Quando é que se abre um bom vinho? Questiona Paulo Duarte, o padre jesuíta que foi convidado do festival literário Tinto no Branco, em Viseu, para partilhar a mesa com o dominicano Frei Bento Domingues. A resposta é ele mesmo quem a dá: “Normalmente quando há uma relação especial, um nascimento ou uma boda”. Do outro lado da mesa, Frei Bento ironiza - “um casamento com chá…” - e arranca uma gargalhada do público. Foi assim o tom da conversa que reuniu dois homens que nunca tinham dialogado antes.

Numa noite fria em que os aquecedores foram intensificados a meio da sessão, com a tenda do jardim do Solar do Vinho do Dão bem composta, decorreu o diálogo que foi moderado por Jorge Sobrado, vereador da Cultura da autarquia de Viseu, que promove o Festival Tinto no Branco. Falou-se de vinho, com o jesuíta Paulo Duarte a lembrar Santo Inácio, que “fala da importância do equilíbrio das coisas”, e com Frei Bento Domingues a recordar que é “de uma zona, o alto do Gerês, de vinho péssimo que é bebido por uma tigela”. Essa malga é “o sentido da medida” e, concluiu o dominicano, “precisamos na vida dessa medida”

Um país de católicos não praticantes

Questionados sobre se hoje a religião vive vários ataques, e fazendo mais uma vez uma ponte com o vinho, que é um dos temas do festival, Jorge Sobrado interrogou os convidados sobre se hoje, tal como o vinho é atacado por “bebidas brancas e cervejas industriais”, também a religião é um alvo.

Na resposta, Frei Bento começou por recordar que Portugal é “um país de católicos não praticantes” e que “a culpa é dos sacerdotes”. Em causa aponta o dominicano, estão “missas desinteressantes”. Ele, que lembrou que hoje “os católicos têm muitos nichos e vivem cada um à sua maneira” a religião, deixou um conselho: “Vão à sacristia, digam ao padre que não volte a dizer isso, que prepare as homilias com as pessoas”. Autor de várias cronicas e livros, Bento Domingues fala numa certa “indiferença” que deve ser combatida. Na sua opinião, “a evangelização é repensar tudo”.

Paulo Duarte, que recordou as palavras de um padre que viveu no Japão os ataques com bombas atómicas, disse que “não se pode dar respostas do passado às questões do presente.” Este jesuíta, que evocou uma viagem a Madrid onde viu nas livrarias espanholas muitas estantes de livros de espiritualidade, autoajuda e "mindfulness", fala numa sede de espiritualidade que tem de ser respondida, desde logo, com “silêncio”. Nas palavras de Paulo Duarte, a religião “é um mote para educar a sociedade”

A força da reconciliação

Na quinta edição do Festival Tinto no Branco, que decorre em simultâneo com a mostra de vinhos da região do Dão, na iniciativa Vinhos de Inverno, o padre jesuíta e o dominicano foram ainda questionados sobre a força da reconciliação.

Homem do seu tempo, Frei Bento Domingues perguntou à plateia: “Já viram a pouca vergonha do Mundo? Há manifestações nas ruas". Na sua opinião, “o mais importante é a reconciliação” e deixou um apelo: “Façamos o encontro”. De copo de vinho na mão, lembrou que “o vinho é simbólico da alegria”

Por seu lado, Paulo Duarte pegou na palavra religião para ir à sua origem e ver como ela se relaciona com outras como “religar” e “reler”. “A reconciliação acontece quando duas pessoas se querem ligar” lembra este jesuíta que sonhou um dia ser veterinário e que se confessou perante a plateia como um “bailarino não profissional”. Para o padre Paulo Duarte, é importante “voltarmos ao sentido originário da religião e fazer pontes, escutar a vida dos outros”. Este jesuíta, que acabou de lançar o livro “Rezar a Vida” pela editora Matéria Prima, concluiu que “a eucaristia é a promoção da união”.

Também da importância da eucaristia já antes tinha falado Frei Bento Domingues. “Enervo-me bastante quando as pessoas dizem que não comungam porque não se confessaram”, afirmou o dominicano que lembrou que na missa começa-se “por pedir perdão e durante toda a celebração pede-se a remissão dos pecados”. Para si, “a questão do ritualismo é inimiga do rito”. Também para Bento, “a eucaristia é o sacramento da proximidade”, embora aponte que, por vezes, “as pessoas não estão presentes realmente na missa”, enquanto “Jesus está presente”.