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Lídia Pereira. “PSD precisa de se abrir de vez à sociedade”

06 fev, 2020 - 23:40 • Eunice Lourenço

Moção ao congresso do PSD, que começa esta sexta-feira, propõe a eleição do líder em primárias e aposta na formação política.

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Aos 28 anos, Lídia Pereira assume-se como um exemplo da nova geração em que Rui Rio apostou no PSD e diz mesmo que o presidente social-democrata é arrojado nas suas escolhas.

Eurodeputada e presidente da juventude do Partido Popular Europeu, é um dos subscritores de uma moção temática que vai ser discutida no congresso do partido, que começa esta sexta-feira, em Viana do Castelo, e que propõe reformas internas como a introdução de eleições primárias para escolher o líder do partido.

Como eurodeputada, Lídia Pereira é autora de dois relatórios que identificaram que todos os anos a União Europeia perde milhares de milhões de euros por fuga ao pagamento de IVA no comércio e serviços. O seu trabalho está na origem de uma diretiva que vai tentar fazer com que todas as compras sejam devidamente registadas.

Subscreve uma noção que defende uma reforma da política e que PSD deve liderar essa reforma. Acha que o PSD é reformável?

Sim. Se nós olharmos para aquilo foi o mandato do presidente Rui Rio nestes últimos dois anos houve sinais disso mesmo. A criação do conselho estratégico nacional é um exemplo muito claro dessa abertura que é necessária dos partidos à sociedade civil.

Aquilo que se propõe com esta moção – que assino juntamente com os meus colegas Miguel Pais Maduro, António Leitão Amaro, Duarte Marques e Carlos Coelho - é dar continuidade a esta reforma do partido. Aquilo que nós sabemos e que toda a gente reconhece é que existe uma grande desconfiança da política, das pessoas para com a política, uma grande desconfiança das pessoas face aos políticos e uma grande divisão entre “eles e nós”. E nesta veia reformista que é o ADN do PSD propomos esta moção para que possamos de facto dar um outro impulso ou continuar a este impulso de reforma do PSD e de abertura a sociedade civil.


Uma das propostas que fazem para ultrapassar esse “ele e nós”, com a Lídia define, é a realização de primárias abertas, ou seja, eleições abertas a não militantes para o presidente do partido. Isso não pode subverter o próprio funcionamento partidário?

Não, porque esta proposta prevê um congresso prévio para que também o partido tenho uma palavra a dizer na escolha dos candidatos que, depois, vão a eleições primárias.

Numa altura em que a política anda um pouco ao arrepio do Twitter, em que o populismo graça, em que nós temos um Parlamento muito fragmentado, temos que convocar as pessoas a fazerem parte da política para mitigar a diferença entre “eles e nós” e, portanto, nós só conseguimos isto se abrirmos o partido de vez à sociedade.

O partido continua a ter uma palavra a dizer através deste congresso prévio e, depois, as pessoas - todos os militantes e simpatizantes que se reveem na matriz social-democrata - poderão também ter uma palavra a dizer na escolha do seu líder.

Gostava que me explicasse aquilo exatamente que propõe na moção: um congresso prévio e depois eleições primárias para eleger o líder?

Exatamente. Haverá um congresso prévio para discussão de moções de estratégia global. É preciso que os candidatos votados tenham 20% dos votos para depois de se apresentarem em eleições primárias.

Como é que evitam que, por exemplo, um outro partido possa mobilizar-se para umas primárias dessas?

Para evitar isso mesmo tem que haver uma declaração das pessoas que estão interessadas em participar nas primárias em como não vão participar noutros atos eleitorais do género, com intervalos de cinco a oito anos, exatamente para garantir que há esse compromisso de participação no PSD e que não há uma dispersão noutras forças partidárias.

O exemplo mais recente que tivemos de primárias foi com o Livre, que teve primárias, inclusive, para a escolha dos candidatos a deputados. Não vê no caso do Livre um exemplo de como as primárias acabam por não servir o partido?

O Livre e o PSD são partidos completamente diferentes e de uma dimensão muito diferente. O PSD é um partido de Governo, é um partido pragmático, um partido que dá resposta as preocupações das pessoas. O Livre tem uma longevidade mais reduzida e, aliás, tem estado com uma grande turbulência interna.

Acredito que o PSD tem muito mais recursos e muito mais capacidade, até pelo próprio espírito democrático dentro do partido, que lhe permitirá ter um sucesso neste novo passo que a política terá de dar. Mas também se se verificar que esse passo não serve os interesses do partido e de Portugal, então aí depois podemos rever essa abordagem.

Um dos problemas que têm sido apontados nos últimos tempos no PSD - e no fundo na vossa moção também acabam por reconhecer um bocadinho isso ao apontar a necessidade de formação - é que o PSD tem vindo a perder massa crítica. A que é que atribui essa perda?

Acho que é uma é uma circunstância generalizada da política em Portugal. O PSD tem sentido sempre grandes vozes de pensadores e, portanto, não quero cingir de todo isto ao PSD.


Acha que é genérico da política portuguesa?

Acho que é genérico da política portuguesa e, portanto, aquilo que propomos é a exatamente a instituição de uma academia de formação política, com estabelecimento de uma unidade de estudos e políticas públicas que seja permanente e profissionalizada. E, para isso, haverá depois a obrigação dedicar 20% do

financiamento público partidário para formação. No fundo, é dar suporte ao partido e aos dirigentes, mas também aos militantes e também pode servir eventualmente o conselho estratégico nacional. É uma janela que se abre de oportunidade à profissionalização, que é necessária na política, muito à semelhança do que acontece, por exemplo, no Partido Popular Europeu, que tem um “think tank” que serve depois o partido na produção de conteúdos, que servem a atividade política.

Está numa posição privilegiada para ter uma visão mais alargada da política. Estes problemas na política portuguesa de falta de ligação aos eleitores, necessidade cativar gente mais capaz para a política... em que diferente o cenário europeu que observa em Bruxelas?

Curiosamente, é um problema generalizado. Há muitas vezes aquela tendência de dizer que em Portugal é que as coisas estão mal, mas efetivamente não é o caso. Eu penso que é um ciclo, a história é feita de ciclos e a política é feita de ciclos. E nós aqui também temos um sistema que tem funcionado numa determinada maneira, mas temos também outras condicionantes que surgiram com a evolução da tecnologia, da forma como comunicamos e chegou agora a vez de a política se adaptar a essa nova realidade.

Sabemos que as organizações e instituições são sempre um bocadinho mais resistentes à mudança, mas temos de conseguir essa mudança dentro daquilo que é a democracia representativa. Isso é genérico em todos os países da Europa e é preciso dar uma resposta credível, que não embarque em situações extremistas e radicais de populismo, que sabemos que grassam um pouco por toda por toda a Europa. Eu acho que Portugal e o PSD pode dar aqui um sinal de abertura e pode ser até pioneiro nesta numa nova abordagem sem medo e sem receio e ir ao encontro das expectativas que as pessoas têm.

Muita gente qualificada diz que não vai para a política devido ao nível de suspeição que hoje existe sobre os políticos. Vocês propõem uma comissão de ética dentro do próprio partido. Isso não aumenta aquela ideia de que são todos uns malandros?

A comissão de ética prevê a adoção de vários de controles de integridade e transparência. Nós sabemos que uma pessoa que é, eventualmente, arguida num processo não é necessariamente culpada e até pode ser considerado inocente. Aquilo que se propõe para, de certa forma, blindar essa suspeição é precisamente através desta Comissão de Ética. Há pessoas com muita com capacidade, com dedicação que, por algumas circunstâncias, estão num processo judicial, mas isso não deve depois vir a representar um impedimento para participar nos órgãos próprios ou ocupar o lugar para que foi eleito. Acho a comissão de Ética dá segurança na escolha dos candidatos aos diversos órgãos políticos.

A Lídia foi uma das caras novas, senão mesmo mais a mais notória cara nova promovida por esta direção. Alguns dos outros partidos já têm uma nova geração a dar a cara no Parlamento e nos órgãos diretivos. Acha que o PSD ainda tem de fazer essa transição para uma nova geração ou sente que que essa transição tem vindo a ser feita, mas não tem sido muito visível?

Tem sido um progresso gradual nessa transição. É evidente que com Rui Rio há aqui uma série de novos protagonistas. Há arrojo nessa escolha. Eu sou também exemplo. Há aqui uma nova geração que se cria e que vai, certamente, em conjunto com as gerações mais velhas continuar este processo de transição, de abertura à sociedade civil. É também um legado de Rui Rio neste mandado. Se a nossa moção for bem-sucedida, nós também queremos aumentar o número de militantes e, portanto, também vamos conseguir mais protagonistas mais jovens e menos jovens. Mas há aqui claramente uma série de rostos que que vão continuar a dar a cara pelo partido nos próximos anos.

É relatora de dois relatórios no Parlamento Europeu, um sobre o combate a fraude no IVA e outro sobre as obrigações aplicáveis aos prestadores de serviços. Pelo que eu percebi verifica-se que há enormes perdas no IVA. Em que é que estes relatórios podem ajudar a diminuir essas perdas? E, por outro lado, é por aqui também passa o combate a fraude económica?

Sim, estes relatórios dão resposta a uma das dificuldades que tem sido verificada na Europa: há um grande desvio do IVA, na receita que é projetada e depois daquilo que é de facto arrecadado pelo fisco. Estamos a falar da ordem dos 137,5 mil milhões de euros por ano a nível a nível europeu. Há depois um outro aspeto que é uma fuga ao IVA no comércio eletrónico de 5 mil milhões de euros.

O que estes relatórios vêm fazer é dar uma resposta, que é instituir um novo um repositório de dados, chamado Cesop, para que haja mais troca de informações, não só entre autoridades fiscais, mas também entre as empresas. Este repositório é centralizado pela Comissão Europeia e é, no fundo, um mecanismo de reporte das empresas para depois averiguar que todas as compras feitas no comércio eletrónico ficam devidamente registadas e os impostos são pagos como devem. É um primeiro passo para dar a resposta aos 5 mil milhões de euros que são perdidos todos os anos em virtude da fraude que acontece na União Europeia.

E quando é que poderá começar a funcionar?

Estamos a apontar para 1 de janeiro de 2024. Requer algum requer esforço dos Estados-membros porque não há ainda a troca de informação necessária, é preciso harmonizar como é feita a troca de dados e, portanto, é claro que isto requer algum tempo. Nas propostas que tinha feito tinha pedido para entrar em vigor mais cedo, mas numa solução de compromisso foi este o resultado.

Ainda no que diz respeito ao combate a fraude e evasão fiscal, acha que o espaço europeu está mais combativo ou continuas a haver buracos, como será o caso do Luxemburgo?

A União Europeia tem sido pioneira no combate à fraude e corrupção e à evasão fiscal e a prova disso são as diretivas comunitárias que dizem respeito ao assunto, nomeadamente no combate ao branqueamento de capitais. Acho que, no contexto global, a União Europeia tem dado uma resposta, tem sido sensível áquilo que a opinião Pública no fundo e com razão crítica.

Acredito que ainda há algum caminho para percorrer, mas estou absolutamente convicta convicção de que a União Europeia tem sido pioneira no contexto global. É um problema que está identificado e que também não podemos ignorar do ponto de vista político porque promove a desconfiança das pessoas face às instituições e, portanto, é preciso trabalharmos para que que haja mais transparência nestes processos.

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  • Cidadao
    07 fev, 2020 Lisboa 08:32
    O presidente do PSD, mais conhecido como "o parolo do norte", levou um banho tático do Costa na questão do IVA da electricidade. Não aprendeu nada com o caso dos professores e voltou a cair nas mesmas armadilhas e a dar o dito por não dito, com avanços e recuos, uma política ziguezagueante em que só ele e os tipos que ele lá meteu, acreditam que foi bem feita. Bem pode agora vir pregar, que as coisas já se passaram e todos viram ele meter os pés pelas mãos e tentar disfarçar com retórica inconsequente. Assim, o psd não vai lá.

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