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Roberto Carneiro

“Todos gostavam de ter o seu Macauzito. Temos que saber aproveitar essa ligação à China”

19 dez, 2019 - 08:00 • Celso Paiva Sol

Em entrevista à Renascença, Roberto Carneiro faz um balanço positivo das duas décadas de controlo chinês de Macau, mas admite que a região “corre o risco de contágio” dos protestos em Hong Kong. Destaca a importância da língua portuguesa e lamenta que Portugal não tenha uma estratégia para a China.

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“Todos os grandes países gostavam de ter o seu Macauzito. Temos que saber aproveitar essa ligação à China”, afirma Roberto Carneiro, presidente do conselho de administração da Fundação Escola Portuguesa de Macau.

Em entrevista à Renascença, Roberto Carneiro faz um balanço positivo das últimas duas décadas, mas considera que Portugal ainda não retirou tudo o pode da relação com a China.

Que balanço faz destes 20 anos que já passaram desde a transição administrativa de Macau para a China?

Faço um balanço francamente positivo. Claro que tem havido algumas dificuldades, são duas culturas e dois países diferentes, é natural que haja alguns problemas, alguns preconceitos, inclusivamente, porque há alguns radicais que não gostam dos portugueses.

Mas a verdade é que, apesar de tudo, foi possível ultrapassar esses radicalismos e fazer 20 anos construtivos. Digo isto sinceramente. Macau é único e tem características únicas, tem essa coisa de ser Macau, e o macaense ajuda muito.

Eu acho que a língua portuguesa é vital para isso. Sem a língua portuguesa não há segundo pilar. O português hoje está mais expandido em Macau, fala-se mais português hoje do que se falava em 1999, e nessa altura deixamos poucos traços da língua no território. Mas hoje o português está muito mais difundido e é muito mais útil, porque tem que ser útil senão é que desaparece mesmo.

Na escola portuguesa já funcionamos num registo trilingue (português, chinês e inglês). É isso que tem que acontecer e é isso que estamos a tentar implementar. Havia muitas pessoas que, em 1999, diziam que a escola portuguesa ia morrer, porque não teria alunos. Hoje temos mais 20% de alunos, muitos deles chineses.

Não estamos ainda sequer a meio dos 50 anos definidos pela declaração conjunta e há quem diga que a China dá sinais de estar com alguma pressa na sua aplicação. Acha que os protestos em Hong Kong podem contagiar Macau?

Há preocupações evidentes por causa do que está a acontecer em Hong Kong. As coisas não voltarão a ser as mesmas em Hong Kong. Eu penso que a China não irá intervir militarmente em Hong Kong, mas o que lá está a acontecer faz mossa no pensamento chinês. O chinês quer estabilidade, o valor principal dos chineses é a estabilidade, e aquilo não está estável.

Macau, felizmente, tem conseguido manter a estabilidade, isolar-se de Hong Kong, mas corre de facto o risco de contágio. O grande trunfo de Macau, repito, é a língua. Por isso mesmo, Portugal tem que ter uma estratégia clara para a China. Não temos, nem nunca tivemos.

Falo com americanos, falo com japoneses, com russos e dizem-me: “nós gostávamos de ter um ‘Macauzito’, para podermos estar na China. Temos que aproveitar aquela plataforma que é essencial para entrar na China. Toda a gente quer o mercado chinês e nós também devíamos querer. A China tem feito bem a Portugal, à EDP, à REN, aos bancos, à Fidelidade, tem ajudado. A China tem liquidez que nunca mais acaba e tem ajudado Portugal.

E como vê o crescimento de Macau nestas duas décadas?

Macau tem que regenerar a forma como vive do jogo e do turismo.

Admito que tenha sido uma fase necessária passar por aquilo em que se transformou, mas tem que ultrapassar isso e apostar num outro tipo de turismo, mais familiar, ter outro tipo de diversão. Aquilo parece um conto de fadas, com Veneza e a Torre Eiffel. Tem que ultrapassar aquilo.

Em 1999, ainda no tempo do governador Rocha Vieira, fiz um estudo prospetivo para o futuro de Macau e o cenário possível era a “Las Vegas do Oriente”. Mas num cenário mais flexível, com um turismo mais familiar, do género Disneylândia, mais virado para crianças. Eu penso que o Governo de Macau terá que ter essa aposta de futuro, resgatar o território dessa única fonte de receita que é o jogo.

E gosta daquilo que se vê quando se chega a Macau?

Aquilo tem um gosto muito duvidoso. Mas é evidente que aquilo foi um passo intermédio necessário, e admito que sim, eu não o teria feito, mas foi necessário fazê-lo.

Não culpo ninguém, o Governo teve as suas opções e conseguiu bastante sucesso. De facto, Macau tem, hoje em dia, um rendimento per capita muito alto e tem a densidade populacional mais alta do mundo. Macau tem esses dois troféus para apresentar.

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