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José Miguel Sardica
Opinião de José Miguel Sardica
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Os anos 20

08 jan, 2020 • Opinião de José Miguel Sardica


Hoje, o pós-Brexit e o pós-Merkel, por um lado, os desequilíbrios económicos entre norte, sul e leste, e as ferrugens institucionais da própria UE, por outro lado, ditarão que Europa prosperará ou subsistirá.

Dispensando a polémica de se saber se o novo ano trouxe o começo de uma nova década, ou se a dita só se inicia na passagem de 2020 para 2021, o facto, novo, é que desde a semana passada o terceiro dígito do número que refere o ano deixou de ser “1” para passar a ser “2” – isto, claro, no calendário ocidental, diferente do judaico ou do islâmico. Acabaram os anos 10 e começaram os anos 20.

A expressão “anos 20” tem, em história, uma ressonância conhecida. Até há dias, não significava outra coisa senão a década de 1920. Num mundo acabado de sair da I Guerra Mundial, foi um tempo de fortíssimos contrastes, entre uma Europa em que os custos económico-sociais da reconstrução do pós-Guerra se faziam sentir terrivelmente e a crise das democracias se ia instalando, e uma América “ruidosa” ou “louca”, exibindo uma prosperidade e um hedonismo que ruiriam mais tarde, após o crash bolsista de Wall Street, em 1929. Fora do Ocidente euroamericano, a Rússia estava no caminho da sua difícil e sangrenta transformação em URSS, a China a custo sobrevivia inteira, mergulhada nas guerras civis do nacionalismo republicano, enquanto a África, o Médio Oriente islâmico, a Índia ou a Oceânia ainda eram partes de impérios europeus, ou áreas de influência ocidental preponderante. No final dos anos 1920, as ditaduras tinham já, ou estavam em vias disso, submergido as democracias e a economia capitalista ia entrar na sua mais grave depressão de todo o século XX, abrindo a porta ao “vale escuro” dos anos 1930.

A ninguém é dado saber – a não ser a profetas de futurologia – como estará o mundo quando os anos 2020 acabarem. Mas não é irreal perspetivar o que poderão ser os grandes temas e problemas da década agora iniciada. Desde logo, não precisamos do ativismo algo folclórico dos ambientalistas para aceitar que a questão climática será dominante, como por estes dias mostram os grandes fogos na Austrália, as grandes cheias na Indonésia e a vaga de frio na Índia (tudo anormalidades que acontecem quase paredes meias…). Em 2030, a pressão populacional sobre os equilíbrios da natureza e sobre os seus recursos precisará de ter encontrado novas soluções e as políticas ambientais transnacionais de terem cumprido metas hoje adiadas.

Talvez num futuro próximo as grandes guerras sejam lutas por terra seca, ou irrigada, e pela água. Mas continuarão também a existir ou a espreitar por causa da política. Neste aspeto, a cenarização é mais arriscada.

O pós-Brexit e o pós-Merkel, por um lado, os desequilíbrios económicos entre norte, sul e leste, e as ferrugens institucionais da própria UE, por outro lado, ditarão que Europa prosperará ou subsistirá. Globalmente, se é verdade que a ONU é mais capaz do que a sua longínqua antecessora SDN, a paz e a guerra no mundo dependerão das rotas seguidas por Putin (um novo Czar?), por Xi Jinping (o homem mais poderoso do mundo?), ou por Trump (haverá, e de que tipo, um segundo mandato?), e por quem um dia lhes suceder. De caminho, espera-se que não suceda, nestes nossos tempos, a mesma erosão das democracias de há cem anos, às mãos do iliberalismo, das intolerâncias culturais ou religiosas e das guerras cibernéticas e de “fake news” que vão grassando, e que o mundo islâmico, cuja emancipação começou após a I Guerra Mundial, possa conter os seus radicais e maximizar uma moderação dialogante com o “outro”, sobretudo no Irão, Iraque, Síria e na eterna questão israelo-palestiniana.

Tudo isto são hipóteses e desejos. O que o futuro tem de mais belo e desafiante é não estar está feito, nem pré-determinado. Competirá à humanidade, nestes próximos dez anos e em nome do máximo bem comum, construí-lo da melhor forma possível.

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