23 jan, 2020
Quando, em Israel, um numeroso grupo de altos dirigentes políticos de toda a parte, incluindo o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, evoca os 75 anos da libertação do campo da morte de Auschwitz, no fim da Segunda Guerra Mundial, importa sublinhar que um dos motivos desse magno encontro é o triste facto de o antissemitismo estar agora de volta. E que esse funesto regresso não poupa alguns meios católicos.
O confronto do cristianismo com o judaísmo (não confundir com o Estado de Israel) tem, infelizmente, longas raízes históricas. Recordem-se a expulsão dos judeus de Portugal e Espanha no final séc. XIV, a perseguição movida pela Inquisição a tudo o que parecia ligar-se ao judaísmo, e o caso Dreyfus, na França do fim do séc. XIX. A França católica estava quase toda contra Dreyfus, um militar judeu injustamente condenado e apenas reabilitado em 1906.
O Concílio Vaticano II alterou, para melhor, as relações entre a Igreja Católica e a comunidade judaica. Sucessivos papas e em particular o Papa Francisco estabeleceram excelentes relações com destacadas figuras do judaísmo. De facto, “o cristianismo não faz qualquer sentido sem as suas raízes judaicas”, como escreve Francis X. Maier no “site” americano “The Catholic Thing” (um texto traduzido pelo meu colega jornalista da Renascença Filipe d’Avillez, ao qual devo o acesso a este artigo).
Francis X. Maier recorda o cardeal francês Jean-Marie Lustiger, de origem judaica, que morreu em 2007, aos 80 anos; foi arcebispo de Paris entre 1981 e 2005. “Ele compreendia que, para os cristãos, o antissemitismo/anti-judaísmo não é apenas um mal, mas uma forma particularmente grotesca de blasfémia e ódio por si mesmo; um ódio pelas nossas origens e raízes no Deus de Israel”. F. X. Maier cita palavras do próprio cardeal Lustiger: “Uma das tragédias da civilização cristã é que se tornou ateia mas afirma permanecer cristã… A sorte reservada aos judeus é uma prova para saber se nós, enquanto pagãos cristianizados, aceitámos verdadeiramente Cristo.”
“O Holocausto é a maior catástrofe moral do Ocidente moderno”, afirma com razão F. X. Maier. Acrescento que o genocídio maciço dos judeus e de outras minorias pelos nazis me parece algo muito próximo do mal absoluto. É que a “solução final” (o assassinato geral dos judeus) começou em 1941, em plena segunda guerra mundial. A logística dessa sinistra operação envolveu meios consideráveis, em particular comboios, prejudicando necessariamente o esforço nazi de guerra. Uma completa irracionalidade, que retirava a qualidade de pessoa humana às vítimas do ódio nazi.