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​Hora da Verdade

Ministro da Defesa. Saída das tropas portuguesas do Iraque pode estar por duas semanas

27 jan, 2020 - 06:56 • Ana Rodrigues (Renascença) e Nuno Ribeiro (Público)

Em entrevista à Renascença e ao "Público", João Gomes Cravinho garante a segurança do armamento português depois do caso Tancos. Mas reconhece que lidar com esse caso foi a tarefa mais difícil que enfrentou. Agora o desafio é garantir a estabilidade das Forças Armadas. Promete aumentar os recrutas, mas recusa uma revisão geral da tabela salarial.

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João Gomes Cravinho “tranquilo e satisfeito” com atual segurança nos paióis
João Gomes Cravinho “tranquilo e satisfeito” com atual segurança nos paióis

A saída das tropas portuguesas do Iraque poderá estar por duas semanas, admite o ministro da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho. Os 35 homens enviados em novembro para a formação do exército do Iraque estão parados desde o início do janeiro, aquando do raide norte-americano que matou o general iraniano Qasem Soleimani.

Em entrevista à Renascença e ao “Público”, Gomes Cravinho faz um balanço dos seus 15 meses à frente do Ministério da Defesa. Reconhece o grande desafio da falta de efetivos e das dificuldades de recrutamento, mas sente-se cómodo com o Orçamento do seu departamento.

Ocupa o cargo há 15 meses e os desafios têm sido certamente muitos. Foi no recrutamento que encontrou mais dificuldades?

Esse é um desafio de já dez ou 15 anos, do qual se tem consciência mais apurada nos últimos anos. É um dos grandes temas que me tem ocupado e que me ocuparão nos próximos tempos. No entanto, estes 15 meses foram repartidos em três meses de um Governo e 12 meses de outro, com um horizonte completamente diferente.

Foi possível, num primeiro momento, dar força moral a uma instituição que se ressentia bastante do desastre de Tancos e, agora, no início de uma nova legislatura temos um horizonte diferente e a estabilidade desejável nas Forças Armadas.

Anunciou que os recrutas podem vir a receber o salário mínimo e estimou essa verba em um milhão de euros. Onde é que a vai buscar?

É uma hipótese na medida em que não está contemplada na versão inicial da proposta do Orçamento do Estado, estamos no processo de discussão da Assembleia do qual sairá a versão final. Foi uma proposta do PSD e outros também manifestaram interesse. Vamos ver se há possibilidade de enquadramos essa despesa na negociação que é feita em todas as áreas da governação. É algo que consta do nosso programa para profissionalização, atingiremos esse objetivo em breve, não posso garantir que seja já em 2020, mas será em 2021, se puder ser em 2020 tanto melhor.

Tem verba para esse plano?

O plano não está orçamentado, é um plano para cinco anos com vários elementos, alguns dos quais requerem verbas. O nosso compromisso é encontrar as verbas necessárias nos momentos certos.

Para 2020 há verbas atribuídas a esse plano?

Para 2020, no âmbito dos orçamentos dos ramos temos verbas para formação. Uma prioridade importante para fazer face à problemática dos efetivos é assegurar que cada militar que entre nas fileiras saia melhor qualificado.

Isso quer dizer que vão deixar de existir soldados motoristas ou a servir nas messes, e que esses serviços passam a ser externalizados?

Não é possível dar uma resposta sim ou não. Haverá circunstâncias em que algumas funções não militares vão ser desempenhadas por civis. Haverá outros casos em que algumas dessas funções continuarão por particularidades do regimento, de uma arma ou de um ramo.

A ideia é tornar as Forças Armadas mais aliciantes para os jovens e o aumento dos recrutas é uma das medidas?

É uma das muitas medidas, nesse caso estamos a falar só das primeiras cinco semanas, não estamos a falar dos seis anos do contrato.

E os soldados?

Significa que os recrutas vão ganhar logo à entrada o mesmo que no período inicial do contrato de seis anos, em vez de ter esse período prévio de cinco semanas em que ganham menos. Isso pode ser muito penalizador para um jovem recruta que vem de Bragança ou de Faro e que tem dificuldades em financiar o seu regresso a casa ao fim de semana. Temos que evitar que os jovens que sentem vocação militar não a possam assumir completamente por razões pecuniárias.

Isso não implica uma revisão de toda a tabela salarial?

Não, porque não estamos a falar de um passo na carreira, mas apenas das cinco semanas iniciais de recruta. Nas forças de segurança os que entram não têm nenhum período inicial em que ganham menos do que subsequentemente.

Não acha mal que nos outros escalões se mantenha o ordenado?

Fizemos um aumento significativo da ordem dos 8% de 2018 para 2019, de 580 para 635 euros à entrada [para soldado]. Claro que gostaria de dizer que vamos aumentar toda a gente, mas esta problemática tem de ser pensada no que é comportável para as finanças públicas como em relação à comparação com as outras áreas da administração pública, desde logo as forças de segurança. É um trabalho que ultrapassa de longe o universo da Defesa.

Para já não há revisão da tabela?

É natural que ao longo do ano se olhe para a tabela e ver como a podemos adequar às reais necessidades e ao que os militares merecem, mas esta matéria não pode ser separada da escala da remuneração de toda a administração pública.

Também há problemas na retenção porque, para além das saídas no final dos contratos, há os pedidos de abate aos quadros. Estas saídas são inevitáveis?

Algumas das saídas são, em particular no contexto de uma economia a crescer e de desemprego baixo. Temos militares com elevados níveis de formação, médicos, pilotos, mecânicos da Força Aérea, estas são áreas de procura nas empresas públicas que estão dispostas a dar melhores salários e a pagar as indemnizações que os militares têm de pagar quando saem antes de cumprirem o período de compromisso.

Na administração pública os salários são insuficientemente altos para competir com o setor privado, por isso temos de olhar para o nível de remuneração e também para outras formas de compensar o compromisso dos nossos militares.

Queremos que os militares olhem para o período em que estão nas fileiras como o período em que ganharam mais qualificações profissionais, o que pode tornar mais atraente passar para a vida civil.

Mas imaginem o contrário, imaginem uma situação em que degrademos as qualificações dos militares para não poderem ter melhor trabalho. Seria um absurdo. Se os jovens sabem que ao alistarem-se nas fileiras vão ter um processo de formação que favorece a sua carreira posterior, isso é um aliciante.

A falta de efetivos não impede o acesso à formação?

Esse é um problema transversal a vários países. As 43 medidas para a profissionalização têm abordagens distintas e o gestor da carreira do militar que criámos tem por objetivo assegurar que cada militar tenha alguém que olhe para a sua situação e diga se está ou não a progredir do ponto de vista de enriquecimento pessoal.

Os números estão a melhorar, houve uma melhoria de 2018 para 2019, o recrutamento suplantou as saídas. É uma melhoria modesta que não quero sobrevalorizar, quero que aconteça ano após ano.

Há médicos do Hospital das Forças Armadas a pagar 100 mil euros de indemnização para saírem das fileiras. Como se pode resolver este problema?

Não são os médicos que pagam elevadas quantias para saírem, são as empresas do setor privado que as custeiam. Há medidas tomadas e em curso que vão alterar a situação do Hospital das Forças Armadas. O Orçamento prevê já a contratação de 25 médicos, mas, mais importante, é a reorganização do sistema de saúde militar colocando a gestão dos médicos militares acima do posto de capitão no Estado Maior General das Forças Armadas para que haja uma lógica de conjunto em vez de estar dividida pelos ramos.

As decisões que tomei no despacho de final do ano de novembro vão no sentido de racionalizar um sistema que não era racional, pois havendo um hospital central das Forças Armadas não havia nenhuma lógica de conjunto na gestão do hospital.

Como está o pagamento das dívidas aos hospitais privados?

Pela primeira vez, o IASFA [Instituto de Apoio Social das Forças Armadas] está a abater dívida, foram 15 milhões de euros em 2019, outros 15 milhões em 2020 e mais 15 milhões em 2021, o que vai permitir o pagamento das dívidas. Vamos reestruturar as condições que levaram ao aumento da dívida e, por isso, há um aumento de 5,5 para 8,5 milhões de euros na assistência complementar do IASFA.

Não voltará a acontecer hospitais dizerem que não aceitam consultas ou tratamento de militares?

Há um diálogo estreito com os hospitais que já perceberam que aconteceu muita coisa nestes últimos meses e agora estamos a tratar de aspetos técnicos, os mesmos com que a ADSE se está a confrontar, relacionados com atos médicos não tabelados.

" As instituições militares e, em particular, os paióis, estão seguros. Hoje seria impossível"

Sente-se cómodo com este Orçamento?

Sinto-me cómodo com este Orçamento. Penso que qualquer colega de Governo diria o mesmo, naturalmente gostaria de ter um pouco mais, há sempre outras utilidades que poderíamos imaginar.

Temos um Orçamento que cresce, é o segundo ano consecutivo em que o orçamento da Defesa está a crescer, a crescer na ordem dos 5%, com uma afetação de mais de 20 milhões de euros para a Lei de Programação Militar e corresponde a todas as necessidades das Forças Armadas. A valorização dos seres humanos nas Forças Armadas vê-se melhor em 2020 do que em 2019 e ver-se-á melhor em 2021, temos um programa para uma legislatura.

No Parlamento disse que 60 a 70% da pirataria ocorre no Golfo da Guiné. A nossa presença em São Tomé é suficiente?

A nossa presença em São Tomé tem tido um efeito dissuasor…

Mas pode aumentar?

Pode, mas temos limites financeiros e de equipamento. Se por algum imperativo tivermos de enviar uma força para o Golfo da Guiné, o que não está neste momento em cima da mesa, só pode ser pela retirada de outro sítio.

Esteve com os seus homólogos francês e sueco a debater um reforço dos efetivos no Mali. Isso vai avançar?

Vai avançar. Já está contemplado no planeamento que fizemos para 2020 para as nossas forças nacionais destacadas, iremos reforçar durante seis meses a MINUSMA com uma aeronave C295 e entre 70 a 75 novos militares. O C 295 está equipado com um conjunto muito sofisticado de sensores, de aparelhos de vigilância que é fundamental para um território vasto como o do Mali.

Quando há uma decisão sobre as tropas portuguesas no Iraque?

Não há um horizonte temporal fixo, mas dentro de um par de semanas teremos de tomar uma decisão, que será baseada na retoma das atividades de formação. Se não houver perspetiva de retoma e como este contingente, que foi em novembro e tem regresso para maio, não podem ficar dois ou três meses sem fazer nada.

Será decidido em meados de fevereiro?

Até lá, penso que temos de tomar uma decisão, estamos a falar de atividades de formação que foram interrompidas na primeira semana de janeiro numa missão de seis meses, com consequências grandes para a utilidade desse contingente. Não quero dar uma data precisa porque é difícil aquilatar o que pode acontecer no plano politico, mas dentro de duas semanas teremos de tomar uma decisão.

E na República Centro-Africana?

É um desafio complexo e que este ano é particularmente difícil porque há eleições no final do ano e há expectativa de aumento de tensão. A nossa força de reação rápida é fundamental para que a MINUSCA possa desempenhar o seu papel. Portanto, vamos manter o que temos na República Centro-Africana.

Estamos na instrução do processo de Tancos. O que foi feito, depois daquele furto, em termos de melhoria de segurança dos paióis?

Houve um trabalho aprofundado de análise do que correu mal, e as instituições militares e, em particular, os paióis, estão seguros. Hoje seria impossível. Conhecemos o ditado popular de casa roubada e trancas à porta. A casa foi roubada e o que posso dizer é que as trancas estão à porta.

Visitei as instalações, os chefes militares deram-me as explicações necessárias que me deixaram tranquilo e satisfeito em relação ao nível de segurança do que está à nossa guarda.

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