumentar.

Isso também poderia ser conseguido através da contratação coletiva.
E é onde nós priorizamos a nossa atividade. A questão da contratação coletiva tem um problema gravíssimo que é a caducidade das convenções coletivas. Não desistimos, de forma alguma, de conseguir revogar a norma da caducidade bem como voltar a repor o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador para equilibrar as relações de trabalho.

Acha que é possível um acordo de rendimentos como o Governo pretende nesta legislatura?
O que estava em cima da mesa sobre um eventual referencial está a ficar um bocadinho tremido. Não se está a chegar a acordo nem por parte das organizações patronais, nem por parte das confederações sindicais. Para nós, a questão fundamental é que haja aumento de salários de 90 euros para os trabalhadores do público e do privado e a contratação coletiva.

Podemos discutir tudo na concertação social, mas se não houver sinais de que se vai revogar a caducidade das convenções coletivas de trabalho, vamos continuar a ter o bloqueio e a dificuldade de negociar que temos tido [até aqui] com as associações patronais. Elas podem sempre invocar a caducidade para acabar com as negociações e para tentar retirar os direitos que estão consagrados nos contratos coletivos de trabalho. Para nós, isto é fundamental a par das medidas que são necessárias para combater a precariedade, que é uma área que tem sido muito maltratada.

Temos um mercado de trabalho em mudança em que um fenómeno que está a crescer é a “uberização” em que os trabalhadores não são proprietários do seu negócio, mas também não têm proteção da Segurança Social. Como é que a CGTP responde a esses trabalhadores?
Em primeiro lugar, é inaceitável a possibilidade de haver trabalhadores que não têm quaisquer direitos. É importantíssimo estes trabalhadores organizarem-se nos sindicatos da CGTP para conseguirmos chegar à regulamentação do seu trabalho. Isso é fundamental. Os sindicatos da CGTP estão a contactar estes trabalhadores no sentido de os organizar. Está a ter algum efeito, mas estes trabalhadores têm uma situação tão frágil que isso dificulta a ligação aos sindicatos. Não funcionam em conjunto, estão muito isolados.

Esse é um dos desafios dos sindicatos perante o trabalho do futuro. Muitos negócios novos estão a nascer com esse modelo assente nesse tipo de trabalhadores. Como é que o mundo sindical consegue adaptar-se a isso?

Vamos fazer tudo para contactar esses trabalhadores, mas também apelamos a que esses trabalhadores venham aos sindicatos.

A “uberização”, para além de ser uma ameaça aos direitos dos trabalhadores, também não é uma ameaça aos sindicatos?
Não acho que seja uma ameaça pois os sindicatos encontram sempre formas de contactar com os trabalhadores e os trabalhadores sabem que nós estamos lá para os apoiar.

Há então uma falha de comunicação dos sindicatos em relação aqueles trabalhadores que se deslocam para os chamados movimentos inorgânicos?
Não. Há aí muito aproveitamento, muito populismo com base em aspirações que gostariam de ter uma resposta imediata, muito projetados pela própria comunicação social. Os trabalhadores acabam por se envolver em ações um pouco aventureiristas que não são consequentes e consistentes. Os sindicatos da CGTP todos os dias defendem os trabalhadores e apoiam a sua luta, não é só para fazer aquela greve de não sei quanto tempo. Somos muito responsáveis na forma como organizamos a luta dos trabalhadores.

Às vezes, são até criticados por serem demasiado responsáveis.
Não consideramos que somos demasiado [responsáveis] porque não acredito que isso exista. Agora, isso não significa que não haja formas inovadoras e ações de luta das mais variadas.

Que formas de luta inovadoras os sindicatos da CGTP tiveram nos últimos tempos?
A forma mais inovadora, que não é nova, é os trabalhadores fazerem greve. Para trabalhadores que nunca na sua vida fizeram greve, é sempre inovadora porque é a primeira vez. Os nossos sindicatos fazem ações das mais diversas, desde acampamentos à porta a vigílias.

Agora, têm que ser ações com a participação dos trabalhadores e em que estes se organizem com o sindicato para exigir aquilo que são as suas reivindicações como, por exemplo, nos horários de trabalho onde impera a desregulação e o impedimento dos trabalhadores terem vida pessoal e familiar. É só trabalho, trabalho, trabalho e não há vida para além do trabalho.

As empresas é que mandam e gerem a vida do trabalhador. Isto não pode ser. Exigimos uma regulação dos horários de trabalho e a redução do horário para as 35 horas sem perda de remuneração o que iria também contribuir para o desenvolvimento do país. Iria criar mais postos de trabalho, permitir o tal aumento da natalidade. Quem pode, com os horários que são praticados, ter filhos, levá-los à creche? Como podem ser pais?

A CGTP disse que registou quase 115 mil novos associados, mas não divulgou no congresso o número de sindicalizados que tem. Porquê?
Não temos o número completamente apurado, mas sabemos que crescemos ligeiramente em relação ao congresso anterior [cerca de 550 mil]. A parte das saídas tem muito a ver com a destruição de emprego, precariedade, da tentativa de impedimento do exercício da actividade sindical. Se os sindicatos não podem entrar nos locais de trabalho e falar com os trabalhadores também não conseguem sindicalizá-los com a mesma facilidade.

O novo parecer do Ministério do Trabalho sobre a entrada de dirigentes sindicais nas empresas onde não há delegados ou sindicalizados vai facilitar então o aumento da taxa de sindicalização que tem vindo a baixar.
Não sei se tem vindo a baixar, depende dos setores. Mas sim, isso já foi fruto daquilo que tem vindo a ser a exigência da CGTP para que se cumpra a lei. Não temos nenhum problema com a lei, mas com o seu incumprimento por parte das empresas e da própria ACT que tinha uma interpretação que, muitas vezes, ia ao encontro daquilo que as empresas colocavam nos impedimentos. Este parecer é muito importante e vamos utilizá-lo como uma ferramenta para podermos entrar em todos os locais de trabalho.

O primeiro-ministro também pediu um parecer ao conselho consultivo da PGR. Têm tido a ajuda do Governo.

O Governo compreendeu. Já tínhamos colocado esta situação ao ministro anterior, Vieira da Silva, que tinha concordado connosco, que a interpretação que se estava a fazer da lei não era a correta.

Agora, com o novo Governo, a ministra do Trabalho também concordou connosco e, num último encontro mais recente com o primeiro-ministro, este também concordou. O Governo percebeu que era uma matéria em que tinha que fazer alguma coisa porque estávamos, de facto, a ser impedidos de entrar em alguns sítios.

Os trabalhadores estão a ver refletidas nas suas condições de trabalho o apoio que o PCP está a dar ao Governo? Ou acha que é pouco e espera mais nesta legislatura?
Eu não vi o PCP dar apoio a este Governo.

O PCP podia ter deitado abaixo o Governo com o IVA da luz, durante o debate do Orçamento, e não o quis fazer.
Quer o PCP quer outros partidos abstiveram-se no Orçamento do Estado. O PS aprovou o Orçamento do Estado sozinho porque não correspondia aquelas que são as necessidades do país. Não tinha propriamente retrocessos, mas também não tinha avanços que nos dissessem ‘vamos enfrentar os problemas, nomeadamente, nas questões de salários’.

Se o PCP tivesse votado contra, o Governo tinha caído.
Pois, mas isso é uma opção de continuar até através da luta dos trabalhadores que, tal como vimos no nosso congresso, vamos ter que intensificar para conseguir que se continue a avançar e a conquistar mais direitos, mais salários, horários dignos, combater a precariedade, investimento nos serviços públicos e alteração da legislação laboral.

Vem aí um verão quente?
Depende. O PS na legislatura anterior não aproveitou a correlação de forças que tinha na Assembleia da República para alterar substancialmente as condições de vida e de trabalho no nosso país. Não veio ao encontro das necessidades e exigências dos trabalhadores. Esperamos que nesta legislatura isso possa acontecer.

Pelo que vemos nas propostas por parte do Governo e de posicionamento do PS na Assembleia da República, não estamos a ver que aconteça. As opções do PS continuam a ser de submissão à União Europeia, à questão da dívida, até quer ficar com excedente no OE em vez de o utilizar para investir e para os salários dos trabalhadores. O que dizemos é que a luta vai ter que continuar e intensificar-se.

A CGTP não vai ser mansinha?
Nós nunca fomos mansinhos. A CGTP sempre teve esta postura de exigência. Na legislatura anterior, muitas medidas que se conseguiram, para além dos entendimentos das posições conjuntas que tinha havido com o PCP, PEV e BE e que eram muito ínfimos, limitados, foram conseguidas também pela luta dos trabalhadores ao longo da legislatura.

Já falou com o secretário-geral da UGT? Houve algum contacto? Como pretende que seja o relacionamento entre as duas centrais?
Terminámos o congresso há três dias ou quatro. Ainda não houve contactos. Mas a CGTP estará sempre disponível para fazer a unidade na ação em torno de objetivos concretos que temos pela frente.

O relacionamento é mais fácil entre sindicatos das duas centrais do que entre as cúpulas.
É difícil estar a dizer se vai acontecer ou não vai acontecer. Depende da ação que vamos ter, as lutas a desenvolver e a postura de cada um.

Comentários
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  • Abaixo a CGTP/UGT
    20 fev, 2020 Por cá 15:35
    Claro é preciso evitar gastar esses 70 milhões. Como tal deve legislar-se no sentido de reduzir salários ou congelá-los para os próximos 10 anos. Aí haverá dinheiro para os bancos. defender as agendas do PCP e do PS dão nisto. Um caso claro que "os mansos NÃO herdarão a Terra". Greve geral por tempo indeterminado e campanhas de desobediência Civil maciças. Mas primeiro destruir os mansos da CGTP/UGT, os sindicatos do Regime que fingindo lutar pelos trabalhadores, na realidade ajudam governos e patronato na exploração. Novos sindicatos, precisam-se
  • Cidadao
    20 fev, 2020 Lisboa 15:26
    A CGTP defendeu sempre a agenda do PCP e se ganhasse alguma coisa para o lado dos trabalhadores era mais porque o governo/patronato ia fazendo cedências de migalhas para dar a ilusão que os sindicatos CGTP serviam realmente os trabalhadores. É por isso que estão à rasca pelo aparecimento de Sindicatos como o S.T.O.P., o dos Enfermeiros, dos Motoristas de matérias perigosas, dos Estivadores do Porto de Setúbal e outros. Não estão filiados nas organizações do regime e são por isso incontroláveis. Até porque quais são as novidades que a "nova gerência" da CGTP traz para a luta? Greves de 1 dia encostadas ao fim-de-semana, marchas ordeiras pela avenida e declarações politicas na abertura de Telejornais? O que é que há de "novo" nisso?
  • Francisco Pinto
    20 fev, 2020 10:18
    Isto é que é contribuir para a PAZ SOCIAL e para o progresso de Portugal.... Vamos todos pressionar o Presidente da República para condecorar esta gente pelos bons serviços prestados a Portugal!....

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