Siga-nos no Whatsapp

“Vai para casa coser meias!” Primeiro curso de mulheres na PSP abriu em 1972

02 dez, 2019 - 10:00 • Ana Rodrigues , Joana Bourgard

A PSP foi a primeira força de segurança a admitir mulheres no corpo de efetivos. Maria dos Anjos Felicidade e Cristina Chaparro foram duas das 229 mulheres a ocupar um lugar que, até então, pertencia apenas aos homens.

A+ / A-
"Vai para casa coser meias". A história das primeiras mulheres na PSP
"Vai para casa coser meias". A história das primeiras mulheres na PSP

Cristina Chaparro tinha 34 anos quando entrou para a policia. Pertenceu à primeira incorporação de mulheres na PSP. Corria o ano de 1972. Já era casada e tinha dois filhos. Pela primeira vez, os portugueses puderam ver na rua, a regular o trânsito, uma mulher polícia sinaleira.

Crsitina pertenceu ao grupo de 229 mulheres que abriram o caminho. Entrar na polícia significou, para muitas delas, a esperança de uma vida melhor. Ou apenas uma fuga à violência doméstica.

Cristina recorda-se bem do momento em que contou ao marido que ia para a polícia. “Ele não gostou nada, bebia muito vinho e faltava o dinheiro em casa.” Lembra-se das “tareias" e também de como, nesse dia, não teve medo e quis mesmo concorrer para a policia.

José Martins, o filho que, agora, tantos anos depois, é o cuidador da mãe, recorda que foi ele “a meter o requerimento para ela concorrer para a polícia. Sabia muito bem que papéis eram aqueles porque ela explicou tudo”.

José conta que “havia muita discriminação, na altura" e "não era bem aceite que uma mulher trabalhasse fora de casa". Todavia, a mãe "queria fugir de casa, daquele ambiente que não era sadio”.

Cristina Chaparro pertenceu ao primeiro alistamento, mas a verdade é que as primeiras mulheres chegaram à PSP em 1930. Eram apenas dez e tinham funções de cariz social. Não tinham uniforme específico e desempenhavam funções administrativas, de vigilância de mulheres e crianças, serviços assistenciais e revista de meretrizes.

Nos registos, a primeira mulher polícia portuguesa é Emília da Conceição Pereira, mas só em 1972 é que se dá inicio ao primeiro curso de formação de Guardas, em que estas assumem finalmente funções de polícias efetivas e prestam pela primeira vez juramento solene. Um momento histórico em Portugal.

José Martins recorda-se bem do dia em que a mãe, já a trabalhar como policia sinaleira, “estava a regular o trânsito e um condutor que ela mandou parar disse-lhe para ir coser meias para casa”. Sem hesitar, a mãe “agarrou-o pelos colarinhos, dominou-o e levou-o para os calabouços do Governo Civil por desobediência à autoridade”.

Foi para a policia comandar senhoras da limpeza

Do primeiro alistamento, fez também parte Maria dos Anjos Felicidade.

Tal como Maria Cristina, também ela era casada com um agente da polícia. Também ela foi pioneira e também ela em nome da família.

Orgulhosa de um percurso “honesto e sem manchas” num mundo de homens, Maria dos Anjos lembra, com tristeza, os primeiros dois anos na policia, onde a puseram a “comandar as senhoras da limpeza”.

Uma função que retrata bem o tipo de tarefas entregues às primeiras guardas. Os jornais da altura escreviam, em título, que “a mulher a mandar no trânsito dá suavidade à condução”. Outro falava do “dom feminino a suavizar a lei”.

Mas Maria dos Anjos não era mulher para se conformar com os trabalhos de doméstica que lhe atribuíam na polícia e, um dia, exaltou-se com o coronel que a mandava “meter a roupa nas máquinas de lavar”.

Maria dos Anjos queria trabalhar com papéis. Afinal, "tinha dois cursos de dactilografia”. Andar na rua é que nem pensar, até porque “o curso de oito semanas também não dava para muito mais”.

O país não estava preparado, mas o caminho começava a ser feito e as regras da primeira incorporação eram bem claras: para uma mulher entrar na polícia, era condição ter mais de 21 anos e menos de 35, ter como habilitação mínima o 2.º grau de instrução primária, ter altura mínima de 1.55 metros e ter irrepreensível comportamento moral e civil.

Maria dos Anjos tinha tudo isso e muito mais. Para a antiga professora primária, não foi difícil passar no teste do ditado, onde as concorrentes chumbavam se dessem mais de seis erros.

Nas habilitações literárias, as mulheres sobressaíam, mas também nas provas físicas. Maria dos Anjos, a professora de Pataias, mostrou comportamento exemplar, mesmo ao saltar 30 centímetros com os pés juntos e correr sessenta metros em 15 segundos.

Na PSP as mulheres ganhavam o mesmo que os homens

Vistas como frágeis e incapazes de fazer o mesmo trabalho que os homens, as primeiras mulheres na polícia mostraram, desde logo, que não iam abdicar da igualdade de oportunidades.

Na altura, recorda Maria dos Anjos, "os homens não viam com bons olhos que as mulheres ganhassem o mesmo que eles”.

Quando chegou a hora da promoção, eles subiram à 1.ª classe e elas ficaram para trás. Inconformadas, contrataram um advogado e “a promoção acabou por chegar para todas”.

Foi apenas mais um passo na conquista de um lugar até então vedado ao sexo feminino. Sem olhar para trás e a transformar por dentro uma instituição que foi também pioneira. Com o primeiro alistamento feminino de 1971 e entrada das mulheres em janeiro de 1972, a PSP ficou para a historia como a primeira força de segurança em Portugal a admitir mulheres nas suas fileiras.

Em 1980, houve novo concurso na PSP exclusivamente feminino com 14 mil candidatas e 312 mulheres foram admitidas.

Em 2018, as mulheres na polícia de segurança publica representam pouco mais de 10% dos efetivos. A diferença ainda é grande, há mais de 18.000 homens para 2.000 mulheres na polícia

Estão no patrulhamento, investigação criminal, trânsito, segurança pessoal, proteção de testemunhas, e missões internacionais da ONU e da União Europeia em cenários de risco. Missões bem diferentes às que em 1972 foram atribuídas às primeiras mulheres polícia.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • Nome
    03 dez, 2019 Portugal 11:43
    "Vão para casa coser meias...." Dizia o outro. A única diferença é que agora cosem as meias na policia e em cima da secretaria, pq na rua não servem para nada. Salvo raríssimas exceções claro.
  • Amora Bruegas
    02 dez, 2019 16:43
    Interessante artigo, bom e oportuno testamunho, que contradiz muito do politicamente correcto. O que não se refere, é que o facto de elas fazerem o mesmo, NÃO SIGNIFICA QUE TENHAM AS MESMAS CAPACIDADES..., e não têem. Têem as delas, complementares. Ou alguém duvida que fisicamente são inferiores e como tal, não têm a mesma capacidade física de resistência, de força? Em contrapartida, o que não se diz, é que esta visão fundamentalista de que a mulher tem obrigatoriamente ser igual ao homem (e não é!), é grande responsável pelo Invernos demográfico das sociedades ditas desenvolvidas, e que pode ser o seu suicídio. É o que faz a soberba e a luxúria.., tal como aquando da queda do Império Romano.

Destaques V+