Tempo
|
José Miguel Sardica
Opinião de José Miguel Sardica
A+ / A-

Pablo “Robespierre” Iglesias

22 jan, 2020 • Opinião de José Miguel Sardica


Está ainda disponível na net um texto de opinião de um importante político espanhol onde se pode ler o seguinte: “Dizia Robespierre que não havia que provar que o rei cometera algum delito; a sua mera existência era em sim mesma um crime […] O que valia para o rei nos tempos da Revolução Francesa vale hoje para o capitalismo […] Faz falta um pouco mais de Robespierre e, porque não, uma guilhotina na Puerta del Sol”.

Incorrigivelmente revolucionária, senão mesmo sanguinária, esta prosa seria compreensível se publicada num panfleto comunista ou anarquista saído das barricadas populares antifranquistas da Guerra Civil de 1936-1939. Não é assim. O texto data de 2013, não (me) consta que tenha sido burilado e o seu autor é Pablo Iglesias Turrión – professor universitário, político, escritor, apresentador de televisão, líder do Podemos espanhol e, mais importante que tudo, vice-presidente do recém-empossado governo de Espanha.

É claro que o jacobinismo de Pablo Iglesias não pode ser tomado à letra. Acontece que a letra não é tudo, e o que aqui conta é o espírito. Iglesias odeia o capitalismo como um “crime”, e nessa condenação não pode deixar de ir também uma séria reserva a tudo aquilo que a ele se associa – o mercado aberto, a sociedade livre e o Estado democrático. Maximilien de Robespierre, o líder do Terror na fase mais sangrenta da Revolução Francesa, foi mais complexo e interessante do que o pequeno Iglesias. Mas à distância de mais de dois séculos, o líder do Podemos partilha com o “Incorruptível” a mesma visão radical, sectária e intransigente do mundo e das pessoas. Ora, o radicalismo, tal como historicamente ele se desentranhou a partir das clivagens abertas pela grande Revolução em França, é diferente – não em grau, mas em espécie – do liberalismo, tal como historicamente ele evoluiu a partir dos grandes autores e debates que, negando a soberania divina dos reis, jamais aceitaram o império anárquico das massas e dos seus demagogos de opinião. Alexandre Herculano, um liberal monárquico, nada queria com a “democracia” das “turbas”; muito diferentemente, João Chagas costumava dizer que era por ser “radical” que não podia ser… “liberal”.

É, portanto, um radical, para quem o modo de vida capitalista (e que é um modelo não só económico-social, mas também político-moral de existir) é intrinsecamente criminoso, devendo ser erradicado por sujeição às “guilhotinas” possíveis (talvez um pacote de leis fraturantes e uma política fiscal de confisco estatal), que assume hoje o papel de n.º 2 do governo de um grande país da Europa ocidental. Nos impedimentos de Pedro Sánchez, e condicionando Sánchez e o PSOE, será esse “Robespierre espanhol”, versão pós-moderna e “urban chic” da Passionaria Ibarruti, que discutirá política com Filipe VI, um rei Borbón que as consanguinidades da história fazem ser um longínquo parente daquele Luís XVI guilhotinado pelo jacobinismo em Paris, em 1793. É verdade que Filipe VI não precisa de ter medo. Nos dias de hoje – e que ao menos sirva para isso – a União Europeia modera um pouco os que se chegam ao poder, e por isso o Podemos lá teve de se dissociar dos independentistas da Catalunha. Ainda assim, causa espécie que o PSOE tenha tido de “geringonçar” com os radicais para conseguir a investidura governamental do que chamam “coligação progressista”. E causa alarme que, cindida a Espanha em dois blocos pouco comunicantes entre si, também à direita, do outro lado da barricada que esvaziou qualquer centro dialogante no país vizinho, PP e Ciudadanos precisem de fazer pela vida se não quiserem ver uma crescente parte da oposição antissocialista ser seduzida pelo radicalismo do Vox.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.