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Porto. Cobrança de "avisos" por estacionamento abusivo é ilegal, afirma especialista

10 jan, 2020 - 16:50 • Lusa

Em quatro anos, a EPorto, responsável pelo controlo do estacionamento pago na via pública da cidade, arrecadou mais de 13 milhões de euros de receita para o município.

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A cobrança de "avisos" pela concessionária do estacionamento no Porto é ilegal e até inconstitucional, dado que a autarquia não pode conferir à EPorto o poder de cobrar taxas, defende uma especialista em direito administrativo.

"A cobrança de taxas municipais e, como tal, da taxa devida pelo estacionamento em zonas de estacionamento pagas não pode ser objeto de concessão, a menos que exista uma norma legal que habilite essa concessão", defende Juliana Ferraz Coutinho, docente da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, salientando que, do seu conhecimento, essa norma não existe.

De acordo com a especialista, "as autarquias locais não são detentoras de poderes próprios de delegação em terceiros das funções que lhe estão confiadas pela Constituição da República Portuguesa e pela lei, pelo que, a menos que haja uma norma de habilitação legal que permita a delegação destes poderes, não podem as autarquias celebrar contratos de concessão pelos quais confiram a terceiros o poder de cobrar taxas".

"Um contrato celebrado nestes termos contraria o princípio da separação de poderes e seria nulo por usurpação de poderes", acrescentou, sublinhando que "uma norma regulamentar não é suficiente" para habilitar a autarquia a fazê-lo.

Os regulamentos das autarquias locais, salienta a docente, "estão subordinados à lei e à Constituição da República Portuguesa, não podendo afastá-la, modificá-la, nem se substituir a ela".

"O exercício do poder regulamentar não deixa de se reconduzir ao exercício da função administrativa e de estar subordinado ao princípio da legalidade, devendo ser conforme à Constituição da República Portuguesa, sob pena de inconstitucionalidade, e à lei, sob pena de ilegalidade", sustenta.

A Lusa questionou o município do Porto, mas sem resposta até ao momento.

Desde 2016 que a EPorto, uma das sociedades que integra o Grupo Empark, detém a concessão do estacionamento pago na via pública da cidade do Porto, tendo arrecadado, em quatro anos, mais de 13 milhões de euros de receita para o município.

Este valor resulta, entre outros, do pagamento que os automobilistas fazem voluntariamente nos parquímetros e das taxas cobradas pela empresa, com recurso aos 'avisos' deixados nos veículos em parqueamento abusivo e que o município diz serem uma "taxa prevista em código regulamentar do município, que corresponde à totalidade do dia, caso o condutor não apresente título válido".

No caso de o automobilista não cumprir com o pagamento da taxa prevista no regulamento, pode infringir numa contraordenação rodoviária, cuja coima só pode ser cobrada por agentes da autoridade ou equiparados.

No Porto, e segundo a câmara, os controladores de estacionamento da concessionária EPorto não se encontram ainda credenciados pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) para o efeito, não podendo, por isso, emitir "qualquer auto de contraordenação".

Para Juliana Ferraz Coutinho, a equiparação a autoridade administrativa dos trabalhadores da EPorto é necessária para o cumprimento do contrato de concessão, uma vez que o exercício da atividade [de fiscalização] que lhe foi contratada depende dessa equiparação", pelo que, não havendo lugar a essa equiparação, e sendo o atraso imputável ao concessionário, o contrato pode "ser resolvido por incumprimento".

No caso de a equiparação ser negada, salienta a especialista, o contrato poderá também ser resolvido por incumprimento, podendo, neste caso, a fiscalização ser assegurada pela polícia municipal, por pessoal de fiscalização da autarquia ou das empresas municipais designado para o efeito e que seja equiparado a autoridade ou seu agente.

Segundo o município, em declarações prestadas anteriormente, o parecer solicitado pela EPorto para proceder, junto da ANSR, à equiparação dos seus fiscais a autoridade administrativa já foi remetido à concessionária, tendo aquela autoridade "analisado o processo em causa e emitido o seu parecer favorável".

Contudo, e apesar dos sucessivos contactos da Lusa junto da ANSR para obter esclarecimentos, até ao momento, aquela entidade não respondeu a nenhuma das questões levantadas, algumas delas desde julho.

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