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​Embaixador nomeado por Trump arrasa tese republicana sobre inocência do Presidente

21 nov, 2019 - 01:05 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque

É republicano. Foi escolhido por Trump para Bruxelas. Tinha linha direta com o Presidente. Gordon Sondland demoliu pela base a tese de que Trump está inocente na troca de favores com a Ucrânia. O “impeachment” na Câmara de Representantes é agora mais provável.

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Se houvesse dúvidas de que as coisas estavam a correr mal no inquérito sobre o “impeachment”, Donald Trump encarregou-se de as dissipar. A meio da manhã desta quarta-feira em Washington, ainda o embaixador Gordon Sondland estava a ler o seu depoimento inicial perante os deputados da Comissão de Serviços Secretos da Câmara de Representantes já o Presidente vinha a público demarcar-se dele.

“Não o conheço bem. Parece bom tipo, mas não o conheço bem. Ele foi apoiante de outros candidatos e chegou tarde à minha campanha”, afirmou Trump aos jornalistas, numa daquelas declarações de distanciamento típicas dele quando alguém não lhe exprime cega e total lealdade.

Sucedeu já várias vezes desde que está na Casa Branca. Trump, num estilo bem conhecido graças a inúmeros filmes de Hollywood, começava a deixar cair um dos homens que ainda há poucas semanas elogiava como “a great guy”.

Gordon Sondland não é um embaixador de carreira, nem funcionário do Departamento de Estado. É um empresário de sucesso que contribuiu financeiramente para a campanha de Trump. Só para a cerimónia de tomada de posse do Presidente (“inauguration”), em janeiro de 2017, passou um cheque de um milhão de dólares.

Após a eleição, Trump nomeou-o embaixador dos EUA junto da União Europeia, seguindo uma velha tradição americana de escolher para alguns postos diplomáticos apoiantes políticos de relevo. É frequente, por exemplo, o embaixador em Portugal ser um amigo do presidente ou alguém que contribuiu generosamente para a sua campanha eleitoral.

Além de embaixador na UE, Sondland foi encarregado pelo Presidente de conduzir a diplomacia com a Ucrânia, após Trump ter despedido a embaixadora em Kiev, uma diplomata de carreira. Nessa qualidade falava frequentemente ao telefone com Trump e o à-vontade entre os dois era total, como se percebe pelas transcrições de algumas chamadas. Ambos gostam de usar linguagem “colorida”, o que ajudava à cumplicidade.

Até esta quarta-feira. Porque a partir deste dia, Trump colocou certamente Sondland na sua “lista negra” como fez a tantos outros desde que entrou na Casa Branca. E convenhamos que, na sua lógica, tem razões para isso, já que o embaixador fez declarações na comissão de inquérito do processo de “impeachment” bastante comprometedoras para o Presidente.

A mais importante das quais foi, naturalmente, garantir que Trump estabeleceu um nexo de causalidade (quid pro quo, na expressão inglesa) entre a suspensão da ajuda militar à Ucrânia e a garantia por parte das autoridades ucranianas de que investigariam a família Biden e uma suposta interferência nas eleições americanas de 2016.

Sondland não teve dúvidas em afirmar que o Presidente americano suspendeu a entrega de ajuda militar à Ucrânia no valor de 400 milhões de dólares para forçar o novo Presidente ucraniano, Zelensky, a anunciar uma investigação interna à empresa onde trabalhou o filho do ex-vice-presidente Joe Biden e outra investigação a uma alegada conspiração de entidades ucranianas para ajudar Hillary Clinton nas eleições de 2016. Uma tese conspirativa mais do que desmentida pelas agências de “intelligence" americanas, que concluíram há muito que foram os russos que interferiram nas eleições dos EUA e não os ucranianos. E em favor de Trump.

Essa troca de favores forçada por Trump está na base do inquérito no Congresso e é o motivo para o processo de destituição em curso. Até agora, Trump e os republicanos insistem que não houve qualquer nexo de causalidade entre os dois factos e foi esse argumento que Sondland demoliu pela base na comissão de inquérito.

Explicou que Trump delegou no ex-mayor de Nova Iorque, Rudy Giuliani, seu advogado pessoal, a tarefa de traçar uma estratégia de pressão sobre as autoridades ucranianas para as obrigar a investigar os Biden e a alegada interferência nas eleições de 2016. E que ele, Sondland, bem como outros americanos, foram forçados a trabalhar com Giuliani naquela missão. Uma missão que Sondland disse que não lhe agradava, mas que se viu compelido a aceitar porque o próprio presidente lhe dissera para falar com Giuliani.

A partir desse momento, Sondland assumiu que Giuliani tinha a caução de Trump e que o objetivo era deixar claro ao presidente Zelensky, que um encontro bilateral na Casa Branca e a ajuda militar aprovada pelo Congresso só se concretizariam se ele prometesse publicamente que a sua administração abriria investigações aos dois assuntos citados. “Trabalhei com Giuliani, seguindo as diretivas do Presidente”, disse Sondland.

Há, de resto, transcrições de telefonemas e de mensagens que corroboram este quadro e o próprio Trump fez menção às investigações ucranianas num telefonema com Sondland. No entanto, como não concretizou a que investigações em concreto se referia, os republicanos na comissão de inquérito interrogaram Sondland sobre se alguma vez o presidente lhe tinha dado instruções diretas para ligar as investigações ucranianas à suspensão da ajuda militar.

O embaixador esclareceu que Trump nunca lhe tinha dito tal coisa pessoalmente e que até num dos telefonemas lhe tinha dito o contrário: que não queria nenhum “quid pro quo”. No entanto, reiterou que Giuliani o tinha dito aos ucranianos e que toda a ação diplomática americana junto das novas autoridades da Ucrânia apontava nesse sentido. Interrogado especificamente por um deputado democrata sobre se entendia que tinha havido troca de favores, Sondland disse inequivocamente: sim.

Os republicanos agarraram-se então ao único argumento que parecia viável no momento. Atendendo a que Trump não instruiu o embaixador para estabelecer um nexo entre uma coisa e outra, o presidente não tinha cometido qualquer ilícito. Giuliani poderá ter agido incorretamente junto dos ucranianos, mas Trump continuava inocente.

Neste ponto, Sondland recordou que o próprio Trump lhe tinha dito para seguir as indicações de Giuliani, algo que o secretário de Estado Mike Pompeo, a certa altura, também lhe recomendou. Mais, Sondland deixou claro que tanto Pompeo, como o chefe de gabinete de Trump, Mick Mulvaney, e o próprio vice-presidente, Mike Pence, estavam a par das diligências em curso junto do presidente ucraniano e portanto todos sabiam que a ajuda militar e a reunião com Trump na Casa Branca só seriam desbloqueadas quando Zelensky anunciasse publicamente as investigações aos Biden e à interferência nas eleições de 2016.

Em relação ao vice-presidente Pence, Sondland contou que lhe tinha falado do assunto durante uma cimeira na Polónia a 1 de setembro, em que ele representou Trump. E em relação a Pompeo e a Mulvaney, deixou a pairar a afirmação de que estes dois responsáveis estarão a reter documentos importantes para o inquérito que provam a existência da campanha de pressão sobre a Ucrânia. E no caso de Pompeo foi mais longe: afirmou que após contacto com o secretário de Estado se tinha sentido confortável em dizer a um assessor de Zelensky que a ajuda militar seria suspensa até que o presidente ucraniano anunciasse as investigações desejadas por Trump.

A implicação destes três altos responsáveis da administração nos termos em que Sondland a fez compele a comissão de inquérito a convocar cada um deles para depor perante si e o país. Um objetivo que não será fácil de concretizar mesmo com uma intimação do Congresso porque o presidente pode invocar privilégios próprios para o evitar.

Em estado de negação da realidade, os republicanos desvalorizaram a importância do depoimento de Sondland — um homem insuspeito de simpatias democratas e que foi escolhido por Trump para embaixador na UE — continuando a afirmar que não há qualquer troca de favores com a Ucrânia porque ninguém ouviu Trump dar instruções para tal.

Este é um argumento que remete para a célebre declaração do antigo advogado pessoal de Trump, Michael Cohen, condenado a três anos de prisão, quando depôs no Congresso há uns meses: Donald Trump fala em código, nunca diz explicitamente aquilo que quer que façam por ele se isso envolver alguma conduta ilícita. Deixa subentendido, dá a entender, sugere.

Em que tipo de filmes de Hollywood é que já vimos isto?

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  • Luis Miguel de Almei
    21 nov, 2019 setubal 08:46
    Vocês como jornalistas são uma vergonha a verdadeira vergonha nacional vai chegar o dia em que voçês e outros vão ser perseguidos pelas ruas, por todos estes anos de mentiras....

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