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Entrevista Público/Renascença

PSD alerta que há margem para mais cativações e os milhões da Saúde “até podem ir para outra área”

19 dez, 2019 - 00:00 • Eunice Lourenço (Renascença) e Helena Pereira (Público)

Álvaro Almeida, deputado e co-autor do programa económico do PSD, explica que "é preciso distinguir o que são os anúncios mediáticos daquilo que está efectivamente no Orçamento do Estado".

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O sentido de voto do PSD no Orçamento do Estado para 2020 "ainda não está definido", avisa o deputado e co-autor do programa do PSD, Álvaro Almeida. Deixa elogios ao facto de haver excedente orçamental ("É preciso aproveitar" a conjuntura de expansão e desemprego baixo, diz), mas deixa ainda mais críticas ao Orçamento, sublinhando que o que parece pode não ser.

Na entrevista Público/Renascença, que pode ouvir esta quinta-feira às 13 horas, o deputado faz um aviso ao PSD-Madeira e comenta a eventualidade de Rui Rio deixar de ser líder do partido a meio da discussão do Orçamento.

O que é que a proposta de Orçamento do Estado (OE) apresentada pelo Governo tem de bom?
Começa pela parte difícil. Uma primeira nota: no momento em que estamos a gravar o OE na sua segunda versão foi entregue há menos de 24 horas. Portanto, ainda não tivemos oportunidade de analisar em detalhe o seu conteúdo efectivo. Vimos as linhas gerais e os grandes números. A esse nível, a única coisa de positivo que encontro é o cumprimento do objectivo de médio prazo, nomeadamente, um saldo estrutural de zero, um orçamento equilibrado em termos estruturais. Teremos que ver se efectivamente é assim.

E o aspecto negativo?
São muitos. Em primeiro lugar, a carga fiscal. O país, de facto, não aguenta mais impostos. Mesmo na segunda versão deste OE, a carga fiscal sobe. Já atingiu níveis historicamente elevados e insuportáveis para os portugueses.

É prudente descer impostos nesta altura ou não há necessidade de ser prudente?
O PSD apresentou um quadro macroeconómico no qual mostrou que era compatível uma redução da carga fiscal com o cumprimento do equilíbrio orçamental. Isto leva-me ao segundo ponto negativo neste orçamento: o facto de não haver nada de relevante de promoção do crescimento. Prevê uma estabilização do crescimento económico à custa da recuperação da procura externa, ou seja, factores que estão fora do controlo deste Governo. No OE, não há nenhuma estratégia visível de promoção de crescimento, aposta no investimento e nas exportações.

Mas tem medidas de apoio às empresas que não havia no do ano passado.
Temos que ver exactamente o que são essas medidas, qual o seu verdadeiro impacto. Temos historial, com estes mesmos protagonistas, de anúncios, promessas, medidas que supostamente são muito boas para estes e aqueles e que depois têm um impacto praticamente nulo, extremamente reduzido. Tendo em conta quatro anos de promessas que não são cumpridas, temos que estar muito cépticos quanto a essas medidas anunciadas com grande pompa e circunstância. Só depois de uma análise detalhada do conteúdo efectivo é que nos podemos pronunciar.

Então não é certo que o PSD vá votar favoravelmente as medidas que incidem sobre as empresas, é isso?
O sentido de voto do PSD não está definido a nível nenhum. Sobre sentidos de voto, não tenho comentários a fazer.

É mesmo importante ter um OE com excedente ou é só mais uma flor na lapela de Mário Centeno?
Se é importante ter contas equilibradas em termos estruturais, é fundamental. Só assim conseguiremos reduzir a dívida pública para níveis compatíveis com o financiamento da economia. Na actual conjuntura, um saldo estrutural equilibrado implica um excedente no saldo global porque estamos numa época de expansão com um desemprego muito baixo. Nestas alturas, é preciso aproveitar para poder [depois vir a] ter défices nos momentos em que a economia não esteja tão bem e em que as receitas fiscais caiam para não ter que cortar na despesa de forma abrupta pondo em causa os serviços públicos.

Não é fã então da receita de Manuela Ferreira Leite que defendeu um aumento já do défice para permitir mais investimento público?
É possível haver mais investimento público com um saldo estrutural equilibrado. O programa do PSD tinha mais investimento público. A questão não é uma coisa ou outra.

Também previa um maior crescimento da economia e há muitos receios que a economia vá entrar em queda.
Sim, mas para 2020 não era muito diferente das previsões do Governo. Há margem para mais investimento público desde que haja um controlo da despesa corrente através de melhor gestão, coisa que este Governo não faz.

Este OE não tem medidas nesse sentido?
Não vejo. Mais uma vez é preciso distinguir o que são os anúncios mediáticos daquilo que está efectivamente no OE. Em termos de anúncios mediáticos, há finalmente um reconhecimento por parte do Ministério das Finanças que há áreas em que a gestão dos serviços públicos tem que ser melhorada e inclui-se mais autonomia de gestão para os hospitais do SNS.

O ministro Mário Centeno até fez um aviso que isto implica mais responsabilização.
O ministro referiu-se expressamente a isso porque seria uma grande inovação. Se for executado, é uma boa notícia. Mas no passado já foi anunciado para 11 hospitais que haveria essa autonomia de gestão e neste momento são três ou quatro que têm essa autonomia.

A ministra da Saúde diz que é porque ainda nem todos apresentaram plano de actividades e isso é condição.
Há sempre uma razão. É esse histórico que lhe referi há bocado. Há um histórico de anúncios e que depois, ou por isto ou por aquilo, há sempre uma razão qualquer pela qual isso não está no terreno.

É professor na área da economia da saúde e já foi presidente da Entidade Reguladora para a Saúde. Em sua opinião, os mais de 800 milhões de euros para a saúde vão servir para quê?
Isso tem que ser escalpelizado. Os anúncios foram de alguma forma até contraditórios, falou-se em 800 milhões, depois já eram 900. Depois é preciso saber desses 900, o que é investimento, o que é para financiar despesa corrente, o que é para pagar dívidas. Tudo isso são aspectos que temos que analisar em detalhe. Até porque já deu para perceber que este OE, como o anterior, tem uma diferença entre aquilo que está em contabilidade nacional e o que está em contabilidade pública. O que está em contabilidade pública é o que efectivamente é aprovado pela Assembleia da República e é isso que representa uma restrição efectiva à actuação do Governo. Ora, os valores não são coincidentes. Há valores diferentes em contabilidade nacional e contabilidade pública. Eles são sempre diferentes mas a passagem de contabilidade nacional para contabilidade pública não bate certo com os mapas. Na prática, isso significa que, entre aquilo que é autorizado pela Assembleia da República e o que pode ser executado para respeitar o que está em contabilidade nacional, vai uma diferença que está nas cativações. De facto, o orçamento que estamos a aprovar é um chapéu que vai permitir ao ministro das Finanças gerir depois efectivamente o orçamento. Pode ser que os 800 milhões não vão para a saúde e acabem por ir para outra área qualquer, porque o que é aprovado na AR permite isso e no passado isso já aconteceu. Segundo, mandar dinheiro para cima dos problemas não os resolve necessariamente. Não tenho agora os valores de cor mas a ordem de grandeza é esta: segundo o relatório do OE, o orçamento da Saúde terá aumentado 20% e a produção aumentou 3 ou 4%. Essa discrepância entre o dinheiro que se gasta e o que se retira do sistema é o grande erro do PS. Adopta modelos de gestão que são ineficientes. Para dar um exemplo, segundo o Tribunal de Contas, a PPP do hospital de Vila Franca de Xira poupou 30 milhões de euros. O que é que o Governo decide? Acabar com a PPP. Com essa incapacidade de gestão por estar preso a dogmas ideológicos, estamos a mandar dinheiro para cima do SNS sem que isso represente uma melhoria dos serviços prestados.

O PSD tem algumas propostas já pensadas para a discussão do OE ou áreas em que gostava de dar o seu contributo?
Tudo isso depende do que estiver no OE. As propostas de alteração pressupõem saber exactamente o que está no Orçamento. Vamos analisar e, nos aspectos que podem ser melhorados, vamos fazer propostas. Quais são os aspectos, não posso adiantar nesta fase.

Mas admite fazer propostas? Já houve anos em que o PSD não fez.
Vamos ver. Podemos chegar à conclusão que o OE está tão mal que não vale a pena porque precisávamos de um novo. É muito cedo.

Há posições de princípio claras para o PSD ou não, como, por exemplo, aumento extraordinário de pensões? O PSD é a favor?
Uma das questões de princípio é a que lhe disse inicialmente: as contas públicas devem estar equilibradas. Todas as propostas que fizermos respeitarão esse princípio. Se me pergunta: o PSD é a favor de aumentos de pensões, aumentos de salários, aumento de subsídios, com certeza que sim. A questão é saber quais são aqueles que são prioritários.

É o que gostava de saber.
Isso só depois de analisar o Orçamento.

Para cada proposta que tiver, terá sempre uma atitude responsável de propor sempre o equilíbrio das contas, é isso que está a dizer?
O PSD é um partido de Estado, de governo e será responsável em todas as suas propostas.

O ministro Mário Centeno, que desafiou os partidos a apresentar sempre as contas, pode ficar descansado?
O PSD não apresentará nenhuma proposta que ponha em causa as contas públicas.

Nem o IVA da electricidade?
De maneira a pôr em causa as contas públicas, não.

Se Rio perder as directas, isso “não diminui” a legitimidade para negociar o OE

Se Rui Rio perder as eleições directas dia 11 de Janeiro, haverá aqui um problema de legitimidade para o actual líder negociar o OE?
Falta de legitimidade certamente que não. O PSD tem um líder, um líder parlamentar e órgãos que estão a funcionar e que têm toda a legitimidade para definir qual deve ser a posição do PSD em todas as votações que sejam realizadas na AR. Agora, reconheço que há aí uma questão que pode acontecer: entre a votação na generalidade e a votação na especialidade pode ter mudado o líder do PSD. Mas isso não diminui nem põe em causa o grupo parlamentar do PSD nem a sua capacidade em defender os interesses do país no Parlamento.

Nesse caso, como é que Rui Rio tomará decisões sobre o que aprovar ou não ou que acordos fazer com o Governo?
Há um grupo parlamentar em funções e certamente nessa altura as decisões serão tomadas pelos órgãos legítimos dos partidos. Não me parece natural admitir que o presidente vá mudar. Não é essa a questão. Certamente, se isso acontecer, o PSD tem órgãos e mecanismos e todos os líderes actuais e futuros têm sentido de responsabilidade e tudo isso será devidamente gerido sem pôr em causa a capacidade de actuação no Parlamento.

Vai haver disciplina de voto na votação do OE? Pergunto isto por causa dos deputados do PSD-Madeira que admitem votar a favor?
Essa questão ainda não se colocou. Se se colocar, na altura o PSD saberá lidar com o assunto.

E depois o Conselho de Jurisdição tratará do assunto?
Exactamente. Terá que tratar do assunto.

O último Conselho Europeu esteve muito longe de um acordo sobre o orçamento da zona euro. Estaria do lado de Centeno ou de Costa naquela discussão?
Eu estou sempre do lado de Portugal. A questão é saber se aquele é o melhor acordo para Portugal ou não.

Qual é a sua opinião?
É o acordo possível. Sabe que nestas questões dos acordos internacionais nunca ninguém está satisfeito. Foi o acordo que foi conseguido. Se for possível melhor, com certeza que sim. Se aquele é o ideal para Portugal, não é. Também não é o pior de todos para Portugal.

Havendo a possibilidade de um novo mandato à frente do Eurogrupo, o PSD apoiaria Centeno para novo mandato?
É bom para Portugal ter portugueses em cargos internacionais importantes que o caso do Eurogrupo. É bom para Portugal que um ministro do seu Governo esteja à frente do Eurogrupo. É algo que devemos defender.

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