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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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​Reformar a economia de mercado

17 fev, 2020 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


Para o Prof. Luís Cabral o capitalismo enfrenta dois desafios principais: introduzir a justiça social e lidar com a crise climática. Temas que serão abordados no encontro em Assis, promovido pelo Papa Francisco.

Na preparação para o encontro de Assis, que o Papa Francisco promove em março, a AESE Business School realizou uma conferência sobre a economia do Papa “explicada a um economista de formação clássica”. O orador foi o Prof. Luís Cabral, que ensina na Universidade de Nova York, além de outras instituições. (Declaração de interesses: sou primo direito do pai deste reputado economista português). Não assisti à conferência na AESE, mas li uma extensa e muito interessante entrevista de Luís Cabral ao jornal “Negócios” de sexta-feira passada.

As posições desassombradas do Papa Francisco sobre temas económicos e sociais têm suscitado satisfação à esquerda (por exemplo, quando denuncia a “economia que mata”) e alguma contestação à direita. Mas, nesta entrevista, Luís Cabral afirma que, “do ponto de vista conceptual, nada há de fundamentalmente novo na economia de Francisco”. Já aqui defendi essa opinião, que, para mim, se deve à escassa importância que muitos católicos dão à Doutrina Social da Igreja.

Luís Cabral vai mais longe e, de alguma forma, responde a um apelo do Papa Bento XVI, quando em 2009 pediu “uma nova e profunda reflexão sobre o sentido da economia e dos seus fins, bem como uma revisão profunda e clarividente do modelo de desenvolvimento, para se corrigirem as suas disfunções e desvios” (Encíclica “Caridade na Verdade”, n.º 32).

Não separar o económico do social é imperativo para Luís Cabral. Por exemplo, diz ele: “O facto de alguém ter mais de dois dólares por dia, e não estar na pobreza radical absoluta, não significa que esteja incluído na sociedade. Este é o aspeto que os economistas têm maior dificuldade em perceber, por ser mais difícil de medir”.

Encarando as redes sociais com justificada reserva, Luís Cabral julga que a sociedade de informação trouxe melhorias, mas acentuou fenómenos de exclusão social. Quanto aos efeitos da evolução tecnológica no emprego, o professor da Universidade de Nova York não acredita que irá haver um exército de desempregados, “mas poderá haver um exército de sub-empregados”.

Luís Cabral defende que se desconecte a segurança social do emprego, que nos EUA é muito forte (quem ali perde o emprego perde, também, apoios sociais, o que é absurdo). A proposta não agrada aos sindicatos, mas reduziria os encargos do empregador e assim promoveria uma maior contratação de trabalhadores, uma vez que diminuiria o incentivo para intensificar a automação. Acresce que o emprego se está a tornar cada vez menos estável, importando, por isso, financiar a segurança social com mais impostos – uma ideia politicamente difícil de “vender”, mas que vale a pena aprofundar.

Vivendo nos EUA, Luís Cabral testemunhou a recente falta de empenho das autoridades americanas em evitar excessivas concentrações empresariais e situações de monopólio ou perto disso. Claro que o protecionismo de Trump agravou as coisas, mas a tendência hostil à livre concorrência já vinha de trás.

Será, então, de rejeitar a economia de mercado? Não, pois tal seria um “erro gigante”. Para Luís Cabral temos é de pensar o mercado não apenas como um instrumento de criação de riqueza mas também como um modelo de justiça social.

Para este economista, o capitalismo enfrenta dois grandes desafios: justiça social e o problema ambiental. Neste último campo, Luís Cabral preconiza uma taxa sobre o carbono e, até, indexar os direitos alfandegários a um índice de ecologia.

Deste breve e muito incompleto resumo das ideias do professor ressalta que elas poderão ser úteis, não apenas para o debate em Assis, mas sobretudo para reformar o capitalismo, pois as soluções coletivistas não trouxeram eficácia económica nem liberdade
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