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Tribunal de Contas conclui que planos municipais de defesa da floresta são “para inglês ver”

03 dez, 2019 - 23:59 • João Pedro Barros

Documentos servem para “atestar um estatuto de cumprimento que tem impacto no financiamento”, mas autarquias não conseguem "quantificar o seu contributo na redução das ignições ou área ardida”. São detetadas falhas no planeamento, articulação e atualização dos dados, bem como no controlo da atribuição das verbas, nomeadamente aos bombeiros.

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O facto de um município dispor de um plano de defesa da floresta contra incêndios (PMDFCI) aprovado “não o torna, de forma determinante, mais capacitado" para a sua proteção. A conclusão é do Tribunal de Contas (TC), numa auditoria revelada esta terça-feira e que é pouco menos do que arrasadora para as autarquias, mas que atinge também o Governo e o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

“Os municípios não diligenciam pela execução das ações constantes dos PMDFCI, pelo que o facto de existir PMDFCI não garante, por si só, maior capacitação na defesa da floresta, embora permita suprir uma obrigação e atestar um estatuto de cumprimento que tem impacto no financiamento municipal”, é referido na nota de abertura do relatório, que se baseia numa análise relativa ao período entre 2015 e 2017.

De acordo com o TC, o problema está desde logo na entrada em vigor dos planos, dado que a “gestão do processo de elaboração e aprovação dos PMDFCI, que envolve municípios e ICNF", não tem permitido a sua efetivação "atempada”.

Mais importante ainda, uma parte das ações “compete a outras entidades que não os municípios e outras são de responsabilidade partilhada”, pelo que não há “procedimentos que permitam efetuar uma avaliação global da sua execução”.

“A execução das medidas de defesa da floresta contra incêndios não tem correspondência no PMDFCI, não tendo os municípios conseguido demonstrar ou sequer apurar o grau de execução financeira do plano de ação do PMDFCI, não estando em condições de quantificar o seu contributo na redução das ignições ou área ardida”, sublinha-se.

Critérios de atribuição de apoios revelam “insuficiências”

Em poucas palavras, o TC diz que não há planeamento, articulação, controlo e critério para a atribuição das verbas.

“O essencial do esforço financeiro dos municípios com a defesa da floresta contra incêndios respeita a apoios concedidos aos corpos de bombeiros e a entidades associativas com atividades no âmbito da proteção civil, revelando insuficiências na definição dos critérios de atribuição e no controlo da sua aplicação”, pode ler-se.

Os juízes do TC notam igualmente que a elaboração dos PMDFCI “não aproveitou a componente analítica e de diagnóstico para desenhar um plano de ação à medida das características específicas do município”. Ou seja, os planos servirão apenas “para inglês ver".

“Os sistemas de informação dos municípios não estão parametrizados de forma a permitir a análise da execução financeira dos planos, carecendo de desenvolvimentos ao nível da contabilidade analítica. A compatibilização entre os instrumentos de gestão territorial, nomeadamente os PDM [planos diretores municipais], e a legislação setorial de defesa da floresta contra incêndios não está assegurada, constituindo um fator de tensão e ineficiência na implementação dos planos”, resume-se.

Para chegar a estas conclusões, o TC fez uma análise aos planos dos municípios de Abrantes, Góis, Monchique, Mortágua, Oleiros e Ponte de Sor. A título de exemplo, refere-se que o PMDFCI de Monchique prevê, em média, uma “intervenção a cada 20 anos” em cada troço da rede viária florestal; que, em Mortágua, o gabinete técnico florestal “dispunha apenas de um técnico para exercer um conjunto alargado de competências”, que passou a acumular com as de comandante operacional municipal e dos Bombeiros Voluntários de Mortágua, desde 2016; e que, em Oleiros, a falta de atualização dos dados de diagnóstico e da cartografia de base afeta a “utilidade e eficácia” do plano.

Todos estes municípios exercem no documento o direito de contraditório, através dos respetivos presidentes, de vereadores ou de membros da Assembleia Municipal.

Recomendações para todos

Para tornar os planos efetivos, o TC faz uma série de recomendações, a começar pelo Governo, que deve definir “a entidade supramunicipal responsável pela monitorização da execução dos planos” e capacitá-la para o efeito. Por sua vez, o ICNF deve garantir “a observação de critérios mínimos de qualidade” na elaboração dos planos e zelar pela “correção da informação”, nomeadamente disponibilizando os “dados sobre áreas ardidas por concelho”.

Os municípios, naturalmente, também saem com as orelhas a arder. Devem garantir um “aumento da qualidade” dos planos e definir que eles sejam “coerentes e exequíveis”. A monitorização da execução financeira é outra das prioridades, nomeadamente através da “fundamentação e controlo” dos apoios concedidos aos bombeiros.

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