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Bactérias do Paleolítico, a medicina do futuro?

12 fev, 2020 - 06:55 • Lusa

Podem as grutas paleolíticas esconder a solução para doenças do século XXI? Pode uma bactéria salvar milhões de vidas? Investigadores portugueses e espanhóis estão convencidos de que sim.

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Grutas paleolíticas, grutas submarinas e minas abandonadas são uma herdade para micro-organismos que sobreviveram às mudanças no seu habitat durante milhares de anos e que, hoje, podem esconder a chave para a elaboração de antibióticos e antitumorais.

Localizar as bactérias, analisar e estudar o seu possível aproveitamento para o campo da medicina é um complexo processo que requer uma meticulosa investigação desenvolvida por um grupo de especialistas portugueses e espanhóis através do projeto ProBioma (Prospeção em Ambientes Subterrâneos de Compostos Bioativos Microbianos com uso potencial para a Medicina, Agricultura e Ambiente).

O Instituto de Recursos Naturais e Agrobiologia de Sevilha coordena o projeto, no qual participa a empresa sevilhana Serviços Mineiros da Andaluzia e as universidades portuguesas de Évora e do Algarve, com o apoio do Programa de Cooperação Transfronteiriça Interreg Espanha-Portugal (Poctep) da União Europeia.

A sua área de atuação estende-se a oito grutas e minas localizadas na faixa piritosa ibérica, na Andaluzia ocidental (Espanha) - próximas a Rio Tinto, em Huelva -, e no Alentejo e no Algarve, em território português.

Especialistas de ambos os lados da fronteira trabalham com equipamentos de última geração com um objetivo comum: aumentar a farmacopeia mundial e atalhar doenças novas. E fazem-no em ‘portunhol’.

Consideradas historicamente como "vilãs" responsáveis por múltiplas doenças, as bactérias são agora olhadas pelos cientistas como micro-organismos com uma extraordinária capacidade de adaptação para criar autodefesas e sobreviver em ambientes extremos.

Este potencial torna-as em elementos chave na procura por novos tratamentos contra doenças tumorais e infeções.

É com este objetivo que trabalham os especialistas do projeto ProBioma: "Estudam-se minas e grutas, consideradas de ambiente extremo, para encontrar bactérias que tenham um metabolismo diferente, que possam dar lugar à composição de antibióticos e antitumorais necessários para ampliar o número limitado que existe no mercado", explica à Efe Cesáreo Sainz Jiménez, coordenador do projeto no Instituto de Recursos Naturais e Agrobiologia de Sevilha.

As grutas paleolíticas, as grutas submarinas e as minas "são nichos de biodiversidade desconhecidos", aponta Ana Teresa Caldeira, do laboratório Hércules, da Universidade de Évora.

"Os micro-organismos às vezes associam-se a processos de degradação no património e acabam por ser os maus da fita, mas têm grande potencialidade e olhar do ponto de vista da valorização é um grande aliciante neste projeto", assegura.

A busca centra-se em "bactérias e fungos com capacidades de produzir substâncias de interesse tanto para a medicina como para o meio ambiente".

Em grutas e minas abandonadas, por exemplo, desenvolvem-se bactérias capazes de contribuir para a limpeza da água contaminada, aponta Clara Costa, do Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve.

Na gruta do Escoural, Cátia Salvador recolhe com cuidado uma amostra. Basta apenas um movimento com um cotonete para analisar o ADN de um micro-organismo com as mais avançadas técnicas no laboratório Hércules.

O Escoural é um dos pontos estratégicos do projeto. A sua descoberta, em 1963, identificou pela primeira vez vestígios de arte rupestre paleolítica em Portugal. Nas suas paredes de pedra apreciam-se ainda restos de pinturas e gravuras de há 50.000 anos. E junto a eles está um universo de bactérias.

A amostra recolhida por Cátia vai ser analisada na universidade de Évora, mas também poderia ser estudada com um "laboratório móvel", um equipamento de última geração não muito maior do que um telemóvel que permite transmitir dados a um computador portátil e replicar cópias de ADN.

As amostras, continua a jovem investigadora portuguesa, são enviadas depois para "supercomputadores" num laboratório dos Estados Unidos da América, através da internet. O resultado chega em apenas algumas semanas.

Os exames não se limitam às bactérias - algumas espécies de fungos e cogumelos, por exemplo, podem ser a base de novos tratamentos.

É o caso da amanita ponderosa, que cresce no Alentejo, Andaluzia, Extremadura e algumas zonas de Marrocos.

Fica então uma questão: se há vida, ainda que em forma de micro-organismos, em grutas paleolíticas, por que não pode haver noutros planetas? A resposta pode chegar desde um "laboratório móvel".

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