16 fev, 2020 - 01:01 • Ana Carrilho
A primeira mulher aos comandos da CGTP em cinco décadas de história. O Congresso da Intersindical, que terminou este sábado na Torre da Marinha, Seixal, elegeu Isabel Camarinha para suceder a Arménio Carlos e liderar os destinos da central nos próximos quatro anos.
De uma mulher na luta sindical há quase três décadas talvez não seja de estranhar que tantas vezes, durante a sua primeira intervenção como líder, tenha falado de luta e de lutas, de intensificar a luta e de prometer a quantos a ouviam que “vamos lutar” pelos direitos dos trabalhadores.
E se vários congressistas fizeram questão de mostrar os resultados da luta conduzida em várias empresas e setores, concluindo, como Arménio Carlos, que “vale a pena lutar”, a palavra de ordem de Isabel Camarinha no seu primeiro discurso não podia ser senão “a luta continua”.
Aparentemente calma, Isabel Camarinha deu o mote para a primeira grande salva de palmas mal iniciou o discurso. “Que grande congresso, que grande força dá a todos nós pela valorização do trabalho e dos trabalhadores”. Foi a primeira das 24 que a nova secretária-geral da CGTP usou a palavra “luta”. Quer seja da central como “herdeira da luta heroica da classe operária e dos trabalhadores portugueses”; a luta dos povos de Cuba ou da Palestina (com representantes no Congresso); pela paz, pela valorização do trabalho e dos trabalhadores ou as ações de luta. Sem contar com a dezena de menções a “lutas” ou as oito promessas de que “vamos lutar”.
Pelos direitos dos trabalhadores e por melhores salários, horários de 35 horas e ao exercício da atividade sindical. Ou contra a caducidade das convenções coletivas e o fim do tratamento mais favorável, os bancos de horas, e o comportamento que, no entender da nova secretária-geral da Inter, o Governo tem em relação ao diálogo social.
As promessas de lutas mais visíveis ficaram gravadas: ao longo de todo este ano de comemorações do 50.º aniversário da CGTP, já na Semana da Igualdade (entre 2 e 6 de março), na Manifestação da Interjovem, agendada para 26 de março, contra a precariedade, no 25 de Abril e sobretudo, no 1º de Maio, Dia do Trabalhador.
Lutas que se fazem em todos os cenários possíveis: nos locais de trabalho, em empresas públicas ou privadas (onde agora os sindicalistas já não podem ser impedidos de entrar, segundo o recente Parecer da DGERT – Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho), na rua ou nas diversas organizações e instituições em que a central sindical tem assento ou a que pode “recorrer”, como os órgãos de soberania.
Luta que também serve para mobilizar e angariar mais trabalhadores para os sindicatos. Se nos últimos quatro anos entraram quase 115 mil, a central agora subiu a fasquia para 120 mil no mandato que agora se inicia. Por revelar, ficam as saídas (por reforma, desemprego, morte ou decisão de afastamento sindical) e o verdadeiro número de sindicalizados. Em 2016, os números oficiais apontavam para 550 mil. Alguns dirigentes contactados pela Renascença apenas dizem que o saldo é positivo, ou sejam, serão mais.
Desenvolver, intensificar, lutar são palavras coladas à pele de Isabel Camarinha, que se envolveu na luta sindical há quase 30 anos. Funcionária administrativa no STAL – Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local, tornou-se dirigente do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Lisboa logo em 1991, passando depois para o Sindicato do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal, há 22 anos, quando foi criado.
Até 2009, conciliou o emprego com a atividade de sindicalista, mas nesse ano assumiu o sindicalismo a tempo inteiro quando passou a integrar a direção da União de Sindicatos de Lisboa.
Há quatro anos, regressou “à base” CESP para suceder na liderança a Manuel Guerreiro, que atingiu a idade da reforma. Entrou no Conselho Nacional da CGTP e por inerência (a Federação, de que se tornou coordenadora é uma das mais importantes da CGTP), integrou a Comissão Executiva. Finalmente, há alguns meses foi “libertada” do CESP com o objetivo de vir a exercer funções na central sindical, chegando agora ao topo.
O momento é histórico e não há quem não o queira assinalar, homens ou mulheres. Isabel Camarinha diz-se “muito honrada por ser a primeira secretária-geral da CGTP”. Mas a relação de forças – agora só entre homens e mulheres – ainda não se alterou neste Congresso.
O Conselho Nacional da CGTP tem 147 membros e apenas 52 mulheres (mais uma que anterior) ou seja, um terço. Na Comissão Executiva são 29 membros, mas apenas nove mulheres. Novamente um terço do total. E passando ao Secretariado, a desigualdade ainda é mais flagrante: a secretária-geral está acompanhada de cinco elementos, homens.
Tendo em conta que as mulheres constituem quase metade da população ativa em Portugal, continuam sub-representadas nos órgãos da maior central.
“Diplomaticamente” todos lamentam e defendem que têm que ser eleitas mais mulheres, sem que na prática isso aconteça. Vários motivos são apontados, nomeadamente a menor disponibilidade das mulheres, sobretudo mais jovens, com filhos pequenos e a quem cabe ainda a maior parte no seu acompanhamento.
Por isso, há quem manifeste grande esperança na mudança de mentalidade das novas gerações, que assumem naturalmente a partilha de tarefas domésticas e de apoio aos filhos. Também nesta área, “a luta continua”.