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“Acha normal?” Consulta no IPO adiada um ano, uma história em cinco atos

21 nov, 2019 - 15:26 • Beatriz Lopes , Carla Fino , Marta Grosso

Paula Mendes é a interlocutora. É filha do idoso de quase 90 anos que viu a sua consulta ser adiada um ano. Da parte do IPO, o presidente da administração garante que se trata de uma questão de prioridade.

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Tudo começou com um ‘post’ no Facebook. Paula Mendes denunciava o adiamento de uma consulta no IPO de Lisboa por mais um ano – uma situação que classifica como "inadmissível" e "desumana". Mas esta não é a primeira parte da história.

Ato I

“O meu pai tem 90 anos – vai fazer 90 anos no dia 3 de dezembro. Foi ao médico e queixou-se de uma ferida que tem aberta na cabeça – ele é diabético – e o médico, segundo o que meu pai diz, tirou fotografias e mandou para serem vistas no IPO”, conta a filha à Renascença.

Paula Mendes esclarece que o pai, Abílio, “está lúcido, anda sozinho, anda de autocarro e vai para todo o lado sozinho”.

A visita ao médico “foi a primeira parte”.

Ato II

“No dia 7 de junho, recebemos uma carta do IPO a marcar a consulta para o dia 20 de janeiro de 2020. Na semana passada, recebemos uma outra carta do IPO a remarcar a consulta [de janeiro de 2020] para o dia 4 de janeiro de 2021. E a minha indignação começou aí”, diz Paula Mendes.

“O meu pai estava marcado para o dia 20!”, sublinha. Anexado a esta segunda carta vinha um papel com a “indicação para ir para os Capuchos ou coisa do género”.

“Não é um ano depois que se vem dizer para fazer uma nova marcação ou que se dá a indicação para os Capuchos. O meu pai nunca esteve no IPO, nunca foi visto, seria a primeira consulta para ver o que é ou o que não é. E daí coloquei no Facebook e tornou-se viral”, refere indignada.


E foi assim que se veio a saber que o que aconteceu ao pai de Paula não é caso único. “Há milhares de pessoas com os mesmos problemas. Muitas delas contaram as suas histórias no meu Facebook. Há lá centenas de histórias. As pessoas não falam, mas as coisas estão a acontecer”, denuncia.

Ato III

Depois da indignação e de o caso se ter tornado viral nas redes socias, e ainda depois da denúncia na comunicação social, Paula Mendes recebeu uma notícia: "Ontem [quarta-feira], às três da tarde, recebemos uma chamada do IPO para o meu pai ir a uma consulta amanhã [sexta-feira], dia 22. [Diz] para lá estar às 9 horas da manhã”.

“A pergunta que eu faço é: acha normal?”, questiona.

Paula Mendes não culpa o Instituto Português de Oncologia de Lisboa. “Não é o IPO, ou outra instituição, que está em causa: é todo um sistema. Aliás, posso dizer-lhe que a minha neta teve tratamentos oncológicos no IPO, na área da pediatria, e só tenho a dizer o melhor daquela instituição. Não são eles, não são os técnicos. É o que está por detrás”, insiste.

Ato IV

Confrontado pela Renascença, o presidente da administração do IPO de Lisboa garante que o utente vai ser atendido antes de janeiro de 2021.

“A informação que saiu para o doente está a ser corrigida pelo serviço, porque ou através do recurso a outro hospital ou através de uma marcação noutra data no IPO, este doente nunca seria visto só daqui a um ano. Será certamente visto antes”, garante João Oliveira, lamentando que “a pessoa tenha alertado os jornais antes que o hospital tivesse sido contactado pelo doente para dizer o que estava a acontecer”.

Segundo este responsável, o que está em causa é uma questão de prioridade. Como não se tratava de um caso prioritário, foi apresentada a alternativa de o doente ser acompanhado no Hospital de Santo António dos Capuchos, em Lisboa, “com o qual o IPO de Lisboa estabelecia um protocolo justamente para situações que poderão à partida não necessitar de ser tratadas no IPO”.

“No caso deste doente, foi de facto feita uma triagem por teledermatologia e, de acordo com os especialistas de dermatologia deste hospital, poderia ter uma primeira consulta num serviço de dermatologia num hospital geral”, adianta João Oliveira.

Ainda assim, o Ministério da Saúde estabelece que nos casos não prioritários – em que não é diagnosticado um problema crítico, como um cancro – o tempo máximo de espera por uma consulta é de 180 dias.

Ato V

Por falta de dermatologistas, o IPO de Lisboa continua a ter constrangimentos na marcação de consultas. Por ano, o serviço recebe cerca de 2.500 novos doentes, faz mais de nove mil consultas e cerca de 700 cirurgias de ambulatório.

"Neste momento, no IPO, temos quatro dermatologistas a tempo parcial. Não sei dizer de imediato de quantos é que precisaríamos, porque avançar um número é ilusório”, afirma à Renascença o presidente da administração do IPO de Lisboa.

João Oliveira defende uma “política de recursos humanos” para cada região. “Não é um número que deva ser decidido individualmente por cada hospital”, destaca.

“Quando eu falo numa política de recursos humanos – nomeadamente de distribuição de médicos – vale a pena olhar por região, perceber qual é a dotação que existe em cada hospital e como é que os hospitais se podem valer uns aos outros”, explica.

As baixas remunerações, sobretudo em comparação com o setor privado, são uma das razões apontadas por João Oliveira para a dificuldade na contratação de mais profissionais.

Ao que a Renascença apurou junto de fonte oficial do IPO, dos quatro dermatologistas que trabalham a tempo parcial, um abandonará o serviço até ao final do ano, uma vez que tenciona trabalhar no estrangeiro.

Certo é que, para dar resposta ao elevado número de utentes, o IPO de Lisboa assinou em julho deste ano um protocolo com o Serviço de Dermatologia do Hospital de Santo António dos Capuchos, em Lisboa, para onde são encaminhados utentes não prioritários.

O IPO de Lisboa dá conta de que, “com menos ou mais dermatologistas” no serviço, o caso deste idoso poderá não ser único, tendo em conta que "as consultas e os tratamentos são marcados de acordo com critérios de prioridade clínica”.

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