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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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Retrato de um padre

07 dez, 2019 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


O retrato do cónego João Seabra escrito por J. L. Ramos Pinheiro e Raquel Abecasis contribui para a história recente do catolicismo em Portugal. Por isso vale a pena ler o livro.

Há meio ano foi publicado um livro que retrata uma figura importante da Igreja Católica portuguesa das últimas décadas: o padre João Seabra, agora cónego (“João Seabra – à Sua maneira”, ed. D. Quixote). Li-o com interesse crescente, até porque está bem escrito.

Eu conheço mal o P. Seabra, não pertenço ao movimento “Comunhão e Libertação”, nem dele me sinto próximo, mas gostei deste retrato de um conhecido padre diocesano de Lisboa. O mérito, além da intensa força espiritual da figura retratada, é dos autores do livro, José Luís Ramos Pinheiro e Raquel Abecasis, de quem sou amigo de longa data, o que não implica concordar sempre com eles. São dois ex-jornalistas, que estiveram décadas na profissão, facto que se nota positivamente na forma como este livro está escrito e o torna agradável de ler.

Decerto que logo na Introdução os autores previnem que não se trata de uma biografia nem de uma investigação de natureza jornalística, pautada pelo exercício do contraditório. O livro pretende ser, e é, um retrato do P. João Seabra, trabalhado de forma seletiva e não exaustiva.

Não é um livro apologético, só com elogios. Sem hesitações, J. L. Ramos Pinheiro e R. Abecasis reconhecem que se trata de uma personalidade com grandes virtudes e alguns defeitos (tendência autoritária, por exemplo), que não escondem. E ao longo do livro os autores ouvem pessoas que o criticaram, que dele se afastaram, que não o seguiram, por exemplo, quando, no final dos anos 80, J. Seabra decidiu aderir ao movimento “Comunhão e Libertação”.

Que se trata de uma personalidade forte e controversa é óbvio desde a juventude do retratado. Vaticinavam-lhe uma carreira política fulgurante, mas afinal foi um padre improvável. Não por acaso, demorou mais do que o habitual a sua ordenação. Mas depressa se revelou um “pregador nato”.

Quando lia o livro, veio-me à ideia várias vezes um outro padre (mais tarde bispo) que conheci e admirei quando era estudante universitário: o “Dr. Rodrigues”, como lhe chamávamos, assistente eclesiástico da Juventude Universitária Católica nos anos 50 do séc. XX. O futuro bispo D. António dos Reis Rodrigues era um conservador, mas a profundidade da sua fé e a sua grande cultura atraíram muitos jovens que se opunham ao regime ditatorial então vigente. Daí a minha satisfação ao ler neste livro uma afirmação de J. Seabra, considerando D. António R. R. o bispo que mais estimou e de quem se sentiu mais próximo (pág. 320).

Por outro lado, o livro em causa não desvaloriza o essencial: a “inabalável confiança” do cónego João Seabra em Cristo e no futuro da Sua Igreja.

Porquê falar agora deste livro? Porque me parece que ele foi em geral bem aceite, embora algumas pessoas tenham – dizem-me – levantado uma ou outra objeção. Não acompanho de perto a chamada “cozinha eclesiástica”, por isso não posso julgar. Mas de uma coisa estou certo: este é um livro que contribui para a história recente do catolicismo em Portugal e que vale muito a pena ler.

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