Emissão Renascença | Ouvir Online
Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
A+ / A-

​A China e a epidemia

27 jan, 2020 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


Para travar a difusão do coronavírus, que se espalha pela China e pelo mundo, as autoridades chinesas tomaram medidas drásticas, de grande violência. Medidas que uma sociedade democrática dificilmente poderia aceitar.

Ao contrário do que acontecera em 2002, com o Síndrome Respiratório Agudo Grave (SARS), que matou centenas de pessoas na China e noutros países, desta vez as autoridades chineses ao mais alto nível não tentaram esconder a gravidade do surto do coronavírus, o que se aplaude. Xi Jinping disse que que os dirigentes locais deveriam colocar a vida e a saúde das pessoas em primeiro lugar, afirmação que foi entendida como uma proibição de quaisquer encobrimentos.

Os primeiros casos desta epidemia surgiram na cidade de Wuhan, que tem 11 milhões de habitantes – mais do que Portugal inteiro. Inicialmente, não se percebeu ali a perigosidade do coronavírus. Mas quando se tornou claro que a doença era transmissível por contacto humano, logo foram tomadas medidas drásticas.

Os transportes públicos deixaram de circular e foi impedida qualquer saída ou entrada na cidade, por terra (comboio, autocarro e automóvel) ou por avião. No momento em que escrevo, 16 outras cidades chinesas estão igualmente “encerradas” e sem circulação de transportes públicos, envolvendo mais de 50 milhões de pessoas nessa penosa situação.

Apesar de por estes dias se celebrar a passagem do ano chinês, a maioria dos festejos foi cancelada. É nesta altura que os chineses mais viajam – mas agora muitos foram impedidos de o fazer.

Estas violentas medidas contribuem para travar, espera-se, a rápida difusão do vírus na própria China e no resto de mundo. Mas não totalmente, claro: o coronavírus já se faz sentir um pouco por toda a parte (felizmente ainda não em Portugal).

Por outro lado, vemos iniciativas de emergência que nos deixam surpresos, como construir em pouco mais de uma semana um novo hospital em Wuhan ou deslocar para ali centenas de médicos militares, para suprir a falta de médicos naquela cidade. Eficácia chinesa? Até certo ponto, certamente. Mas nada disto seria possível numa democracia que respeitasse as liberdades e os direitos humanos.

Se ficamos mais tranquilos por a China tomar este tipo de medidas, estas não deixam de ser manifestações de uma opressão enorme do poder político chinês sobre a população do país. Um poder totalitário que limita ferozmente a esfera pessoal de liberdade dos chineses, muitos dos quais não são tratados pelas autoridades como pessoas.

Nestas circunstâncias epidémicas até dará jeito, mas é algo inquietante.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.