10 dez, 2019 - 08:33 • José Pedro Frazão
A Fundação Francisco Manuel dos Santos acaba de divulgar um trabalho sobre as consequências que a crise teve na Justiça. Os autores concluem que os tribunais refletiram o impacto da crise nas famílias e nas empresas e, não tanto, a aplicação das leis aprovadas na sequência da intervenção da troika.
“Seria suspeitável que essas alterações legislativas catalisassem o maior índice de litigiosidade, seja porque estavam em causa soluções que eram objeto de dissenso muito forte, seja porque eram alterações muitas vezes aprovadas num curtíssimo espaço de tempo, o que também colocava riscos do ponto de vista da qualidade do próprio direito que estava a ser produzido. Na verdade, não foi isso que se verificou e o grosso dos problemas que foram levados para tribunal foram precisamente problemas no âmbito do direito privado, o que será natural se tivermos em atenção a consideração de que a vertente que mais sofreu com a crise – e ninguém ficou imune – foram as empresas e as famílias”, explicou Teresa Violante, co-autora do estudo, investigadora na área do Direito da Universidade Nova, ouvida no último programa “Da Capa à Contracapa”.
Uma conclusão sublinhada por Gonçalo Matias, diretor de Estudos da Fundação Francisco Manuel dos Santos. “A crise atingiu todas as áreas de intervenção, até o próprio direito da família. Temos uma enorme incidência no direito a insolvência porque a crise levou a que muitas empresas se tornassem insolventes e tivessem de fechar portas”.
Teresa Violante refere que foram muitas vezes os juízes a trazer a crise para a discussão dos processos que tinham em mãos. No entanto, na hora de decidir, os magistrados foram muito exigentes ao associar a crise a cada caso judicial. “Apesar de aparentemente se reconhecer com relativa facilidade esse impacto destrutivo no tecido empresarial da crise, os tribunais pediam sempre mais e pediam a demonstração - o que juridicamente não é correto. Pediam a demonstração do nexo de causalidade entre a crise e aquelas dificuldades concretas, o que em muitas situações isso se apresentava como algo natural, noutras situações notávamos que era pedir uma prova muito difícil às partes”, explicou.
Outra conclusão deste estudo é que os juízes de instâncias inferiores foram muito críticos em relação ao memorando da troika, ao contrário do que acabou por acontecer com o Tribunal Constitucional. Segundo Gonçalo Matias, os restantes tribunais estavam mais à vontade para expandir uma argumentação mais política.
“Cada palavra que o Constitucional usava era medida a vírgula, porque isso ia ter um enorme impacto nas pessoas e a imprensa estava atenta às decisões nesta altura. Os juízes dos outros tribunais davam-se, talvez, a uma maior liberdade linguística porque não tinham essa pressão e permitiam-se, aqui e ali, fazer comentários sobre o memorando da troika”, lembrou o diretor dos estudos da fundação, sublinhando que o resultado, independentemente dos comentários feitos, era sempre de conformidade com a lei. “O juiz aplicou a lei, nos diversos casos, mesmo que pudesse discordar dela e mesmo que pudesse discordar dos seus fundamentos políticos.”
O estudo “Os tribunais e a crise económica e financeira: uma análise do discurso judicial” analisou uma amostra de mais de 550 decisões judiciais entre 2008 e 2017.