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Aveiro

“Vouguinha” a vapor regressa para dar nova vida a linha centenária

12 dez, 2019 - 14:18 • Júlio Almeida

Têm sido dias de muita emoção na Linha do Vouga, na região de Aveiro. Os testes da única locomotiva a vapor a circular em Portugal deram nas vistas, fazendo o tempo andar para trás a pretexto das viagens históricas.

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“É o reviver do passado, com muitas memórias que apertam o coração. Por favor, não deixem morrer o 'Vouguinha', que tanto fez por nós”, apela Manuel Dias, septuagenário residente nas proximidades da estação de Sernada do Vouga, confessando que “20 anos depois da triste despedida” do comboio a vapor “já não contava viver para assistir ao seu regresso” aos carris.

A locomotiva E214 veio da Alemanha para Portugal em 1923 como indemnização pela participação de Portugal na I Grande Guerra Mundial. À época, era uma das mais potentes locomotivas a vapor de via estreita e fez quase toda a sua carreira nas linhas do Corgo (Régua – Chaves) e do Sabor (Pocinho – Duas Igreja). Deixou de operar nos finais dos anos 80 (século XX).

Depois de uma tentativa frustrada no Verão passado, devido aos riscos de incêndio florestal, a CP encontrou outra forma de ir ao encontro das expetativas criadas, colocando a 'velhinha' nos carris apertados do 'Vouguinha' para dois dias – a 14 e 21 de dezembro, em plena quadra natalícia, com um programa de animação cultural.

O sucesso das duas edições do 'comboio histórico' no ramal da Linha do Vouga Aveiro – Águeda, de que foi protagonista a locomotiva diesel Alsthom 9004 nos últimos dois verões, arrastando muitas centenas de turistas, criou boas expetativas.

Jorge Almeida, presidente da Câmara de Águeda, não resistiu a fazer a primeira viagem para 'afinar' homens e máquina, deixando-se encantar pela E214, que é a única locomotiva em Portugal preparada para circular em via estreita (bitola métrica).

“Era um sonho de há muitos anos que vemos concretizar-se. Temos este património absolutamente notável, uma linha ainda capaz, portanto, é nossa obrigação preservar e dar valor a isto, que é muito raro no que diz respeito a comboios históricos”, afirmou o autarca.

A nostalgia vende bilhetes – tem acontecido com as viagens durante o Verão, apesar de os preços não serem propriamente acessíveis. Andar na locomotiva a vapor ficará a 30 euros por adulto; 16,50 euros dos 4 aos 12 anos.

“Acho que exageraram nos preços. Eu fico super feliz por todas as iniciativas na nossa cidade. Mas somos quatro e teria de pagar 106 euros para andar meia dúzia de quilómetros de comboio? Incrível!”, comentou Susana Gonçalves, residente em Águeda.

Entusiastas animados pela “mudança de paradigma”

Bruno Soares, porta voz Movimento Cívico pela Linha do Vouga (MCLV), encara o regresso do 'Vouguinha' a vapor com “enorme satisfação” após cerca de uma década de repetidos apelos para a CP usar a linha para comboios históricos.

“Relativamente à locomotiva a vapor, era algo que todos nós ansiávamos desde que tivemos a notícia que o pessoal da EMEF de Contumil tinha colocado a CP E214 novamente em estado operacional. Um bem-haja para eles também”, afirma.

Os comboios do passado podem revelar-se, paradoxalmente, importantes para garantir melhor futuro a uma linha que já esteve para encerrar e mantém-se à espera de investimentos de modernização.

“Estamos a assistir a uma mudança de paradigma na linha do Vouga, sobretudo no ramal de Aveiro e, curiosamente, é esse que vai mais ao encontro das premissas do nosso movimento”, acrescenta Bruno Soares, esperando que as iniciativas turísticas “possam dar o mote a que os concelhos mais a norte, e que são igualmente servidos por esta via férrea, passem a olhar com os mesmos olhos que o concelho aguedense tem olhado para esta linha centenária”.

Bruno Soares sublinha ainda a necessidade de “salvar o troço entre Sernada do Vouga e Oliveira de Azeméis”, que depois tem ligação a Espinho.

Linha centenária

Temos de recuar até ao ano de 1907 – altura em que Portugal via o seu rei D. Carlos ser assassinado e, posteriormente, o seu filho, de apenas 18 anos, D. Manuel II, assumir as rédeas da nação.

Na realidade, foi no ano de 1877 que surgiram os primeiros projetos para a criação da “Linha do Valle do Vouga”, mas só 30 anos depois é que o contrato para a sua construção e exploração fora fechado, ficando assim os trabalhos a cargo da empresa francesa “Compagnie Française pour la Construction et Exploitation des Chemins de Fer à l’Étranger”.

Sensivelmente um ano depois, no dia 23 de Novembro, o jovem rei inaugurava o primeiro troço, com cerca de 30 quilómetros, entre Espinho e Oliveira de Azeméis. A construção do ramal de Aveiro só terminaria em setembro de 1911.

Nos inícios do século XX, a Linha do Vouga era uma das maiores e mais importantes vias férreas em bitola métrica (distancia entre carris de 1 metro) de Portugal.

No dia 1 de janeiro de 1990, a linha ficaria irremediavelmente amputada e Viseu não mais veria o comboio passar.

Museu ferroviário

Fundado em 1991, o Núcleo de Macinhata do Vouga do Museu Nacional Ferroviário está localizado na segunda estação do ramal de Sernada a Aveiro, ocupa antigas instalações adaptadas para o efeito. Desde há alguns anos que é gerido pela autarquia aguedense no âmbito de um protocolo com a Fundação do Museu Nacional Ferroviário.

O museu apresenta quatro locomotivas a vapor (a mais antiga de 1886), que testemunham mais de um século de história do caminho de ferro nos vales do Vouga e do Dão.

Uma ambulância postal, um salão pagador utilizado para os salários dos homens que construíram e fizeram a manutenção das estreitas vias férreas, por vales apertados e encostas íngremes, juntam-se a outras memórias da locomoção a vapor.

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